terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SuperSimples pode ter prazo prorrogado

Com o sistema de geração de dados do SuperSimples Nacional sobrecarregado, o governo estuda prorrogar o prazo, que a princípio expiraria hoje, para as empresas aderirem ao programa.
Como as novas regras ampliam o número de empresas que podem se candidatar ao programa, não houve tempo de fazer os ajustes necessários para que o sistema suportasse os dados adicionais.
Segundo a reportagem apurou, uma eventual prorrogação do prazo será decidida hoje, durante reunião do Comitê Gestor do Simples-regime tributário especial e simplificado para micro e pequenas empresas, criado para estimular a economia.
De acordo com o que foi publicado ontem pela Folha, na coluna Painel, uma falha na atualização de softwares vem impedindo que Estados e municípios que regulamentaram o novo regime tributário especial, de novembro de 2011, recolham os impostos relativos a janeiro.
O Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), que é responsável pelo sistema do SuperSimples, negou que tenha falhado ou permitido uma pane.
A reportagem também procurou a Receita Federal, questionando qual seria o problema técnico e o que está sendo feito para resolvê-lo. O órgão disse que só se pronunciaria hoje sobre o caso.
Desde o fim de 2011, o regime especial de tributação passou a abranger empresas com faturamento 50% maior do que o programa anterior.
O limite para microempresas aumentou de R$ 240 mil para R$ 360 mil. No caso das pequenas empresas, a elevação foi de R$ 2,4 milhões anuais para R$ 3,6 milhões.
Além disso, a nova lei excluiu as receitas com exportações desse cálculo, o que permite que a empresa fature até R$ 7,2 milhões e mesmo assim possa permanecer no regime simplificado.
O governo criou também um novo programa de parcelamento, em até 60 meses, das dívidas das empresas inscritas no programa.
Devedor do ISS vai à Justiça para poder emitir nota
Empresas devedoras do ISS (Imposto Sobre Serviços) na cidade de São Paulo e que tiveram seus sistemas de emissão da nota fiscal eletrônica bloqueados estão ganhando na Justiça o direito de expedir o documento novamente.
Segundo o advogado Ricardo Chiarioni, duas empresas já conseguiram liminares para voltar a emitir a nota eletrônica. Outras sete firmas já se preparam para entrar com a ação. A prefeitura diz que vai recorrer das decisões.
Desde 1º de janeiro, devedores do tributo municipal por três meses seguidos ou seis alternados ficam impedidos de emitir nota até o pagamento ou renegociação da dívida.
O objetivo, diz a prefeitura, é impedir o avanço da inadimplência que em 2011 foi de 3,7% a 5,4% e hoje chega a R$ 660 milhões.

MAELI PRADO
DE BRASÍLIA
Fonte: Clipping AASP, 31/01/2012.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Eficácia Temporal da Revogação da Jurisprudência Consolidada dos Tribunais Superiores

Luiz Guilherme Marinoni
Advogado em Curitiba e em Brasília; Pós-Doutor pela Università degli Studi di Milano; Professor Titular de Direito Processual Civil da UFPR; Visiting Scholar na Columbia University.

(Artigo publicado na edição nº 45 da Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil e disponível com exclusividade aos assinantes da newsletter Lex Magister.)

RESUMO: A autoridade dos precedentes dos Tribunais Superiores, e a sua consequente importância para a coerência da ordem jurídica e para a estabilidade do direito, exige que se dê especial atenção à revogação da jurisprudência consolidada destes Tribunais para evitar que o jurisdicionado seja surpreendido por uma "surpresa injusta" ou tenha violada a "confiança justificada" que depositou nas decisões do Poder Judiciário. Este texto, diante do art. art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil, se propõe a analisar a técnica dos efeitos prospectivos das decisões que revogam precedentes, demonstrando a sua imprescindibilidade para a tutela da segurança jurídica.
PALAVRAS-CHAVE: Precedente. Overruling. Segurança Jurídica. Confiança Justificada. Efeitos Prospectivos. Art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil.
1 Introdução 1
A autoridade dos precedentes dos tribunais superiores é fundamental para a coerência da ordem jurídica, assim como para a tutela da previsibilidade e da confiança nos atos do Poder Judiciário. Tal autoridade, no entanto, não depende apenas do respeito dos órgãos judiciais inferiores. O próprio tribunal responsável pela elaboração do precedente deve observá-lo, sem o que, em verdade, os precedentes não passariam de anúncios passageiros do semblante do Direito.
Quando os precedentes ou a jurisprudência consolidada são levados a sério, a sua estabilidade requer especial cuidado. Isto porque, como chega a ser intuitivo, a revogação de jurisprudência consolidada pode causar surpresa injusta a todos aqueles que nela pautaram suas condutas. Daí porque é imprescindível, na lógica jurídica estribada na autoridade e na obrigatoriedade dos precedentes, atentar para os efeitos da decisão revogadora de precedente ou de jurisprudência consolidada.
Nesta dimensão a eficácia das sentenças exige estudo renovado, desconhecido da tradição do nosso direito processual, na qual não existia lugar para pensar em modulação dos efeitos temporais para preservar a segurança jurídica. O art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil, afirma que, "na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica". A norma, que reflete a intenção do projeto em outorgar força obrigatória aos precedentes dos Tribunais Superiores, estimula a reflexão que segue, voltada a elaborar uma teoria da eficácia temporal das decisões revogadoras de precedentes obrigatórios.
2 A Questão nos Estados Unidos
A revogação de um precedente (overruling) tem, em regra, efeitos retroativos nos Estados Unidos e no common law. Como a revogação do precedente significa a admissão de que a tese nele enunciada – vigente até o momento da decisão revogadora – estava equivocada ou se tornou incompatível com os novos valores ou com o próprio direito, aceita-se naturalmente a ideia de que a decisão deve retroagir para apanhar as situações que lhe são anteriores, tenham dado origem, ou não, a litígios – cujos processos devem estar em curso.
As decisões do common law são normalmente retroativas, no sentido de que a nova regra, estabelecida para o caso sob julgamento, é aplicável às situações que ocorreram antes da decisão que as fixou, bem como a todas aquelas que lhes são similares e, assim, estão expostas à mesma ratio decidendi.
Porém, a prática judicial americana tem evidenciado, em tempos recentes, hipóteses em que é necessário não permitir a retroatividade da nova regra, firmada na decisão que revogou o precedente. 2 Nestas situações, as Cortes mostram-se particularmente preocupadas em tutelar o princípio da segurança – especialmente na sua feição de garante da previsibilidade – e a confiança depositada pelos jurisdicionados nos atos do Poder Público. 3
Eisenberg enfatiza que "the major justification for prospective overruling is the protection of justifiable reliance". 4 Há aí, antes de tudo, plena consciência de que a retroatividade de uma decisão que substitui precedente que, por certo período de tempo, pautou e orientou a conduta dos jurisdicionados é tão injusta quanto a perpetuação do precedente judicialmente declarado injusto. Mas, para que a não retroatividade se justifique, exige-se que a credibilidade do precedente não tenha sido abalada, de modo a não tornar previsível a sua revogação. Caso a doutrina e os tribunais já tenham advertido para o equívoco do precedente ou apontado para a sua conveniente ou provável revogação, não há confiança justificável ou confiança capaz de fazer acreditar que os jurisdicionados tenham, legitimamente, traçado os seus comportamentos e atividades de acordo com o precedente. De modo que, para que o overruling não tenha efeitos retroativos, as situações e relações antes estabelecidas devem ter se fundado em uma confiança qualificada, que pode ser dita uma "confiança justificada" 5.
Há casos em que o precedente pode deixar de corresponder aos valores que o inspiraram ou se tornar inconsistente e, ainda assim, não se mostrar razoável que a sua revogação atinja situações passadas, em virtude de a confiança justificável, então caracterizada, sobrepor-se à ideia de fazer a revogação valer para trás.
Não obstante, embora com a irretroatividade dos efeitos do overruling ou com o overruling com efeitos prospectivos se garanta o princípio da segurança e se proteja a confiança nos atos do Poder Público, daí também podem advir custos ou prejuízos. O prospective overruling pode gerar resultados ou decisões inconsistentes, especialmente quando se está diante do overruling cujos efeitos apenas podem ser produzidos a partir de certa data ou do overruling cujos efeitos retroativos incidem apenas sobre determinado caso. 6
Note-se que, na primeira hipótese, como o overruling tem efeitos somente a partir de certa data, as situações e relações que se formam depois da decisão são tratadas de modo diverso, conforme tenham se estabelecido antes ou depois da data prevista na decisão, ainda que esta tenha declarado a ilegitimidade do precedente. De outro lado, a admissão da retroatividade em relação a apenas um caso ou somente ao caso sob julgamento faz com que todos os outros casos passados sejam tratados à luz do precedente, embora se declare que este não mais tem autoridade. Tais situações permitem o surgimento de resultados inconsistentes.
Esta última situação é exemplificada através do caso Molitor v. Kaneland Community. Trata-se de caso em que a Corte de Illinois revogou o precedente da "imunidade municipal", responsabilizando o município pelos danos sofridos por Thomas Molitor em acidente de ônibus escolar. Nesta hipótese, decidiu-se que a nova regra não seria aplicada a casos anteriores, exceto o de Thomas – o caso sob julgamento. Contudo, mais tarde a Corte percebeu que teria de aplicar a nova regra a outras sete crianças – três delas irmãos de Thomas –, que também estavam no ônibus que se acidentara, em virtude de ter reconhecido que todas as crianças que viajavam no ônibus deveriam ser tratadas de igual forma. 7
Por sua vez, a primeira hipótese, acima referida, é exemplificada mediante Spaniel v. Mounds View School District nº 621, em que a Corte de Minnesota revogou o precedente que conferia imunidade às unidades municipais, como cidades e distritos estudantis, recusando-se a aplicar a nova regra ao caso sob julgamento e declarando que os seus efeitos deveriam ficar contidos até o final da próxima legislatura de Minnesota. 8
Quando se posterga a produção de efeitos da nova regra, fala-se em prospective prospective overruling. Ademais, como esclarece Eisenberg, alude-se a pure prospective overruling para demonstrar o que ocorre quando a Corte não aceita que a nova regra regule o próprio caso sob julgamento, restando a terminologia prospective overruling para anunciar a mera irretroatividade da nova regra às situações anteriores à data da decisão. 9
Há outras situações intermediárias. Assim, em Li v. Yellow Cab Co., a Suprema Corte da Califórnia revogou o precedente da contributory negligence pela regra da comparative negligence, deixando claro que a nova regra não seria aplicável aos casos com julgamento em curso. Em Whitinsville Plaza, relacionou-se a técnica do overruling prospectivo com a técnica da sinalização. Ou seja, decidiu-se que a nova regra teria efeitos retroativos até a data da decisão em que ocorrera a sinalização 10. Se mediante a técnica da sinalização, conquanto se deixe de revogar o precedente, adverte-se para a sua provável e próxima revogação, pouco diferença existiria em substituir tal técnica pela revogação imediata do precedente com efeitos prospectivos a partir de certa data futura. Portanto, quando se revoga o precedente, e sinalização anterior foi feita, é coerente admitir a retroatividade da nova regra até a data da decisão sinalizadora ou até data em que se supõe que o sinal foi absorvido na comunidade jurídica.
Há um caso, sublinhado por Eisenberg, em que o prospective overruling possui grande importância para a consistência de resultados. Trata-se da hipótese em que a Corte possui motivos para acreditar que o overruling será revertido pelo Legislativo, que dará melhor regulação à situação. Nesta hipótese, além de não se desejar interferência sobre o passado, não se quer que a decisão atinja as situações intermediárias entre o overruling e a regra legislativa, preferindo-se que a revogação tenha seus efeitos contidos até a data em que se presuma que o Legislativo terá criado a regra. Ao se declarar que a revogação vai produzir efeitos após a possível criação legislativa, os efeitos do overruling somente serão produzidos caso o Legislativo não atue. Foi o que aconteceu em Massachussetts, Whitney v. City of Worcester, em que a Corte, utilizando a técnica da sinalização como substituto funcional do prospective overruling, afirmou a sua intenção de ab-rogar o precedente da imunidade municipal no primeiro caso por ela decidido após a conclusão daquela que seria a próxima sessão do Legislativo, caso este não houvesse atuado de modo a revogar o precedente. 11
Neste caso, é certo, não houve propriamente overruling com efeitos prospectivos, mas manutenção do precedente mediante a técnica da sinalização, anunciando-se a intenção de se proceder à revogação em caso de não atuação do Legislativo. Note-se, porém, que existe maior efetividade em revogar desde logo o precedente, contendo-se os seus efeitos, pois nesta hipótese não haverá sequer como temer que o precedente continue a produzir efeitos, diante de uma eventual inação da Corte em imediatamente decidir como prometera ao fazer a sinalização.
De outra parte, o prospective overruling pode ainda trazer outros problemas, especialmente em suas feições de pure prospective overruling e de prospective prospective overruling. 12 Se a nova regra não vale ao caso sob julgamento, a energia despendida pela parte não lhe traz qualquer vantagem concreta, ou melhor, não lhe outorga o benefício almejado por todo litigante que busca a tutela jurisdicional. Isso quer dizer que o uso do prospective overruling pode desestimular a propositura de ações judiciais contra determinados precedentes. 13
Ademais, o uso indiscriminado do pure prospective overruling e do prospective prospective overruling elimina a necessidade de os advogados analisarem como os precedentes estão sendo vistos pela doutrina e de que forma os tribunais vêm tratando de pontos correlatos com aqueles definidos na ratio decidendi do precedente. Quando se atribui efeito prospectivo à nova regra, impedindo-se a sua incidência em relação ao caso sob julgamento, resta eliminada qualquer possibilidade de a parte ser surpreendida pela decisão judicial, ainda que o precedente já tenha sido desautorizado pela doutrina e por decisões que, embora obviamente não tenham enfrentado de forma direta a questão resolvida no precedente, afirmaram soluções com ele inconsistentes. Deste modo, a investigação e análise do advogado não seria sequer necessária, já que ao jurisdicionado bastaria a mera existência do precedente, pouco importando o grau da sua autoridade ou força e, portanto, a possibilidade ou a probabilidade da sua revogação. Assim, o uso inadequado do prospective overruling, de um lado torna desnecessária a análise de se a tutela da segurança jurídica e da confiança fundamentam a não retroatividade dos efeitos do overruling, e, de outro constitui obstáculo ao desenvolvimento do direito jurisprudencial. Na verdade, desta forma o direito deixaria de ser visto como algo em permanente construção, negando-se o fundamento que deve estar à base de uma teoria dos precedentes.
Deixe-se claro que a doutrina de common law entende que a revogação, em regra, deve ter efeitos retroativos. Apenas excepcionalmente, em especial quando há confiança justificada no precedente, admite-se dar efeitos prospectivos ao overruling. E isso sem se enfatizar que as Cortes não devem supor razão para a tutela da confiança sem consideração meticulosa, analisando se a questão enfrentada é uma daquelas em que os jurisdicionados costumam se pautar nos precedentes, assim como se os tribunais já sinalizaram para a revogação do precedente ou se a doutrina já demonstrou a sua fragilidade. 14
3 Diferentes Razões para Tutelar a Segurança Jurídica: Decisão de Inconstitucionalidade e Revogação de Precedente Constitucional
O art. 27 da Lei nº 9.868/99 explicita que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, tem poder para limitar os seus efeitos retroativos ou dar-lhe efeitos prospectivos. Diz o art. 27 que, "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".
O tema da eficácia temporal da decisão de inconstitucionalidade pronunciada na ação direta será melhor aprofundado adiante, quando se tratar desta ação. Mas é importante, neste momento, anunciar esta possibilidade, aludindo-se a ação direta de inconstitucionalidade em que o STF houve por bem atribuir efeitos prospectivos à sua decisão. Isto para demonstrar que, embora os efeitos retroativos também possam ser limitados no controle difuso, as suas razões não se confundem com as que determinam a limitação da retroatividade ou os efeitos prospectivos no controle concentrado.
Na ADI 2.240 15, em que se questionou a inconstitucionalidade da lei estadual que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, o Supremo não tinha qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei, mas temia que, ao pronunciá-la, pudesse irremediavelmente atingir todas as situações que se formaram após a edição da lei. Receava-se que a declaração de inconstitucionalidade não pudesse permitir a preservação das situações estabelecidas antes da decisão de inconstitucionalidade. Partindo-se da teoria da nulidade do ato inconstitucional, a preservação do que aconteceu após a edição da lei inconstitucional teria de ter sustentáculo em algo capaz de se contrapor ao princípio de que a lei inconstitucional, por ser nula, não produz quaisquer efeitos.
É curioso que o relator, inicialmente, embora reconhecendo a inconstitucionalidade, julgou a ação improcedente. E isso para preservar as situações consolidadas, em nome do princípio da segurança jurídica. 16 Após o voto do relator, pediu vistas o Ministro Gilmar Mendes. Em seu voto argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado, advertindo que a preservação das situações anteriores poderia se dar ainda que a ação fosse julgada procedente. Consta do voto do Ministro Gilmar: "Impressionou-me a conclusão a que chegou o Ministro Eros Grau – votou pela improcedência da ação – após tecer percuciente análise sobre a realidade fática fundada na lei impugnada e o peso que possui, no caso, o princípio da segurança jurídica. De fato, há toda uma situação consolidada que não pode ser ignorada pelo Tribunal. Com o surgimento, no plano das normas, de uma nova entidade federativa, emergiu, no plano dos fatos, uma gama de situações decorrentes da prática de atos próprios do exercício da autonomia municipal. A realidade concreta que se vincula à lei estadual impugnada já foi objeto de extensa descrição analítica no voto proferido pelo Ministro relator, e não pretendo aqui retomá-la. Creio que o Tribunal já se encontra plenamente inteirado das graves repercussões de ordem política, econômica e social de uma eventual decisão de inconstitucionalidade". 17
Após ter deixado claro que o Ministro relator esteve preocupado em proteger as situações consolidadas, argumentou o Ministro Gilmar que a solução do problema "não pode advir da simples decisão de improcedência da ação. Seria como se o Tribunal, focando toda sua atenção na necessidade de se assegurar realidades concretas que não podem mais ser desfeitas e, portanto, reconhecendo plena aplicabilidade ao princípio da segurança jurídica, deixasse de contemplar, na devida medida, o princípio da nulidade da lei inconstitucional". 18 Depois disso, advertiu que, embora não se possa negar a relevância do princípio da segurança jurídica no caso, é possível primar pela otimização de ambos os princípios – ou seja, dos princípios da segurança jurídica e da nulidade da lei inconstitucional –, "tentando aplicá-los, na maior medida possível, segundo as possibilidades fáticas e jurídicas que o caso concreto pode nos apresentar". 19
Mais tarde, sublinhou que "a falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais, muitas vezes, a se abster de emitir um juízo de censura, declarando a constitucionalidade de leis manifestamente inconstitucionais". 20 E que o "perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint (ou greater restraint) pelas Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que, como o presente, a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira catástrofe – para utilizar a expressão de Otto Bachof – do ponto de vista político, econômico e social". 21 Diante disso, consignou o Ministro Gilmar: "Não há dúvida, portanto – e todos os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso –, de que o Tribunal deve adotar uma fórmula que, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei impugnada – diante da vasta e consolidada jurisprudência sobre o tema –, resguarde na maior medida possível os efeitos por ela produzidos". 22
Nesta linha, o Ministro Gilmar Mendes, que acabou sendo acompanhando pelos demais Ministros – inclusive pelo Ministro relator, que retificou o seu voto –, com exceção do Ministro Marco Aurélio – que, embora julgando procedente a ação de inconstitucionalidade, pronunciava a nulidade da lei 23 –, votou no "sentido de, aplicando o art. 27 da Lei nº 9.868/99, declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador estadual reapreciar o tema, tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal, conforme decisão desta Corte na ADIn 3.682". 24
Note-se que se afirmou estar sendo declarada a inconstitucionalidade, mas sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada, mantendo-se sua vigência pelo prazo de vinte e quatro meses. 25 O método utilizado, embora similar, não se confunde com a técnica do prospective prospective overruling, empregada no direito estadunidense. 26 A similaridade decorre do fato de se ter mantido a vigência da lei pelo prazo de vinte e quatro meses, o que permite equiparar esta decisão àquela cujos efeitos operam somente a partir de determinada data no futuro. Não há dúvida que ambas as decisões protegem a segurança jurídica. É isto, precisamente, que permite a aproximação das situações.
Porém, a técnica do prospective overruling tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de inconstitucionalidade. Quando nada indica provável revogação de um precedente, e, assim, os jurisdicionados nele depositam confiança justificada para pautar suas condutas, entende-se que, em nome da proteção da confiança, é possível revogar o precedente com efeitos puramente prospectivos (a partir do trânsito em julgado) ou mesmo com efeitos prospectivos a partir de certa data ou evento. Isso ocorre para que as situações que se formaram com base no precedente não sejam atingidas pela nova regra. Contudo, na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade do município de Luis Eduardo Magalhães, não há como pensar em proteção da confiança fundada nos precedentes. Lembre-se que a Corte reconheceu que os seus próprios precedentes eram no sentido da inconstitucionalidade e que, exatamente por conta disto, não se concebia julgamento de improcedência da ação.
Quando não se outorga efeito retroativo à decisão de inconstitucionalidade, objetiva-se preservar as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional. Nesta situação entra em jogo a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e da segurança jurídica, mas certamente não importa a proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais. A segurança jurídica é deduzida para proteger situações consolidadas que se fundaram na lei declarada inconstitucional, mas não para justificar ações que se pautaram em precedente revogado.
4 Efeitos Inter Partes e Vinculantes da Declaração de Inconstitucionalidade no Controle Incidental e da Revogação de Precedente Constitucional
A decisão proferida em RE, no que diz respeito à questão constitucional envolvida, possui efeitos com qualidades distintas. Além de atingir às partes em litígio, impedindo que voltem a discutir a questão constitucional para tentar modificar a tutela jurisdicional concedida, a decisão possui efeitos vinculantes, obrigando todos os juízes e tribunais a respeitá-la. Consideram-se, nesta dimensão, os fundamentos da decisão, ou, mais precisamente, os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi, e não o seu dispositivo. Ou seja, os motivos determinantes – em relação à tutela jurisdicional – se tornam indiscutíveis às partes e obrigatórios aos demais órgãos judiciais.
Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da norma, essa não produz efeitos no caso sob julgamento, mas não é declarada nula. A norma se torna inaplicável nos demais casos porque os juízes e tribunais ficam vinculados aos fundamentos da decisão que determinaram a inconstitucionalidade.
A decisão que revoga precedente, negando os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi, é pensada em diferentes perspectivas, conforme a decisão revogadora pronuncie a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade. No primeiro caso, em princípio, a norma não é aplicada ao caso sob julgamento e, em virtude da eficácia vinculante, não deverá ser aplicada nos casos que se seguirem. Na hipótese de constitucionalidade, também em princípio, a norma será aplicada no caso sob julgamento, e, em face da eficácia vinculante, em todos os casos seguintes. No primeiro caso, a norma não é declarada nula, mas os seus efeitos ficam paralisados. No segundo, como a norma estava em estado de letargia, os seus efeitos são ressuscitados.
Porém, o dilema que marca a revogação de precedente está exatamente na alteração do sinal de vida dos efeitos da norma. Numa hipótese a norma deixa de produzir efeitos e na outra passa a produzi-los. Isto, entretanto, tem nítida interferência nas relações e situações que se pautaram no precedente revogado, considerando a decisão de inconstitucionalidade ou a decisão de constitucionalidade. A situação que, considerando precedente constitucional, afronta a decisão que o revogou, merece cuidado especial.
A ordem jurídica – composta pelas decisões judiciais, especialmente as do STF – gera expectativa e merece confiança, tuteláveis pelo princípio da segurança jurídica. Assim, é preciso investigar se há confiança que pode ser dita justificada no precedente revogado. Basicamente, é necessário verificar se o precedente tinha suficiente força ou autoridade, à época da prática da conduta ou da celebração do negócio, para fazer ao envolvido crer estar atuando em conformidade com o Direito. Existindo confiança justificada, é legítimo decidir, no controle difuso, de modo a preservar as situações que se pautaram no precedente.
Perceba-se que aí não há limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, mas modulação da eficácia vinculante da decisão, anunciando-se ser ela inaplicável diante das situações que justificadamente se pautaram no precedente revogado. Não se pode falar em limitação da retroatividade dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, mas sim em modulação dos efeitos vinculantes, não somente porque a decisão revogadora pode ser no sentido da constitucionalidade, mas também porque não se está diante de decisão que produz efeitos diretos erga omnes, mas de decisão que gera efeitos inter partes. Em verdade, há apenas necessidade de definir em que limite temporal ou situações concretas o precedente revogador terá eficácia vinculante. De qualquer forma, é inegável que a modulação da eficácia vinculante em relação às situações consolidadas acaba gerando uma limitação de retroatividade do precedente.
5 Eficácia Prospectiva de Decisão Revogadora de Precedente Constitucional e de Decisão Proferida em Controle Incidental
Não há dúvida que as decisões proferidas em recurso extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos determinantes, assim como as decisões prolatadas em controle principal. Como é óbvio, para se admitir a eficácia vinculante no controle incidental não é preciso argumentar que a eficácia vinculante é viável no controle principal. Da mesma forma, a circunstância de ser possível atribuir efeito prospectivo à decisão de procedência na ação direta de inconstitucionalidade nada tem a ver com a viabilidade de se atribuir efeitos prospectivos à decisão proferida em sede de recurso extraordinário. A modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é consequência lógica da possibilidade de se atribuir efeitos prospectivos às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade.
Atribuir eficácia vinculante aos fundamentos determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão, ou seja, diante da ratio decidendi do precedente. De modo que a técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais, e não, obviamente, para simplesmente reafirmar a teoria da nulidade do ato inconstitucional.
Igualmente, a modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é tributária da possibilidade de se modular os efeitos das decisões de inconstitucionalidade no controle principal. O poder de modular os efeitos das decisões em sede de controle incidental deriva exclusivamente do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança justificada.
A declaração de inconstitucionalidade proferida em recurso extraordinário, embora tenha eficácia vinculante, obrigando os demais órgãos do Poder Judiciário, não elimina – sem a atuação do Senado Federal – a norma do ordenamento jurídico, que resta, por assim dizer, em estado latente. É certamente possível que a decisão que reconheceu a inconstitucionalidade de determinada norma um dia seja contrariada, pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente constitucional ou dão ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional. Trata-se do mesmo "processo" em que, nos Estados Unidos, a Suprema Corte "ressuscita" a lei que era vista como dead law, por já ter sido declarada inconstitucional.
Na verdade, em sede de controle incidental o STF sempre tem a possibilidade de – a partir de critérios rígidos – negar os fundamentos determinantes das suas decisões, sejam elas de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade. Porém, como a revogação de um precedente institui nova regra, a ser observada pelos demais órgãos judiciários, é pouco mais do que evidente a possibilidade de se violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio STF. Quando não há indicações de que o precedente será revogado, e, assim, há confiança justificada, não há razão para tomar de surpresa o jurisdicionado, sendo o caso de atribuir efeitos prospectivos à decisão, seja ela de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade.
Portanto, cabe analisar, em determinadas situações, a eficácia a ser dada à decisão que revoga precedente constitucional, e, assim, a necessidade de limitar a retroatividade para tutelar as situações que se pautaram no precedente revogado. Embora a viabilidade de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade esteja expressa no art. 27 da Lei nº 9.868/99, 27 é indiscutível que esta possibilidade advém do princípio da segurança jurídica, o que significa que, ainda que se entendesse que tal norma se aplica apenas ao controle principal, não haveria como negar a possibilidade de modular os efeitos da decisão proferida em recurso extraordinário. 28
O STF já teve oportunidade de tratar desta importante questão em caso em que se analisou o tema. Isto ocorreu na Reclamação 2391, em que se analisou o tema do "direito de recorrer em liberdade" e a constitucionalidade, em face do princípio da não culpabilidade, dos arts. 9º da Lei nº 9.034/95 e 3º da Lei nº 9.613/98, que prescrevem, respectivamente, que "o réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei" e que "os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". O Ministro Gilmar Mendes, acompanhando os votos proferidos pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 9.034/95 e emprestou ao art. 3º da Lei nº 9.613/98 interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o juiz, na hipótese de sentença condenatória, fundamente a existência ou não dos requisitos para a prisão cautelar. Logo após, porém, considerando que, com esta decisão, estar-se-ia revisando jurisprudência firmada pelo STF, amplamente divulgada e com inegáveis repercussões no plano material e processual, admitiu a possibilidade da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso e, assim, atribuiu à sua decisão efeitos ex nunc. 29
Ao se limitar os efeitos retroativos em nome da confiança justificada não se está restringindo os efeitos diretos da decisão sobre os casos que podem ser julgados ou que estão em julgamento, mas se está deixando de atribuir eficácia vinculante à decisão proferida para obrigar os órgãos judiciais diante dos casos que podem vir a dar origem a processos judiciais ou que já estão sob julgamento em processos em andamento.
Frise-se que a necessidade de modulação no caso de revogação de precedente decorre da preocupação de não atingir as situações que com base nele se formaram e não da imprescindibilidade de proteger as situações que se consolidaram com base na lei inconstitucional. Contudo, no Brasil a técnica dos efeitos prospectivos foi pensada a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais. Vale dizer, para tutelar a segurança jurídica, mas em virtude do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Daí não se ter percebido, com maior nitidez, a imprescindibilidade da adoção desta técnica em sede de controle incidental, em especial quando se altera a jurisprudência consolidada.
Não se pensa em confiança justificada para se dar efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade. Só há razão para investigar se a confiança é justificada em se tratando de revogação de precedente. É apenas aí que importa verificar se havia, na academia e nos tribunais, manifestações que evidenciavam o enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua revogação, a eliminar a confiança justificada. De modo que, nesta situação, tutela-se o passado em nome da confiança que se depositou nas decisões judiciais, enquanto, no caso de decisão de inconstitucionalidade, tutelam-se excepcionalmente as situações que se formaram na vigência da lei declarada inconstitucional. Em verdade, os fundamentos para se dar efeitos prospectivos, em cada um dos casos, são diferentes. Os fundamentos bastantes para se dar efeitos prospectivos na hipótese de revogação de precedente estão longe das "razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social" que justificam efeitos prospectivos em caso de decisão de inconstitucionalidade.
É certo que a limitação da retroatividade da revogação de precedente constitucional se funda na confiança justificada e, assim, não tem o mesmo fundamento dos efeitos prospectivos na ação direta de inconstitucionalidade. Porém, mesmo em recurso extraordinário, pode haver limitação da retroatividade ou atribuição de efeito prospectivo ainda que não se esteja diante de decisão revogadora de precedente. Há casos em que o STF pode declarar a inconstitucionalidade da norma e limitar a retroatividade da decisão, decidindo com efeitos ex nunc, ou mesmo excluir o próprio caso sob julgamento dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, à semelhança do que se faz no direito estadunidense mediante o pure prospective overruling. Ou, ainda, definir uma data a partir da qual a decisão passará a produzir efeitos, como ocorre quando se aplica o prospective prospective overruling.
O STF já limitou a retroatividade de decisão proferida em recurso extraordinário sem relacioná-la a confiança justificada em jurisprudência consolidada. Assim sucedeu no RE 197.917 30, em que se declarou a inconstitucionalidade de norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, por ofensa ao art. 29, IV, ‘a’, da CF. 31
Entendeu-se, no caso, que o Município, diante da sua população, somente poderia ter nove vereadores e não onze – como fixado em norma de sua Lei Orgânica. Em seu voto, disse o Ministro Relator, Mauricio Corrêa, ter bem decidido "o magistrado de primeiro grau ao declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6º da Lei Orgânica em causa", mas que este não poderia "alterar o seu conteúdo, fixando de pronto o número de vereadores, usurpando, por isso mesmo, competência constitucional específica outorgada tão só ao Poder Legislativo do Município (CF, art. 29, caput, IV). Agindo dessa forma, o Poder Judiciário estaria assumindo atribuições de legislador positivo, que não lhe foi reservada pela Carta Federal para a hipótese. Oficiado à Câmara Legislativa local acerca da inconstitucionalidade do preceito impugnado, cumpre a ela tomar as providências cabíveis para tornar efetiva a decisão judicial transitada em julgado" 32. O Ministro Gilmar Mendes, concordando com o relator quanto à inconstitucionalidade da norma, advertiu que, "no caso em tela, observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente, atingindo decisões que foram tomadas em momento anterior ao pleito que resultou na atual composição da Câmara Municipal: fixação do número de vereadores, fixação do número de candidatos, definição do quociente eleitoral. Igualmente, as decisões tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas, tal como a validade da deliberação da Câmara Municipal nos diversos projetos e leis aprovados". Por conta disto, declarou a inconstitucionalidade da norma da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, explicitando que "a declaração da inconstitucionalidade da lei não afeta a composição da atual legislatura da Câmara Municipal, cabendo ao legislativo municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria, em tempo hábil para que se regule o próximo pleito eleitoral (declaração de inconstitucionalidade pro futuro)". 33
6 O Problema dos Efeitos Prospectivos no Superior Tribunal de Justiça
Como já demonstrado, a técnica dos efeitos prospectivos, além de importante em face do princípio da nulidade do ato inconstitucional, é absolutamente fundamental diante da teoria dos precedentes.
Tratando-se de revogação de precedente, a razão de ser dos efeitos prospectivos está na confiança justificada e na tutela da previsibilidade. Porém, não são apenas os precedentes do STF que geram confiança justificada, mas também os do STJ (e dos outros Tribunais Superiores), especialmente quando sublinhadas as suas funções de unificar a interpretação da lei e dar unidade ao direito federal. 34
Bem por isso, como não poderia deixar de ser, a questão dos efeitos prospectivos já repercutiu no STJ. Nessa Corte, chegou-se a discutir, inclusive, sobre a aplicação do art. 27 da Lei nº 9.868/99, que autoriza o STF a dar efeitos prospectivos às suas decisões de inconstitucionalidade.
Há caso exemplar, oriundo do Paraná, que não pode deixar de ser lembrado. Trata-se dos EDiv no REsp 738.689, julgados pela 1ª Seção. 35 Buscava-se, na ação que deu origem ao recurso especial e aos embargos de divergência, o reconhecimento do direito ao aproveitamento do crédito-prêmio do IPI, instituído pelo art. 1º do DL nº 491/69. Ao enfrentar o recurso especial, a Turma reafirmou a improcedência do pedido, daí tendo sido interpostos embargos de divergência à 1ª Seção. Durante o julgamento dos embargos de divergência – que restaram improvidos –, o Ministro Herman Benjamin pediu vista e propôs a modulação dos efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99.
Frise-se que, até agosto de 2004, o entendimento pacífico no STJ era pela subsistência do benefício. Inicialmente, observou o Ministro Hermann que, ao tentar se familiarizar com os debates sobre a vigência do crédito-prêmio – dos quais não participou, pois ocorridos antes do seu ingresso na Corte –, chamou a sua atenção "a profunda mudança de orientação jurisprudencial sobre o tema, fato que é insistentemente repisado pelos contribuintes, no contexto da segurança jurídica". 36 Alegou que, "em face da jurisprudência predominante no STJ até agosto de 2004, persistiu em favor dos contribuintes uma certa ‘sombra de juridicidade’". 37 Assim, para proteger a segurança jurídica e a confiança, entendeu o Ministro Herman Benjamin que seria o caso de se proceder à modulação dos efeitos da decisão, limitando-se a sua retroatividade. Para fundamentar a sua proposta, fez as seguintes ponderações: "Tenho para mim que, também no âmbito do STJ, as decisões que alterem jurisprudência reiterada, abalando forte e inesperadamente expectativas dos jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, buscando a integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica. É que o reconhecimento da ‘sombra de juridicidade’, decorrente da atividade jurisdicional do Estado, revela indiscutível a necessidade de resguardarem-se os atos praticados pelos contribuintes sob a expectativa de que aquela era a melhor interpretação do Direito, já que consubstanciada em uma jurisprudência reiterada, em sentido favorável às suas pretensões, pela Corte que tem a competência constitucional para dar a última palavra no assunto. Essa necessidade de privilegiar-se a segurança jurídica e, por consequência, os atos praticados pelos contribuintes sob a ‘sombra de juridicidade’ exige do STJ o manejo do termo a quo dos efeitos de seu novo entendimento jurisprudencial. Repito que não se trata de, simplesmente, aplicar-se as normas veiculadas pelas Leis ns. 9.868 e 9.882, ambas de 1999, por analogia, mas sim de adotar como válidos e inafastáveis os pressupostos valorativos e principiológicos que fundamentam essas normas e que, independentemente da produção legislativa ordinária, haveriam de ser observados tanto pelo STF quanto pelo STJ. No caso dos Vereadores [em que o STF limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade], parece evidente que eventual inexistência de lei federal prevendo expressamente a modulação temporal dos efeitos da decisão judicial não impediria o STF de sopesar os efeitos de seu acórdão, por conta do imperativo da segurança jurídica. Da mesma forma, a inexistência de norma ordinária expressa que regule o assunto não tem o condão de impedir os Tribunais Superiores de adequarem sua atividade, ou o produto da ação jurisdicional, aos ditames da segurança jurídica. O STF adota esse entendimento, ao modular temporalmente os efeitos de suas decisões, mesmo em se tratando de controle difuso de constitucionalidade, não abarcado expressamente pelo regime das Leis ns. 9.868 e 9.882, ambas de 1999". 38
Após sustentar a possibilidade de o STJ modular os efeitos das suas decisões, para o que – na sua argumentação – não seria sequer preciso norma infraconstitucional, o Ministro Herman Benjamin passou a traçar critérios para justificar a limitação dos efeitos da nova regra do STJ. Ao observar a necessidade de se preservar a segurança jurídica, refletida na expectativa dos jurisdicionados quanto à aplicação, aos seus próprios casos, do entendimento pacificado pelo STJ, advertiu o Ministro que "esse entendimento exige sejam fixados a) o limite temporal a partir do qual se afasta a ‘sombra de juridicidade’ e b) os tipos de atos e negócios jurídicos realizados pelos contribuintes que devem ser resguardados da mudança jurisprudencial. O limite temporal é de fácil visualização. A ‘sombra de juridicidade’ – e, a partir daí, também a necessidade de modulação temporal da eficácia da decisão – deixa de existir quando do julgamento, pela 1ª Turma, do REsp 591.708/RS, em 08.06.04, acórdão relatado pelo e. Ministro Teori Zavascki e publicado no DJ de 09.08.04 (conforme registrado pelo e. Min. João Otávio de Noronha em seu voto-vista no REsp 541.239/DF). Até esse momento, o entendimento pacífico do STJ, dando a interpretação última à legislação federal, era pela subsistência do benefício, nos termos de detalhado registro efetuado pelo e. Min. José Delgado, por ocasião de seu voto vencido no REsp 591.708/RS. Fixo, portanto, a data de publicação desse acórdão (REsp 591.708/RS) em 09.08.04, como o momento em que se exaure a ‘sombra de juridicidade’ que garantiria a subsistência do benefício, não cabendo, a partir de então, falar-se em expectativa, boa-fé ou confiança legítima dos contribuintes. É essa data (09.08.04) que serve como marco inicial para a irradiação dos efeitos da novel jurisprudência desta Corte, no sentido da extinção do crédito-prêmio do IPI, seja em 1983, seja em 1990. Quanto aos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, a serem resguardados da mudança jurisprudencial, há que se ter em mente o objetivo da modulação temporal dos efeitos da decisão judicial, qual seja privilegiar a segurança jurídica, refletida na expectativa dos contribuintes na manutenção do entendimento que, até então, lhes era favorável. Pois bem, em face da inconteste e incansável resistência do fisco ao aproveitamento do "crédito-prêmio", restava aos interessados o caminho do Judiciário. Por isso, não se descuida que, dados os efeitos inter partes dos precedentes desta Corte, os contribuintes haveriam de buscar provimento jurisdicional a garantir-lhes o direito que, em sua visão, era certo. Consequentemente, somente cabe falar em expectativa ao provimento judicial favorável, por óbvio, em favor daqueles que se socorreram da via pretoriana. Na seara contábil, essa busca do provimento judicial é exigência do princípio do conservadorismo. Havendo resistência do Fisco ao aproveitamento de um direito pela empresa, há que se buscar um provimento administrativo ou judicial para legitimar a escrituração. A propósito, registro o Alerta ao Mercado, exarado pela Comissão de Valores Mobiliários em 30.03.05, que, de maneira ainda mais severa e referindo-se a atos normativos e pareceres anteriores, veda expressamente a contabilização do direito ao ‘crédito-prêmio’ pelas companhias abertas antes de eventual trânsito em julgado da sentença favorável. Entendo, portanto, que a expectativa a ser protegida contra a mudança jurisprudencial refere-se exclusivamente àquelas empresas que buscaram provimento judicial e efetivamente aproveitaram o ‘crédito-prêmio’ até 09.08.04. As pretensões de empresas não deduzidas em juízo não podem ser resguardadas. A estas, não socorre o argumento da expectativa de provimento judicial favorável e, portanto, o imperativo da segurança jurídica que me leva a decidir pela modulação temporal dos efeitos da decisão. Os contribuintes que demandaram judicialmente, e somente eles, tinham a expectativa de um provimento judicial favorável. Utilizaram-se do ‘crédito-prêmio’ num momento em que o STJ mantinha um posicionamento sólido a seu favor. Este aproveitamento do benefício implicou redução dos custos e preços praticados por essas empresas, em valor correspondente ao montante do IPI mitigado, levando-as a orientar seus planos e atividades com base nessa realidade. São estes atos dos contribuintes, de apropriação e aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ antes da guinada jurisprudencial, que se aperfeiçoaram sob a ‘sombra de juridicidade’ e, agora, merecem ser preservados. Afasta-se também, portanto, a hipótese de empresas que, apesar de demandarem judicialmente, não realizaram, por qualquer razão, o efetivo aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ até 09.08.04. Não tiveram elas reduzidos seus custos, nem deixaram, por consequência, de repassar o ônus tributário integral (sem a dedução do crédito-prêmio) aos seus clientes. Com relação a esses contribuintes, não há ofensa relevante à segurança jurídica que justifique a modulação temporal dos efeitos da decisão. Tampouco aproveita a mitigação dos efeitos da decisão declaratória a outros que não o titular original do ‘crédito-prêmio’, já que a ‘sombra de juridicidade’ refere-se ao entendimento pacificado por esta Corte, que não abrange a possibilidade de aproveitamento, por terceiros, do benefício fiscal. Sem dúvida, a controvérsia acerca da possibilidade desse aproveitamento por terceiros e a interpretação a ser dada à legislação federal que trata do assunto nunca gozaram, neste Tribunal, da pacificação jurisprudencial advinda de profundo debate e reiterados precedentes. Não há, em favor desses cessionários do crédito-prêmio, ‘sombra de juridicidade’ a socorrer-lhes. Numa palavra, a modulação temporal dos efeitos da decisão favorece somente os créditos aproveitados pelos titulares originários do benefício. Diante de todo o exposto, posiciono-me pela extinção do crédito-prêmio em 1983 e, superada esta tese, pelo término do benefício em 1990, nos termos do art. 41, § 1º, do ADCT, acompanhando o e. relator, Ministro Teori Albino Zavascki, para negar provimento aos embargos de divergência, resguardando, dos efeitos desta decisão, eventual aproveitamento do crédito-prêmio pelo titular originário, desde que realizado até 09.08.04". 39
Em voto-vista, o Ministro Teori Albino Zavascki se opôs à proposta do Ministro Hermann Benjamin, argumentando "que a modulação dos efeitos das decisões do STF, quando autorizada, é apenas a que diz respeito a normas declaradas inconstitucionais e limita-se aos efeitos de natureza exclusivamente temporal. Aqui, ao contrário, pretende-se modular os efeitos de decisões judiciais, não sobre a inconstitucionalidade de norma, mas sobre a sua revogação, e não apenas em seus aspectos temporais (= eficácia prospectiva às normas revogadas), mas também em seus aspectos subjetivos (= para beneficiar alguns contribuintes, não todos) e em seus aspectos materiais (= para abranger apenas alguns atos e negócios, e não todos)". 40
A maioria dos membros da 1ª Seção aderiu à posição do Ministro Teori 41, tendo restado consignado na ementa do acórdão o seguinte: "Salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 27 da Lei nº 9.868/99, é incabível ao Judiciário, sob pena de usurpação da atividade legislativa, promover a ‘modulação temporal’ da suas decisões, para o efeito de dar eficácia prospectiva a preceitos normativos reconhecidamente revogados" 42
O STJ, neste julgamento, perdeu grande oportunidade para adotar técnica imprescindível a um Tribunal incumbido de dar unidade ao direito federal. Pouco importa que o art. 27 da Lei nº 9.868/99 faça referência expressa apenas às decisões de inconstitucionalidade. A limitação dos efeitos retroativos das decisões não é mera decorrência da necessidade de compatibilizar a segurança jurídica com a teoria da nulidade da lei inconstitucional. Trata-se, ao contrário, de algo imprescindível para não se surpreender aqueles que depositaram confiança justificada nos precedentes judiciais. Os atos, alicerçados em precedentes dotados de autoridade em determinado momento histórico – e, assim, irradiadores de confiança justificada –, não podem ser desconsiderados pela decisão que revoga o precedente, sob pena de violação à segurança jurídica e à confiança nos atos do Poder Público. Ou seja, a modulação dos efeitos ou a limitação dos efeitos retroativos das decisões certamente não pode servir apenas às decisões de inconstitucionalidade. Na verdade, a limitação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade é um dos aspectos que se insere na questão relativa à tutela da segurança diante das decisões judiciais.
Aliás, mesmo que o art. 27 não existisse, o STF poderia e deveria limitar, quando necessário, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, bastando argumentar com base na CF. Uma norma, afirmando a possibilidade da limitação dos efeitos retroativos das decisões revogadoras de precedentes – ou, caso se queira em outros termos, de jurisprudência consolidada e pacífica – no STJ, jamais poderia ser vista como resultado de "livre opção" do legislador infraconstitucional. Tal norma é necessária para o legislador cumprir com o seu dever de tutela da confiança justificada nos atos do Poder Público. O que significar dizer que a inexistência desta norma configuraria "falta de lei", que, por isso, necessariamente deveria ser suprida pelo Poder Judiciário diante dos casos concretos. Como o Judiciário não pode prestar adequada tutela jurisdicional sem limitar os efeitos da decisão que revoga precedente – deixa de lado jurisprudência pacífica ou, o que é o mesmo, inaugura nova compreensão de dada situação jurídica –, não há como subordinar a sua decisão, de limitação dos efeitos retroativos, à existência de lei. Na realidade, a possibilidade de limitar os efeitos retroativos das decisões é inerente ao exercício do poder de julgar conferido aos Tribunais Superiores. 43
De outro lado, excetuar alguns atos e sujeitos dos efeitos retroativos de uma decisão não significa dar efeitos prospectivos à lei revogada, ainda que tal decisão tenha reconhecido que, na época da prática dos atos, a lei não deveria produzir efeitos. Ora, se, no momento em que os atos foram praticados, o Poder Judiciário afirmava que a lei estava em vigor, inegavelmente existia "norma jurídica" para orientar os jurisdicionados. Se esta norma é revogada por norma posteriormente emanada do próprio Poder Judiciário, a nova norma não pode retroagir para apanhar as situações que se consolidaram à época em que era justificada a confiança na norma judicial revogada.
De modo que, limitar os efeitos de decisão, para preservar atos praticados com base em lei declarada revogada, não é usurpar o poder do legislador, mas proteger a confiança justificada no Poder Judiciário. Trata-se, em verdade, de um ato de autotutela do próprio Judiciário.
Também não é correto supor que, para a proteção da confiança, basta apenas limitar os efeitos retroativos da decisão, sem dissociar os atos que foram e não foram praticados com base em confiança justificada. Portanto, pouco importa que a lei tenha se referido apenas à limitação dos efeitos retroativos, sem dizer que os atos praticados no passado podem ser diferenciados. Ora, é da essência da limitação de efeitos em nome da proteção da confiança a discriminação de atos que não foram praticados com base em confiança justificada, e que, assim, não devem ser ressalvados dos efeitos retroativos da decisão.
Há outro importante caso a ser lembrado. O STF, ao julgar o HC nº 83.255/SP, alterou a regra judicial a respeito do prazo recursal para o Ministério Público, que desde então passou a ser contado a partir da data da entrada do processo nas dependências da instituição. O STJ acompanhou a nova orientação do STF.
Naturalmente, porém, surgiu o problema relacionado com os recursos que haviam sido interpostos à época em que prevalecia o entendimento anterior. Mas o STJ sabiamente preservou a tempestividade dos recursos que se fundaram na regra judicial – ou no entendimento jurisprudencial – que ainda prevalecia quando da interposição, não admitindo a retroatividade do novo entendimento para descaracterizar a tempestividade recursal. Neste sentido, há o seguinte julgado da 5ª Turma do STJ: "Habeas corpus – Tempestividade do recurso ministerial – Mudança do entendimento jurisprudencial das Cortes Superiores – Aplicação aos casos futuros. 1. De fato, o STF, a partir do julgamento plenário do HC nº 83.255/SP (Informativo 328), decidiu que o prazo recursal para o MP conta-se a partir da entrada do processo nas dependências da Instituição. O STJ, por seu turno, aderiu à nova orientação da Suprema Corte. 2. Não se pode olvidar, todavia, que o entendimento jurisprudencial, até então, há muito sedimentado no STF e no STJ, era justamente no sentido inverso, ou seja, entendia-se que a intimação pessoal do MP se dava com o ‘ciente’ lançado nos autos, quando efetivamente entregues ao órgão ministerial. 3. Dessa maneira, constata-se que o Procurador de Justiça, nos idos anos de 2000, tendo em conta a então sedimentada jurisprudência das Cortes Superiores, valendo-se dela, interpôs o recurso dentro do prazo legal. 4. Não se poderia, agora, exigir que o órgão ministerial recorrente se pautasse de modo diverso, como se pudesse antever a mudança do entendimento jurisprudencial. Essa exigência seria inaceitável, na medida em que se estaria criando obstáculo insuperável. Vale dizer: depois de a parte ter realizado o ato processual, segundo a orientação pretoriana prevalente à época, seria apenada com o não conhecimento do recurso, quando não mais pudesse reagir à mudança. Isso se traduziria, simplesmente, em usurpação sumária do direito de recorrer, o que não pode existir em um Estado Democrático de Direito, mormente se a parte recorrente representa e defende o interesse público. 5. Ordem denegada". 44
Essa decisão merece um único reparo. Pouco importa se a parte recorrente representa e defende o interesse público. Não é possível retroagir entendimento novo para o efeito de prejudicar quem quer que tenha praticado ato em confiança em precedente ou em jurisprudência pacífica. A sua importância, entretanto, transcende este ponto, pois demonstra que um Tribunal cuja missão é a de atribuir unidade ao direito federal deve estar consciente de que a revogação de um precedente – ou de um entendimento jurisprudencial – tem significado muito mais amplo ao de uma simples decisão judicial. 45
A revogação de precedente, ao alterar o entendimento da Corte a respeito da interpretação da lei federal, tem grande impacto sobre as situações levadas a efeito sob o império do precedente revogado. De forma que exige do Tribunal, em primeiro lugar, a análise acerca da existência de "confiança justificada", uma vez que nem todo precedente gera confiança capaz de legitimar a conduta praticada. Depois, há que se verificar se o ato ou a conduta realmente deriva da confiança que se depositou no precedente.
Assim, tomando-se como exemplo o caso do "prazo do Ministério Público", caberia perguntar se, à época da interposição do recurso, existiam manifestações jurisprudenciais e da doutrina no sentido de que o prazo deveria ser contado a partir da entrada dos autos na dependência da instituição ou firmando o entendimento de que não seria razoável subordinar o início do prazo à boa vontade do Ministério Público. Se o STJ, ainda que sem expressamente decidir que o prazo deveria ser contado a partir da entrada dos autos no MP, já tinha sinalizado para este entendimento ou já havia decidido com base em distinção inconsistente – considerando, por exemplo, que o prazo do MP, para a indicação de testemunhas ou de quesitos periciais, deveria ser contado a partir da entrada dos autos na instituição ou que o prazo para a interposição de recurso, no processo civil, deveria obedecer a tal lógica, a autoridade do precedente, assim com a confiança que nele poderia ser depositada, estariam abaladas.
A proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais constitui dever dos Tribunais Superiores, pelo que a limitação dos efeitos das decisões que revogam precedentes ou jurisprudência consolida não está sequer à discrição do STJ. Esse Tribunal, para dar cumprimento a sua missão constitucional de dar unidade ao direito federal, tem o dever de utilizar a técnica da limitação dos efeitos retroativos, como todo tribunal que, ao decidir, fixa normas que orientam a conduta dos jurisdicionados, dando-lhes previsibilidade para trabalhar e viver.
NOTAS
1 - Para maior aprofundamento sobre o tema dos precedentes obrigatórios, ver Luiz Guilherme Marinoni, Precedentes Obrigatórios, São Paulo: RT, 2010.
2 - Lederman, Howard. Judicial overruling. Time for a new general rule. Michigan Bar Journal, set. 2004, p. 21 e ss.
3 - Diz Robert Summers que “a aplicação retroativa de uma decisão revogadora de precedente pode contrariar relevante confiança no precedente revogado e tratar partes em posições similares de modo muito diferente” (No original: “Retroactive application of an overruling decision may upset substantial reliance on the overruled precedent and will treat parties similarly situated quite differently”) (Summers, Robert. Precedent in the United States (New York State). In: Interpreting precedents: a comparative study, London: Dartmouth, 1997, p. 397-398).
4 - A maior justificativa para a revogação com efeitos prospectivos é a proteção da confiança justificada (Eisenberg, Melvin. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998, p. 131).
5 - V. Markman, Stephen. Precedent: tension between continuity in the law and the perpetuation of wrong decisions. Texas Review of Law & Politics, vol. 8, Spring 2004; Nelson, Caleb. Stare decisis and demonstrably erroneous precedents. Virginia Law Review, vol. 87, mar. 2001; Delaney, Sarah K. Stare decisis v. The “New Majority”: the Michigan Supreme Court’s practice of overruling precedent, 1998-2002. Albany Law Review, Albany, vol. 66, n. 871, 2003.
6 - Shannon, Bradley Scott. The retroactive and prospective application of judicial decisions. Harvard Journal of Law & Public Policy, Cambridge, vol. 26, Summer 2003.
7 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 128-129.
8 - Idem, p. 128.
9 - Idem, p. 127-128.
10 - Em Whitinsville Plaza, Inc. v. Kotseas, a Corte afirmou que já havia sinalizado para a revogação do precedente firmado em Norcross no caso Ouellette, e, com base nisso, outorgou efeitos retroativos ao overruling, declarando que deveriam ser apanhados todos os negócios realizados após Ouellette. Assim, o overruling ditado em Whitinsville retroagiu até a decisão proferida em Ouellette porque a Corte entendeu que, a partir desta data, poder-se-ia racionalmente confiar na expectativa de que, na próxima ocasião adequada, a Corte iria revogar as decisões tomadas em Shade e em Norcross. Verifica-se aí nítida aproximação entre a técnica da sinalização e a do overruling com efeitos prospectivos (Cf. Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 128 e ss).
11 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 131.
12 - Traynor, Roger J. Quo vadis, prospective overruling: a question of judicial responsibility. Hastings Law Journal, San Francisco, vol. 50, abr. 1999.
13 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 131.
14 - Idem, p. 132.
15 - “Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 7.619/00, do Estado da Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães – Inconstitucionalidade de lei estadual posterior à EC nº 15/96 – Ausência de lei complementar federal prevista no texto constitucional – Afronta ao disposto no art. 18, § 4º, da CF – Omissão do Poder Legislativo – Existência de fato – Situação consolidada – Princípio da segurança jurídica – Situação de exceção, estado de exceção – A exceção não se subtrai à norma, mas esta, suspendendo-se, dá lugar à exceção – Apenas assim ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, há mais de seis anos, como ente federativo. 2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada – embora ainda não jurídica – não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da EC nº 15, em 12 de setembro de 1996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de Luís Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção – apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do art. 18 da CF, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei nº 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia” (STF, Pleno, ADIn 2240, rel. Min. Eros Grau, DJe 03.08.07).- Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
16 - Parte final do voto do Min. relator, Eros Grau: “Permito-me observar ainda que no caso está em pauta o princípio da continuidade do Estado, não o princípio da continuidade do serviço público. Os serviços públicos prestados pelo Município de Luís Eduardo Magalhães passariam a ser imediatamente prestados, se declarada a inconstitucionalidade da lei de sua criação, pelo Município de Barreiras, de cuja área foi destacado. Mas não é disso que aqui se cuida, senão da necessária, imprescindível afirmação, por esta Corte, do sentido normativo veiculado pelo art. 1º da CF: a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. É o princípio da continuidade do Estado que está em pauta na presente ADIn, incumbindo-nos recusar o fiat justitia, pereat mundus. Por certo que a afirmação da improcedência da ADIn não servirá de estímulo à criação de novos municípios, indiscriminadamente. Antes, pelo contrário, há de expressar como que um apelo ao Poder Legislativo, no sentido de que supra a omissão constitucional que vem sendo reiteradamente consumada. Concluído, retornarei à observação de Konrad Hesse: também cumpre a esta Corte fazer tudo aquilo que seja necessário para impedir o nascimento de realidades inconstitucionais, mas indispensável há de ser, quando isso seja possível, que esta mesma Corte tudo faça para pô-la, essa realidade, novamente em concordância com a Constituição. As circunstâncias da realidade concreta do município de Luis Eduardo Magalhães impõem seja julgada improcedente a ADIn” (STF, Pleno, ADIn 2.240, rel. Min. Eros Grau, DJe 03.08.07). – Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
17 - Idem.
18 - Idem.
19 - Idem.
20 - Idem.
21 - Idem.
22 - Idem.
23 - Voto do Ministro Marco Aurélio: “Presidente, peço vênia para cingir-me à concepção que tenho sobre as normas de regência da matéria, ao alcance que dou ao art. 18, § 4º, da CF e ao art. 27 da Lei nº 9.868/99, não estabelecendo solução prática, pouco importando o Município, fora desses mesmos parâmetros. Hoje, há autorização – e sob esse preceito foi criado o Município – que não se torna efetiva ante a inexistência de atividade legiferante do Congresso quanto à lei complementar que fixaria as balizas temporais, afastando, quem sabe, o ano das eleições – segundo memorial recebido, esse Município foi criado em ano de eleições – e, também, os requisitos a serem atendidos. Portanto, julgo procedente o pedido formulado” (idem).
24 - Idem. – Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
25 - Na ADIn 3.615, tratando de caso semelhante, a Corte julgou procedente a ação direta, atribuindo à decisão de inconstitucionalidade efeitos ex nunc: “Ação direta de inconstitucionalidade – Art. 51 do ADCT do Estado da Paraíba – Redefinição dos limites territoriais do Município do Conde – Desmembramento de parte de município e incorporação da área separada ao território da municipalidade limítrofe, tudo sem a prévia consulta, mediante plebiscito, das populações de ambas as localidades – Ofensa ao art. 18, § 4º, da CF. 1. Para a averiguação da violação apontada pelo requerente, qual seja o desrespeito, pelo legislador constituinte paraibano, das exigências de consulta prévia e de edição de lei estadual para o desmembramento de município, não foi a norma contida no art. 18, § 4º, da CF substancialmente alterada, uma vez que tais requisitos, já existentes no seu texto primitivo, permaneceram inalterados após a edição da EC nº 15/96. Precedentes: ADIn 458, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 11.09.98, e ADIn 2.391, rel. Min. Ellen Gracie, Informativo STF 316. 2. Afastada a alegação de que a norma impugnada, sendo fruto da atividade do legislador constituinte estadual, gozaria de uma inaugural presunção de constitucionalidade, pois, segundo a jurisprudência desta Corte, o exercício do poder constituinte deferido aos Estados-membros está subordinado aos princípios adotados e proclamados pela Constituição Federal. Precedente: ADIn 192, rel. Min. Moreira Alves, DJ 06.09.01. 3. Pesquisas de opinião, abaixo-assinados e declarações de organizações comunitárias, favoráveis à criação, à incorporação ou ao desmembramento de município, não são capazes de suprir o rigor e a legitimidade do plebiscito exigido pelo § 4º do art. 18 da CF. Precedente: ADIn 2.994, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.06.04. A esse rol de instrumentos ineficazes que buscam driblar a exigência de plebiscito expressa no art. 18, § 4º, da CF soma-se, agora, este de emenda popular ao projeto de Constituição Estadual. 4. Ação direta cujo pedido se julga procedente, com a aplicação de efeitos ex nunc, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99” (STF, Pleno, ADIn 3.615, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.07). É importante registrar parte do voto da Ministra relatora, Ellen Gracie: “Com essas considerações, julgo procedente o pedido formulado na presente ação direta e declaro a inconstitucionalidade do art. 51 do ADCT do Estado da Paraíba. Nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, proponho, porém, a aplicação ex nunc dos efeitos dessa decisão. Justifico. Nas mais recentes ações diretas que trataram desse tema, normalmente propostas logo após a edição da lei impugnada, se tem aplicado o rito célere do art. 12 da Lei nº 9.868/99. Assim, o tempo necessário para o surgimento da decisão pela inconstitucionalidade do diploma dificilmente é desarrazoado, possibilitando a regular aplicação dos efeitos ex tunc. Nas ações diretas mais antigas, por sua vez, era praxe do Tribunal a quase imediata suspensão cautelar do ato normativo atacado. Assim, mesmo que o julgamento definitivo demorasse a acontecer, a aplicação dos efeitos ex tunc não gerava maiores problemas, pois a norma permanecera durante todo o tempo com sua vigência suspensa. Aqui, a situação é diferente. Contesta-se, em novembro de 2005, norma promulgada em outubro de 1989. Durante esses dezesseis anos, foram consolidadas diversas situações jurídicas, principalmente no campo financeiro, tributário e administrativo, que não podem, sob pena de ofensa à segurança jurídica, ser desconstituídas desde a sua origem. Por essa razão, considero presente legítima hipótese de aplicação de efeitos ex nunc da declaração de inconstitucionalidade” (STF, Pleno, ADIn 3.615, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.07). – Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
26 - Treanor, William Michael. Prospective overruling and the revival of unconstitutional statutes. Columbia Law Review, New York, vol. 93, dez. 1993.
27 - Lei nº 9.868/99, art. 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
28 - V. Ávila, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
29 - Rcl 2391, Informativo nº 334.
30 - RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.04.
31 - “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...) IV – para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de: a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil) habitantes; (...)”.
32 - RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.04.
33 - Decidiu o STF, no RE 197.917-8, tratar-se de “situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente”, e, assim, proclamou: “Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade” (RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.04).
34 - V Derzi, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009. p. 498 e ss.
35 - STJ, 1ª Seção, EDiv no REsp 738.689, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 22.10.07.
36 - Idem.
37 - Idem.
38 - Idem.
39 - Idem.
40 - Idem.
41 - O Ministro João Otávio de Noronha, acrescentando que “o efeito prospectivo e a modulação do julgamento têm o condão, exatamente, de permitir a uma Corte Superior transcender o interesse individual e fazer prevalecer a própria credibilidade do Poder Judiciário”, acompanhou o voto do Ministro Hermann Benjamin.
42 - Idem.
43 - “Com efeito, a possibilidade de aplicação prospectiva da lei ou do ato normativo declarado inconstitucional decorre do princípio da segurança jurídica. Logo, mesmo que inexistisse o art. 27 da Lei nº 9.868/99, ainda assim o STF, em alguns casos, teria o poder/dever de restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir a partir de que momento esta teria eficácia. Tal se dá, a nosso ver, na mudança abrupta da jurisprudência do próprio Pretório Excelso, com repercussões seja no Erário, seja no patrimônio de grande número de empresas. (...) Sempre com apoio no princípio da segurança jurídica, estamos convencidos de que, também no controle difuso de constitucionalidade, o STF detém a aptidão para, na salvaguarda dos princípios constitucionais, máxime o da segurança jurídica, apontar a prospectividade, evitando, assim, a fulminante e por vezes formidável eficácia ex tunc. (...) Assentadas estas premissas, podemos avançar em nosso raciocínio indagando: e os demais Tribunais Superiores (STJ, TST, STM e TSE) podem, à míngua de uma lei formal expressa, manter os efeitos da antiga e arraigada jurisprudência, quer em relação à causa agora julgada em sentido oposto, quer às demais, que ainda tramitam, quer, finalmente, a todas as pessoas que estavam a pautar sua conduta de acordo com aquilo que, sem nenhuma hesitação, o próprio Poder Judiciário considerava correto e adequado? Agora respondemos que sim, em que pese a inexistência de autorização em meio técnico-processual expresso. Sempre o autoaplicável princípio constitucional da segurança jurídica impõe o período de transição que estamos a aludir” (Carrazza, Roque Antonio. Segurança jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais – Competência dos Tribunais Superiores para fixá-la – Questões conexas. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2009. p. 67-68).
44 - STJ, 5ª T., HC nº 28.598/MG, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 01.08.05.
45 - A própria Corte Especial do STJ já teve oportunidade de declarar que este Tribunal “foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança” (STJ, Corte Especial, AgRg nos EResp 228432, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 18.03.02).


Informações bibliográficas:
MARINONI, Luiz Guilherme. Eficácia Temporal da Revogação da Jurisprudência Consolidada dos Tribunais Superiores. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 30 jan. 2012. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2012.

Prazos para advogados com escritórios nos prédios que desabaram estão suspensos

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, determinou na última sexta-feira, dia 27, a suspensão, por 30 dias, dos prazos processuais nas causas dos advogados que tinham escritórios nos edifícios que desabaram na noite da última quarta-feira, dia 25, no Centro do Rio. De acordo com o Ato Executivo publicado, a medida começou a contar a partir do dia 26 de janeiro.
Também ficam suspensos os prazos das causas cujos advogados têm comprovadamente escritórios nas áreas interditadas das avenidas Treze de Maio, Chile e Almirante Barroso até que cesse a interdição, observado também o prazo máximo de 30 dias.
“Para não causar ainda mais danos aos advogados que já foram prejudicados por esta tragédia, o Tribunal de Justiça do Rio decidiu prestar sua solidariedade”, destacou o presidente Manoel Alberto.
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Fonte: TJRJ