quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Do direito à fuga

Publicado por Renan Nogueira Farah - 1 dia atrás
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Você sabia que em países como Alemanha, Áustria e México, escapar da prisão não é um fato punível pela lei, contanto que o fugitivo não cometa outro crime na fuga? Isso porque a liberdade é considerada um instinto humano.
No Brasil, fugir ou tentar fugir da prisão é considerado falta grave, de acordo com a lei de execucoes penais (LEP), o que retarda a progressão de regime do preso, ou a faz regredir.
Por outro lado, se a pessoa ainda não tiver sido presa, e souber que existe um mandado de prisão preventiva ou temporária contra ela, a mesma não é obrigada a se entregar, podendo, portanto, fugir, sem ter maiores problemas (dos que já possui!).
Renan Nogueira Farah
Advogado, pós graduado em Direito Constitucional (PUCCAMP), em Ciências Criminais (UNISUL), em Direito Penal Econômico Europeu (Universidade de Coimbra/PT), em Tribunal do Júri (ESA/SP) e pós graduando em Direito Tributário (PUCCAMP).

Ato obsceno e nudez

Três fatos ocorreram recentemente, no Brasil: um sujeito perambulou desnudo, em Jaraguá do Sul (SC) e foi detido pela polícia, por ato obsceno; uma estrangeira desnudou as suas mamas, no areal da praia de Copacabana, ao que um policial instou-lhe para que as cobrisse; jogadores da seleção croata apresentaram-se despidos na piscina do hotel em que se hospedavam, em Salvador, ao que alguns brasileiros retiraram-se do local, “para proteger as suas famílias”.
São fatos característicos da mentalidade de certos brasileiros, para quem há partes indecentes no corpo humano e para quem a nudez é imoral. Tal “ethos” acha-se consagrado no artigo 233 do Código Penal, que comina detenção de três meses a um ano, ou multa, a quem “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”.
É obsceno o ato de conotação sexual, o comportamento cujo conteúdo seja de sexualidade, que se pratique em lugar de acesso às pessoas em geral (praças, ruas), em recinto a que as pessoas possam aceder ou em lugar em que o autor do ato possa ser observado por terceiros (uma janela, por exemplo).
Este artigo é característico da moralidade repressora da sexualidade. Ele pune a manifestação de sexualidade, visível por outrem. Não se trata de punir manifestações quaisquer, senão as de natureza sexual: o valor que se contém nesta norma é o da repressão da liberdade de manifestação especificamente dotada de conteúdo sexual. Não está em causa a liberdade, porém a censura à sexualidade.
A exposição do corpo, em público, não constitui ato obsceno. O corpo nu, exposto em lugar público, à vista de toda a gente, seja em uma praça, em um parque público, na janela de casa, não passa disto mesmo: do corpo de alguém, destituído de trajes. A condição de nudez não atribui, por si só, conteúdo sexual ao corpo exposto. A exposição dos seios nas praias, por exemplo, não é ato de natureza sexual; é, apenas, ato de exposição de uma parte do corpo.
A exposição da genitália ou das nádegas, nas praias ou em praça pública, não é ato de natureza sexual; é, apenas, ato de exposição de uma parte do corpo. É legítima e saudável a exposição do corpo, na sua totalidade, nas praias, em qualquer praia, à vista de toda a gente; é uma questão de liberdade individual e não é uma questão de moralidade. Só enxerga imoralidade na exposição dos seios, das nádegas, da genitália, perigo para as famílias e para as crianças quem incorporou tabus e preconceitos destituídos de qualquer sentido, completamente artificiais e que é momento de abandonar.
A associação entre seios, pênis, nádegas, por um lado, e sexualidade, por outro, é artificial. Não há relação de inerência entre os primeiros e a segunda. Os seios, o pênis e as nádegas não são necessariamente sexuais; a sua exposição não é necessariamente sexual.
O artigo 233 do Código Penal fundamenta-se em dois pressupostos, que não explicita e em uma mentalidade. Os pressupostos são os de que há relação de inerência entre certas partes do corpo e a sexualidade, e o de que a exposição delas é forçosamente sexual. Tais pressupostos são falsos.
A mentalidade é a de que a sexualidade deve ser reprimida. Este artigo representa manifestação pontual de um ethos cultural anti-sexual, que permeava a sociedade brasileira em 1940, ao tempo da redação do Código Penal. Setenta e quatro anos atrás, sexo era tabu, as proibições relativas à vida sexual eram acentuadas, o sentimento de culpa pelo exercício da sexualidade era arraigado em muitas pessoas.
Porém 2014 não é mais 1940. Entrementes, a sociedade mudou, os costumes e as mentalidades adquiriram liberdade. Advieram, em força, a liberdade sexual, o controle de natalidade, a contracepção; incrementou-se a sexualidade pré-conjugal, descriminou-se o adultério, legalizou-se o divórcio; introduziu-se a educação sexual nas escolas, abandonou-se o tabu da virgindade feminina, instituiu-se o casamento homossexual, sexo deixou de ser tabu. Muitas pessoas praticam o nudismo doméstico, notadamente nas regiões tropicais do Brasil: em casa, despem-se o marido, a mulher, os filhos. São pessoas que admitem a nudez, ao menos em família.
É surpreendente que, no carnaval, notadamente carioca, mulheres desfilam inteiramente nuas, como integrantes da beleza estética dos carros alegóricos. Décadas atrás, eu ouvia mulheres da geração da minha avó escandalizarem-se com a “pouca vergonha” das figurantes semi-nuas ou nuas: era reação típica de pessoas cujo modelo mental formara-se nos idos de 1920, ou seja, a cerca de um século atrás.
Os tempos são outros. A obscenidade de 2014 não é mais, não pode ser a de 1920 nem a de 1940, ano da promulgação do Código Penal que, por sua vez, servia à mentalidade de então. O que ofendia o pudor público em 1940 não o ofende mais.
Não haverá brasileiro esclarecido e sensato que repute imoral a exposição dos seios. Haverá, certamente, brasileiros sexagenários, septuagenários, octagenários e religiosos de várias idades, que a considerem assim: os velhos mantêm-se no seu tempo, no pretérito; os religiosos mantêm tabus e preconceitos. Nem as antiguidades mentais nem o obscurantismo podem nem devem servir de critério exegético da lei.
A exposição das mamas, nas praias, nos parques públicos; a exposição da genitália e das nádegas nas praias e nos parques públicos; a nudez integral em público não escandaliza como escandalizava a geração dos nossos avós e bisavós.
Não é mais compatível com o estado das mentalidades dos brasileiros, com o advento da liberalidade de costumes reputarem-se obscenos atos que não o são, que as pessoas não consideram mais como tal.
É claro que sempre haverá os pudicos, os de sensibilidade exacerbada, os intolerantes, os mal-resolvidos, os religiosos, os das gerações supra-50: para estes, toda nudez é sexual e deve ser negada.
Tudo isto já perceberam os europeus há décadas. Eis porque, na Europa, as Pedaladas Nuas realizam-se de dia, com ciclistas inteiramente pelados; eis porque, em Nova Iorque, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha, quem o desejar, é livre de circular pelas cidades em nudez total. E as pessoas fazem-no.
Se uma mulher expõe as mamas nas praias, não pratica ato obsceno nenhum. Se, em uma praia qualquer, um banhista despe o calção ou a sunga, não pratica ato obsceno nenhum. Se alguém perambula nu pela cidade, não pratica ato obsceno nenhum.
As mamas são órgãos de alimentação do lactente, que lhe propiciam alimento, sustento, vida. Por que lógica o brasileiro reputa obscena a exposição dos órgãos que asseguram vida à criança? Não há lógica; ao contrário, há a mais completa insensatez, a mais total estupidez.
Ato obsceno e nudez
Por que lógica admite-se, entre nós, que o homem exponha o tórax porém reputa-se obsceno que a mulher faça o mesmo? Não há lógica; ao contrário, há a mais completa ausência de bom senso. Na Alemanha, na Inglaterra, em Nova Iorque, em Barcelona, a moral e a lei admitem a nudez total em público: constitui direito de cidadania não se vestir e apresentar-se desnudo na rua, nas lojas, nos mercados, no metrô. Há fotografias disto. Na Grécia, as mulheres expõem as mamas nas praias com a maior naturalidade; na Espanha, na França, na Inglaterra, na Suécia, na Dinamarca, na Alemanha, nos E. U. A. Há centenas de praias e campos de nudismo, há décadas. Para o europeu, a nudez é natural; para ele, é ridículo a mulher ter de pôr um trapinho sobre os seios, para evitar a “obscenidade”. Para ele, é ridículo os homens terem de tapar o seu pinto e a sua bunda, para evitar a “obscenidade”.
Durante uma partida de futebol, em Manaus, na copa de 2014, um torcedor inglês desnudou-se, de todo, no estádio, indiferente aos brasileiros que o fotografaram. Ele está acostumado com o desnudamento e, na verdade, debaixo de 34 graus, estava certo ele. Em Salvador, os jogadores croatas apresentaram-se desnudos na piscina, com a maior naturalidade, para escândalo de alguns brasileiros que se retiraram “em defesa das suas famílias”. Em defesa, por quê? Em que é que os croatas as ameaçavam? Em nada. Coisa de gente de mente estreita. Fizessem o mesmo, nudez em família, como é comuníssimo na Europa: pais e filhos, todos nus. O brasileiro é que sequer sabe como funciona a nudez européia e a nudez grupal e, por o ignorar, projeta-lhe os seus preconceitos e as suas imaginações erradas.
Tudo isto já perceberam os europeus há décadas. Eis porque, na Europa, as Pedaladas Nuas realizam-se de dia, com ciclistas inteiramente pelados; eis porque, em Nova Iorque, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha, quem o desejar, é livre de circular pelas cidades em nudez total. E as pessoas fazem-no. Trata-se de um tipo de liberdade existente na Europa, inexistente no Brasil. Sim, em vários países europeus pode-se andar pelado na rua, no mercado, nas lojas, no metrô e ninguém se escandaliza com isto, ninguém exclama “O que vai se dizer para uma criança que vir isto?”, ninguém chama a polícia. Cada um cuida da sua vida.
O entendimento dos juristas deve acompanhar a evolução dos paradigmas culturais: o conceito doutrinário e jurisprudencial do que seja ato obsceno deve corresponder ao nosso tempo, em que a repressão sexual abrandou-se consideravelmente e em que o caráter ofensivo sexualidade pertence ao passado. Não faz sentido o policial intervir sobre a estrangeira que andou de mamas ao vento em uma praia da cidade do Rio de Janeiro, para que ela as cobrisse. Não faz sentido a polícia deter o sujeito que, em Jaraguá do Sul, perambulou nu. Não culpo a polícia, que apenas funciona como veículo dos consensos (?) sociais. Para que ela se abstenha de reprimir a exposição do corpo, formar consciência crítica, suscitar reflexão e debate acerca deste tema, educar para a liberdade, ao invés de manter também este preconceito, como por séculos se manteve o da homofobia, já hoje arcaico.

Publicado por Arthur Virmond de Lacerda Neto, in http://nelcisgomes.jusbrasil.com.br/artigos/135823903/ato-obsceno-e-nudez?utm_campaign=newsletter-daily_20140827_26&utm_medium=email&utm_source=newsletter

Os crimes contra a ordem tributária e o juízo competente para o julgamento da ação penal nos casos de substituição tributária

Os crimes contra a ordem tributária estão disciplinados nos artigos  a  da Lei8.137/90, podendo ser sujeitos ativos o contribuinte, o substituto e o responsável tributário, o terceiro responsável e o terceiro estranho à relação tributária (vide arts.:121128 e 134 do CTN). Logo, é admitida a co-delinqüência.
É importante salientar que tais crimes jamais podem ser cometidos por pessoas jurídicas, mas sim, pelos seus diretores, administradores, gerentes ou funcionários responsáveis, desde que tenham participado do ato de sonegação. Quanto aos sujeitos passivos, são eles: a sociedade e o Estado (Administração Pública da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios).
Vale destacar que o tributo não deve ser compreendido apenas como mero interesse fazendário, posto que o verdadeiro prejudicado com a sonegação fiscal é a população brasileira, tendo em vista que, com a falta de arrecadação, deixa o Estado de desenvolver políticas públicas e de atender o interesse público primário, prejudicando a execução de serviços públicos essenciais e inviabilizando a fruição dos direitos individuais e fundamentais dos cidadãos.
Os crimes previstos no art.  Lei 8.137/90, segundo posição doutrinária e jurisprudencial majoritária, são de resultado ou materiais, em que há a necessidade da demonstração do resultado naturalístico para que o mesmo seja considerado consumado.
A consumação, nesta hipótese, de acordo com posição pacífica do Supremo Tribunal Federal (HC 81.611-8-DF e Súmula Vinculante 24), se dá com o lançamento definitivo do tributo, que nada mais é do que o exaurimento do processo administrativo (com aconstituição do crédito fiscal), começando, a partir desta data, inclusive, a contagem do prazo prescricional para a propositura da ação penal.
Frise-se, para a Excelsa Corte, o exaurimento da instância administrativa deve ser considerado como um elemento normativo do tipo (HC 83414-RS e PETQO. 3593-3/SP). Sendo assim, sem tal elemento, não há crime a ser punido, ou seja, a conduta é atípica.
A título ilustrativo, colaciona-se a decisão prolatada na Questão de Ordem em Petição nº. 3.593-3/ SP, que restou assim ementada:
E M E N T A: “NOTITIA CRIMINIS” – PREMATURA INSTAURAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO PENAL POR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE TIPICIDADE PENAL – CRÉDITO TRIBUTÁRIO AINDA NÃO CONSTITUÍDO DEFINITIVAMENTE – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL AINDA EM CURSO - RECONHECIMENTO DA CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA TÍPICA SOMENTE POSSÍVEL APÓS A DEFINITIVA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – INVIABILIDADE DA INSTAURAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SEDE DE INQUÉRITO POLICIAL, ENQUANTO A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NÃO SE REVESTIR DE DEFINITIVIDADE – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A “PERSECUTIO CRIMINIS”, SE INSTAURADO INQUÉRITO POLICIAL OU AJUIZADA AÇÃO PENAL ANTES DE ENCERRADO, EM CARÁTER DEFINITIVO, O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL – OCORRÊNCIA, EM TAL SITUAÇÃO, DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO, PORQUE DESTITUÍDA DE TIPICIDADE PENAL A CONDUTA OBJETO DE INVESTIGAÇÃO PELO PODER PÚBLICO – CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DOS ATOS PERSECUTÓRIOS – INVALIDAÇÃO, DESDE A ORIGEM, POR AUSÊNCIA DE FATO TÍPICO, DO PROCEDIMENTO DE PERSECUÇÃO PENAL – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE PELA CONCESSÃO, DE OFÍCIO, DE “HABEAS CORPUS”.
Enquanto o crédito tributário não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art.  da Lei nº 8.137/90. É que, até então, não havendo sido ainda reconhecida a exigibilidade do crédito tributário (“an debeatur”) e determinado o respectivo valor (“quantum debeatur”), estar-se-á diante de conduta absolutamente desvestida de tipicidade penal.
- A instauração de persecução penal, desse modo, nos crimes contra a ordem tributária definidos no art.  da Lei nº 8.137/90 somente se legitimará, mesmo em sede de investigação policial, após a definitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico. Precedentes.
- Conseqüente impossibilidade de se ordenar o mero sobrestamento dos atos de investigação, para que se aguarde a ulterior e definitiva constituição do crédito tributário. Não-acolhimento, no ponto, da proposta formulada pelo Ministério Público Federal.
Doravante, explanar-se-á sobre o instituto da substituição tributária, espécie de sujeito passivo indireto, previsto nos artigos 121parágrafo único, inciso II e 128 do Código Tributário Nacional.
Segundo Hugo de Brito Machado:
Diz-se que há substituição quando o legislador, ao definir a hipótese de incidência tributária, coloca desde logo como sujeito passivo da relação tributária que surgirá de sua ocorrência alguém que está a ela diretamente relacionado, embora o fato seja indicador de capacidade contributiva de outros, aos quais, em princípio, poderia ser atribuído o dever de pagar, e que, por suportarem, em princípio, o ônus financeiro do tributo, são geralmente denominados contribuintes de fato.[2]
Analisando o instituto da substituição tributária depreende-se que esta opção do Fisco, de cobrar a exação tributária diretamente de um terceiro em detrimento do verdadeiro contribuinte, visa simplificar a arrecadação por conta da dificuldade de se fiscalizar os milhares de contribuintes existentes no país, além, também, de coibir a sonegação fiscal.
Depois dessas considerações a pergunta que se faz é: Qual o juízo competente para conhecer da ação penal no caso do responsável como substituto tributário localizado, por exemplo, na cidade de Aracaju- Se, que, de maneira dolosa, ao comercializar com empresa localizada na cidade de São Paulo-SP, não repassa para a Fazenda Paulista o tributo por ele arrecadado e é autuado por preposto fiscal do Estado de São Paulo, tendo o Conselho de Contribuintes julgado a autuação procedente, inscrevendo o débito em dívida ativa?
De acordo com o artigo 70 do Código de Processo Penal, o processamento e julgamento de um acusado, pela prática de qualquer crime, deve se dar no lugar em que a infração foi cometida.
A regra, pois, é esta: é no lugar onde a infração se consumou que o agente deve ser processado e julgado. A prática de uma infração provoca um alarme social e é aí que deve ocorrer a respectiva repressão. Ibi facinus perpetravit, ibi poena reddita.[3]
Segundo o artigo 14 do Código Penal:
Art. 14. Diz-se o crime:
Crime consumado
I- consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;[4]
Sendo assim, na presente situação, entende-se que o juízo competente para conhecer da ação penal é o da capital paulista tendo em vista que, de acordo com o Pretório Excelso, os crimes contra a ordem tributária se consumam com o trânsito em julgado da última decisão administrativa, e tal fato se deu no Estado de São Paulo, posto que o Conselho de Contribuintes que decidiu o an debeatur e o quantum debeatur foi o paulista.
Frise-se, a Fazenda Pública supostamente lesada com a ação praticada pelos acusados é a Paulista, e não, a Sergipana.
Colacionam-se, a seguir, algumas ementas que bem elucidam a questão:
No caso, verifica-se que a denominada Operação de Olho na Placa teve por objeto a investigação de empresas de locação de veículos sediadas em São Paulo que registravam seus automóveis no Estado do Paraná com a finalidade de reduzir o valor do IPVA devido, já que a alíquota da exação nesta Unidade Federativa seria de 1%. Contudo o suscitado declinou da competência ao suscitante, entendendo que o delito cometido seria o de falsidade ideológica, pois a empresa em questão, para conseguir registrar o veículo, forneceu informação falsa quanto ao endereço na cidade de Curitiba-PR. O Min. Relator entendeu que, pelos elementos dos autos, os supostos agentes praticaram a conduta descrita no art. 299 do CP, com a finalidade de suprimir tributo. Por tal razão, está absorvida a falsidade eventualmente perpetrada, pois teria sido realizada como meio para a consecução do crime-fim (sonegação fiscal). Fixado tal ponto, verifica-se que o crime previsto no art.  da Lei n.8.137/1990 exige, para sua consumação, a ocorrência de efetivo dano ao erário, consistente na redução ou supressão do tributo, classificando-se como delito material. Salientou o Min. Relator que o referido momento consumativo não deve ser confundido com aquele em que a fraude é praticada. In casu, observou que o prejuízo decorrente de eventual conduta delituosa será suportado pelo Estado de São Paulo, sede da empresa proprietária do veículo e, por conseguinte, local em que deveria ter sido recolhido o IPVA. Portanto, aplicando-se o disposto no art. 70, caput, do CPP, o qual determina que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, a Seção conheceu do conflito para declarar a competência do juízo de Direito de São Paulo, o suscitado. Precedentes citados: HC 75.599-SP, DJ 8/10/2007; CC 75.170-MG, DJ 27/9/2007; REsp 705.281-MT, DJ 1º/8/2005, e REsp 172.375-RS, DJ 18/10/1999..[5]
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. DELITOS DE DESCAMINHO, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO FISCAL, ENTRE OUTROS. DELITOS TRIBUTÁRIOS. CONSUMAÇÃO NO MOMENTO DA IMPORTAÇÃO DA MERCADORIA SEM O DEVIDO RECOLHIMENTO DOS TRIBUTOS. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELO LOCAL DE CONSUMAÇÃO DA INFRAÇÃO. PREVENÇÃO. CONEXÃO ENTRE AÇÕES PENAIS CARACTERIZADA.
1. Quando a prova de um feito é relevante para o esclarecimento de todos os delitos eventualmente praticados por organizações, que formam na verdade uma grande única organização criminosa, não se pode falar em mero liame circunstancial entre elas, fato que impõe o reconhecimento da conexidade entre as ações penais.
2. A competência não pode ser fixada unicamente pelo fato de os líderes de uma das organizações criminosas serem proprietários de empresa com domicílio em cidade distinta daquela onde supostamente se consumaram os delitos.
3. Conflito negativo de jurisdição CONHECIDO para que seja declarado COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA TERCEIRA VARA ESPECIALIZADA EM LAVAGEM DE DINHEIRO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, em razão da prevenção e da conexão entre as infrações penais.[6]
Portanto, no caso em testilha, deve a ação penal ser manejada no Estado de São Paulo, haja vista que o juízo competente para processar e julgar o sonegador em questão é o da capital deste estado membro.

Autor: Matheus Brito Meira

O juiz leigo nos juizados especiais e os limites de sua atuação

1. Introdução

A revolução das práticas judiciais proporcionada pela implantação dos Juizados Especiais no Brasil é um fato inegável.
O Sistema dos Juizados Especiais – Cíveis, Criminais, Federais e da Fazenda Pública – possibilitou resgatar para o ambiente da cidadania um universo de pequenos (mas importantes!) litígios que no sistema de justiça tradicional estava completamente marginalizado, inatingível e insolúvel, especialmente diante da dificuldade dos envolvidos em alcançar os fóruns e tribunais.
Daí porque o registro que faço de início é do absoluto entusiasmo que tenho pelos Juizados Especiais, como ferramenta legítima e democrática para dar concretude ao princípio constitucional do acesso à justiça às camadas menos afortunadas da população brasileira.
Contudo, ainda que entusiasta dos Juizados Especiais, não nos parece razoável sacrificar as garantias processuais e transigir com a indelegabilidade da jurisdição para proporcionar maior celeridade à resposta jurisdicional aos conflitos sociais de natureza penal.
Essa é a pedra de toque do estudo que levamos a efeito no presente artigo e sobre a qual formulamos os seguintes questionamentos: os Juizados Especiais Criminais podem se valer do importante auxílio dos juízes leigos? Em que medida ou limite?
As duas perguntas têm produzido respostas dissonantes na doutrina e na organização judiciária dos Juizados Especiais Criminais em nosso país.
Daí porque centramos o presente trabalho na análise e avaliação da doutrina e jurisprudência sobre os Juizados Especiais Criminais, de sorte a permitir uma melhor compreensão e conclusão sobre as hipóteses inicialmente lançadas, contribuindo, dessa forma, para o permanente aperfeiçoamento de todo o Sistema dos Juizados Especiais.

2. O Juizado Especial Criminal e sua Matriz Constitucional

Feitas estas breves e necessárias considerações, para a completa compreensão do tema central – o Juiz Leigo no Juizado Especial Criminal, imperiosa a prévia análise do ordenamento jurídico em vigor.
O artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, disciplina:
“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;”
A Lei 9.099/95, repetindo excerto da Lei Maior, sobre o Juizado Especial Criminal dispôs:
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados eleigostem competência para a conciliação, o julgamento e a execução dasinfrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)”
E, sobre a condução da conciliação, o art. 73 da Lei n. 9099/95 especifica:
“Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.
Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.”
Como se vê, tanto a Constituição Federal como a Lei 9.099/95 conferiram aosJuizados Especiais Criminais competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.
Daí, entretanto, não se autoriza deduzir que a competência dos JuizadosEspeciais Criminais seja automaticamente transferida na sua integralidadepara a figura do juiz leigo, tal como ocorre no ambiente ampliado dos Juizados Especiais Cíveis.

3. O Juiz Leigo nos Juizados Especiais Criminais: Atuação nos Limites da Delegação da Jurisdição

A leitura apressada do texto do art. 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988 e do art. 60, da Lei 9.099/95, pode induzir o desavisado intérprete a concluir que o Juiz Leigo detém igual carga de jurisdição delegada, esteja ele atuando no Juizado Especial Cível ou funcionando no âmbito Criminal.
Essa conclusão, contudo, não nos parece a melhor exegese.
Primeiro, a análise gramatical dos textos normativos relativos ao Juizado Especial Criminal indicam que o legislador, na verdade, ao estabelecer a composição desse juízo especializado (juízes togados ou togados e leigos), não pretendeu atribuir ao juiz leigo toda a competência do Juizado, ou seja, a conciliação, o julgamento e aexecução das infrações penais de menor potencial ofensivo.
A redação do artigo 98I, da Constituição Federal, reproduzida no artigo 60 da Lei nº9.099/95, deixa evidenciado que o legislador apenas seccionou o curso desses textos normativos para inserir a composição dos Juizados Criminais, sem a pretensão, insiste-se, de elastecer os lindes de atuação do juiz leigo.
O fato é facilmente perceptível deslocando-se a oração “provido por juízes togados, ou togados e leigos” para o final dos dispositivos referidos, conforme se exemplifica abaixo:
a) Art. 98 – CF/88
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau, providos por juízes togados, ou togados e leigos;”
b) Lei n. 9.099/95:
Art. 60 – L 9.099/95
“O Juizado Especial Criminal tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência, e será provido por juízes togados ou togados e leigos.”
Observa-se pelos textos dos exemplos acima formulados, nos quais se modificou a redação dos dispositivos originais apenas com o deslocamento da expressão “provido por juízes togados, ou togados e leigos”, o equívoco em se atribuir de forma direta ao juiz leigo toda a competência do Juizado Especial Criminal.
Isso porque a expressão “provido por juízes togados ou togados e leigos” classifica-se como uma “oração subordinada” dentro de um “período composto” por várias orações[1]. Ela é subordinada porque ligada a oração principal que estabelece a estrutura dos Juizados Especiais; o sujeito está “oculto”, mas é igual ao sujeito da oração principal (“Juizados Especiais”, no texto constitucional; ou “Juizado Especial Criminal”, no texto da Lei n. 9099/95). Trata-se de um “período composto por subordinação”.
No plano gramatical, portanto, a exegese acima apresentada desde logo indica resultado diverso daquele manifestado por parte da doutrina[2] e, reconhece-se, nos respeitados Enunciados interpretativos números 70 e 71 do FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais)[3].
Mas a nossa restrição em relação a atuação dos juízes leigos nos Juizados Especiais Criminais não se circunscreve à interpretação gramatical.
Em segundo lugar, importante recordar que os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados Especiais Criminais lidam com direitos de naturezas em muito distintas.
Por conta disso, no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, onde os direitosenvolvidos são disponíveis, a norma processual foi clara, expressamente admitindo a atuação do juiz leigo em diversas fases do processo: conciliação, instrução e decisão (arts. 22 e 40, Lei n. 9099/95[4]).
Diversamente, contudo, no sistema dos Juizados Especiais Criminais, por tratar de direito indisponível - liberdade, a norma regulamentadora, propositalmente, não foi expressa e tão ousada quanto às atribuições do juiz leigo.
Observa-se que, ao estabelecer a seqüência ordenada de atos para a condução do processo (instrução e sentença penal), o legislador sempre emprega o termo “juiz”, em clara referência ao juiz “togado” (art. 81 e seus §§), deixando patente a ausênciade atribuição de jurisdição aos juízes leigos.
Demais disso, ao contrário do que ocorre no Juizado Especial Cível, no Juizado Especial Criminal há a atuação constante do representante do Ministério Público, cuja presença faz exigir a atuação do juiz togado ao seu lado para a condução e decisão das questões suscitadas nos procedimentos deflagrados, como é da natureza dos conflitos de natureza penal.
A doutrina, de forma majoritária, tem se laçando categoricamente contra apossibilidade do exercício da jurisdição pelo juiz leigo, delimitando sua atuação nos Juizados Especiais Criminais à figura do conciliador, intermediando a composição dos danos civis decorrentes das infrações penais de menor potencial ofensivo, com posterior homologação por Juiz togado, mas sem avançar na fase de transação penal.
Assim lecionam Marino Pazzaglini Filho, Alexandre de Moraes, Gianpaolo Poggio Smanio e Luiz Fernando Vaggione[5]:
“Qualquer que seja a solução fornecida pela lei estadual que regular o funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas Criminais, tanto os conciliadores quanto os chamados juízes leigos não poderão praticar atos instrutórios edecisórios, sob pena de infringir o princípio da jurisdição penal e o devidoprocesso legal.”(grifei)
Sob a mesma ótica, Júlio Fabbrini Mirabete[6] discorre:
“Em consonância com o art. 98I, da CF, dispõe a lei que os Juizados Especiais serão providos por Juízes togados ou togados e leigos. Permite-se, portanto, ao legislador estadual que componha os Juizados Especiais Criminais apenas com Juízes togados, pertencentes ao quadro da Magistratura, ou com estes e Juízes leigos. Entretanto, por força da lei federal os leigos serão apenas conciliadoresque, auxiliares da Justiça, estarão sempre sob a orientação do Juiz (art. 73, caput, e parágrafo único), na forma que dispuser a lei que os criar. Tratando deproblema de jurisdição, não poderá o legislador estadual, ao criar os JuizadosEspeciais Criminais estaduais, conceder aos leigos o poder de julgar,quebrando ou mitigando o monopólio da jurisdição penal. Nos termos da Lei 9099/95, a homologação da composição dos danos e a imposição de penasdecorrentes da transação ou do processo sumariíssimo caberão sempre aojuiz. Não se aplica, também, na esfera penal, o art. 37 da lei[7], norma privativa dos juizados civis referente a possibilidade de atuação do juiz leigo na coleta de provas e na direção da audiência de instrução e julgamento. Aos leigos, chamados conciliadores, caberão as tarefas que lhe forem atribuídas pela lei estadual, em especial a de conduzir o entendimento das partes com vista a um ato final de composição.”(grifei)
O penalista Damásio E. De Jesus[8] explica:
“Os conciliadores não têm função jurisdicional. A atuação dos juízes leigos visa a conceder maior celeridade e facilidade na conciliação, agindo como auxiliares da Justiça criminal, função que pode ser exercida por pessoas que não pertencem aos seus quadros. Não podem executar nenhum ato judicial, como a homologaçãodo acordo civil ou da transação.” (grifei)
Também o escólio de Joel Dias Figueira Junior e Mauricio Antonio Ribeiro Lopes[9] auxilia a compreender os limites da atuação do juiz leigo nos Juizados Especiais:
“O Exercício da Jurisdição. Sem ingressar no perigoso mérito das distinções sobre a natureza e os limites do exercício da jurisdição no processo civil e no processo penal, por mais acostumados com o inusitado legislativo que estejam aos olhos do intérprete nacional, o vulto vislumbrado do Juiz leigo criminal não se acomoda, satisfatoriamente, nas retinas mais tolerantes.
O que me parece ter ocorrido com o legislador ordinário ao trazer para a Lei9.099 o regulamento das disposições constitucionais sobre o Juizado EspecialCriminal foi uma leitura afoita e desatenta de um dispositivo bifronte, como seservisse este, com as mesmas estruturas, ao processo civil, para as causas demenor complexidade, e ao penal, para as infrações de menor potencialofensivo.
Leia-se o artigo 98I da Constituição Federal, uma vez mais:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.
Uma primeira leitura poderá fazer o intérprete acreditar que o inciso, em todas as suas relações, apresente-se com disposições comuns aos procedimentos cíveis e criminais. Seria esta a interpretação apta a trazer a possibilidade do juiz leigo em matéria criminal. Outra, menos apressada e mais selecionada, captaria, naredação do inciso, disposições que seriam gerais e outras próprias a cadaprocedimento. Significa ler o inciso como disposição em parte genérica e, emoutra, específica quanto a cada uma dos Juizados que cria.
Veja-se, por exemplo, a questão relativa à execução das sentenças proferidas em julgamentos de processos para a apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo. Parece fora de dúvida que a execução de uma pena privativa de liberdade, em face da complexidade do sistema, de sua jurisdicionalização específica e complementada com as interferências da Administração, faria com que esta escapasse do rol de atribuições do Juizado Especial Criminal como, aliás, o fez a própria Lei 9.099, e não apenas com as sanções privativas de liberdade, mas mesmo com aquelas atinentes às restrições de direitos. Claro, pois, que a referência constitucional à execução tem abrangência distinta no juizado cível e no criminal.
Parece-me que também em relação a outros aspectos detecta-se esse divórciosemântico entre os procedimentos e a linguagem constitucional empregada.
Os juizados especiais serão providos por juízes togados, ou togados e leigos, como se vê da oração inicial da fonte constitucional. Isso não quer, em absoluto, dizer que os Juizados Especiais Criminais serão providos por juízes togados, ou togados e leigos, porque os Juizados Especiais Cíveis poderiam ser providos por juízes togados, ou togados e leigos. A própria previsão constitucional alternativa da jurisdição já deveria ter deixado mais atento o operador para realização de interpretação consentânea à matéria.
Em tema de direito penal onde, direta ou indiretamente, arma-se o Estadocom a mais aguda e penetrante forma de controle individual pela legitimaçãoextraordinária da privação de liberdade, não se pode ousar além, permitindo-se imaginar que o exercício da atividade constritora não estivesse regidoporum sistema de controle absolutamente restritivista em suaoperacionalização, ante os riscos do exercício dessa atividade fora dos casosda intervenção legal e monopolizada.
Há, ademais disso, como que confissão do legislador ordinário, sobre sua leitura equivocada do dispositivo constitucional enfocado, ao tratar com tintas menoscarregadas o papel do Juiz leigo nos procedimentos criminais, sendo suaprevisão quase meramente hipotética. O art. 60 a prevê sob o rótulo de disposições gerais, mas, ao contrário do que se passa no Juizado Especial Cível, não há outra previsão de conduta ou determinação de competência para a atividade do Juiz leigo. Uma vantagem e um perigo. O silêncio pode levar à interpretação (e num País onde se interpreta tão mal, dolosa ou culposamente, as leis, ou se faz tão ao sabor dos juízos de conveniência e oportunidade) de mero deslize na redação do art. 60, qual fosse adaptação mal feita das previsões para o outro Juizado Especial e levar, portanto, ao desuso da idéia. (...)”
Com efeito, sob os dois enfoques até aqui alinhados – gramatical e naturezados direitos tutelados, permite-se estabelecer os seguintes limites, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, em relação aos juízes leigos:
a) não podem praticar atos instrutórios e decisórios, sob pena de infringir o princípio da jurisdição penal e o devido processo legal;
b) são apenas conciliadores que, auxiliares da Justiça, estão sempre sob a orientação do Juiz;
c) não podem julgar, quebrando ou mitigando o monopólio da jurisdição penal;
d) não podem homologar a composição dos danos e a imposição de penas decorrentes da transação ou do processo sumariíssimo, atos reservados sempre ao juiz;
e) podem presidir a conciliação, não a transação.
Não se desconhece que segmento minoritário da doutrina admite a atuação plena do juiz leigo, condicionada a regulamentação por Lei Estadual, nos termos da permissão inserida no artigo 93 da Lei n. 9099/95:
“Art. 93 Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência.” (grifei)
Assim sustentam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes[10]:
“Admite a Lei 9.099 que atuem no Juizado somente juízes togados ou juízes togados e leigos, na dependência do que for previsto nas leis que regularem osistema do Juizado Especial Criminal.
Melhor seria que as justiças abrissem a oportunidade para a atuação de juízes leigos em matéria criminal, o que já é admitido nas Justiças Militares (federal e estadual) e na Justiça comum para os crimes de competência do Júri.
Com isso, seria ampliada, com inegáveis vantagens para o sistema criminal, a participação popular. Além da colaboração recebida, que multiplica a capacidade de trabalho do juiz, contribuindo para o desafogo dos órgãos judiciários, ainda haveria a vantagem de maior proximidade entre o povo e a Justiça, ganhando esta em transparência.
Necessário ressaltar que a atuação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099, conforme entendimento que se firmou, independe da criação dos Juizados Especiais, podendo, conseqüentemente, ser aplicados em outros juízos. Disto deriva que, se a infração for de menor potencial ofensivo, pouco importa o juízo competente para que aqueles institutos tenham incidência. Apenas a adoção do procedimento sumariíssimo da lei (art. 77 a 83) está condicionada à criação do Juizado e à fixação de sua competência para o caso concreto. Outro juízo, ainda que realize a transação penal ou civil, não poderá, só por isso, seguir o procedimento sumariíssimo, devendo adotar o rito cabível para o crime perseguido: em regra o sumário da detenção; em casos de conexão, eventualmente o ordinário de reclusão.” (grifei)
Todavia, em que pese respeitável o posicionamento, esbarra na competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22I da CF/88), porquanto regular a atuação do Juiz leigo em sede de Juizado Especial Criminal, atribuindo competência para a transação, instrução e decisão ad referendum, transborda da competência suplementar dos Estados para a edição de normas de procedimento (art. 24§ 2º,CF/88)[11].
Essa a posição de Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior[12]:
“O juiz leigo orienta o trabalho dos conciliadores, auxiliando, desse modo, o juiz togado. Pode presidir a conciliação, como permitido pelo art. 73 da Lei9.099/1995. Não a transaçãoLei estadual não pode conceder ao leigo o poderde julgar, pois ao Estado não foi conferido tal poder pela ConstituiçãoFederal, que reservou à União legislar, privativamente, sobre direitoprocessual.[13] O Estado e o Distrito Federal podem, sim, concorrentemente com a União, legislar sobre procedimentos em matéria processual.[14] As Leis dos Juizados, Estaduais e Federais, Lei 9.099/1995 e 10.259/2001, leis editadas pela União, não deram esse poder ao leigo.
A fase de execução foi reservada, como a do julgamento, tão-só ao juiz togado.”(grifei)
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal[15] já assentou que a “criação de recursos” e os critérios de identificação das “causas cíveis de menor complexidade” e dos “crimes de menor potencial ofensivo”, confiados aos Juizados Especiais, constituem matéria de Direito Processual, da competência legislativa privativa da União:
"Juizados Especiais (CF, art. 98I): matéria de processo (criação de recursos): competência legislativa privativa da União (Lei 9.099/1995): consequente inadmissibilidade de embargos de divergência para o Tribunal de Justiça, criados por lei estadual." (RE 273.899, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-2001, Plenário, DJ de 25-5-2001.)
"Criação de recursos – Juizados Especiais. Mostra-se insubsistente, sob o ângulo constitucional, norma local que implique criação de recurso." (AI 210.068-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-8-1998, Segunda Turma, DJ de 30-10-1998.)
"Os critérios de identificação das 'causas cíveis de menor complexidade' e dos 'crimes de menor potencial ofensivo', a serem confiados aos Juizados Especiais, constitui matéria de Direito Processual, da competência legislativa privativa da União. Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADI 1.127, cautelar, 28-09-1994, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24X, da Constituição, que outorga competência concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo perante os últimos. Consequente plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade de lei estadual que, antes da Lei federal 9.099, outorga competência a juizados especiais, já afirmada em casos concretos." (ADI 1.807-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 23-4-1998, Plenário, DJ de 5-6-1998.)
Portanto, ainda que salutar o pensamento vanguardista que inspira aqueles que atuam e estudam os Juizados Especiais e seus princípios inovadores, necessário observar os lindes que a própria Constituição Federal traçou para a sua atuação, especialmente no âmbito do direito penal e processual penal, dada a característica do direito material envolvido – a liberdade.

4. O Conselho Nacional de Justiça e a Atuação dos Juizes Leigos nos Juizados Especiais Criminais - Restrição

A divergência sobre a amplitude de atuação dos juizes leigos nos Juizados Especiais Criminais em todo o país acabou por desaguar no Conselho Nacional de Justiça - CNJ, merecendo a matéria a devida análise e tratamento no Procedimento de Controle Administrativo n. 0000303- 58.2011.2.00.0000, cuja relatoria coube ao Conselheiro Jefferson Kravchychyn.
No caso apontado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina representou ao Conselho Nacional em face do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, insurgindo-se contra decisão do Conselho Gestor do Sistema dos Juizados Especiais e Programas Alternativos de Resolução de Conflitos daquela Corte que, em processo administrativo, admitiu a atuação dos juizes leigos daquele Estado em todos os atos dos Juizados Especiais Criminais (conciliação, transação, instrução, decisão).
A decisão, unânime, do Conselho Nacional foi lançada nos seguintes termos:
“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JUIZ LEIGO. ATUAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. PRÁTICA DE ATOS DECISÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE.
- Não se pode conferir a juiz leigo todas as competências e atribuições imputadas a magistrado de carreira, pois este exerce o monopólio estatal da jurisdição e determinados atos são por ele indelegáveis para preservar-se tal premissa.
- Em outras palavras, reputa-se afrontosa ao devido processo legal a norma que, não emanada do Poder Legislativo, preste-se a disciplinar de forma inovadora questões referentes ao procedimento processual.
- Necessária a manifestação desse Conselho com vistas a conferir uniformidade de tratamento aos juízes leigos e sua competência. Nesse norte proponho seja orientado aos Tribunais Estaduais e, por seguinte, aos seus magistrados, que não promovam atos tendentes a conferir aos juízes leigos atribuição para a prolação de atos decisórios. A atuação combatida viola por certo o princípio da indelegabilidade do poder jurisdicional e fica sujeita a análise disciplinar dos que a desrespeitarem
- Voto no sentido de desconstituir a decisão do Conselho Gestor do Sistema JEPASC, pautada no voto relator do processo nº 270.187-2007.1, por entender que os juízes leigos, no âmbito dos juizados especiais criminais, somente podem atuar na condição de auxiliares da justiça, com participação restrita à fase preliminar, sem que possam proferir sentenças, executar penas ou decretar prisões, atividades privativas de juiz togado.
- A atuação de juiz leigo na instrução de processos, ainda que de menor potencial ofensivo, sem a supervisão ou orientação de juiz togado, afronta o princípio da indelegabilidade da jurisdição e o monopólio estatal da jurisdição. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000303- 58.2011.2.00.0000 - Rel. Jefferson Luis Kravchynchyn - 121ª Sessão - j. 01/03/2011).”
No referido precedente, o CNJ deixou assentado que não cabe ao juiz togado conferir poderes a juiz leigo para a prática de atos decisórios, por meio de portaria ou outra espécie de ato administrativo, especialmente diante da indelegabilidade da jurisdição conferida por comando constitucional ao juiz togado. Essa posição foi reafirmada pelo Conselho Nacional no PCA n. 0006286-72.2010.2.00.0000.
Por certo, não se pode negar que a atuação dos juízes leigos constitui importante ferramenta para o sucesso e celeridade dos Juizados Especiais.
Porém, sob a justificativa da necessidade de velocidade nos pronunciamentos judiciais não se pode arrostar o cumprimento das normas constitucionais e infraconstitucionais que ordenam a distribuição e o exercício da jurisdição.

5. Conclusão

A exegese gramatical do texto constitucional e da Lei n. 9099/95, combinada com a interpretação sistemática dos preceitos disciplinadores dos Juizados Especiais, aliadas à natureza dos direitos indisponíveis tutelados, à indelegabilidade da jurisdição por analogia, ao que se somam os subsídios doutrinários apresentados e os precedentes do Supremo Tribunal Federal, conduzem à conclusão de que a atuação do Juiz leigo é limitada no Juizado Especial Criminal, circunscrevendo-se a competência à prática dos atos de composição dos danos civis para posterior homologação pelo Juiz togado (conciliação – art. 73, Lei 9.099/95).
Ressente-se o juiz leigo, todavia, de jurisdição para transacionar, instruir ou proferir decisões nos processos criminais, porquanto o ordenamento jurídico dos Juizados Especiais assim não autoriza e com ele não se compatibiliza, encontrando-se vedado o uso da analogia por se tratar de matéria penal.
Enfim, consciente de que toda lei é obra humana, aplicada por homens, imperfeita na forma e no fundo, registro caber ao intérprete a difícil missão de explicar, esclarecer, mostrar o sentido verdadeiro da expressão, da frase, sentença ou norma.
Nas palavras inesquecíveis de Carlos Maximiliano, o intérprete “procede à análise e também à reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto; compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica, e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta”
Fonte: Autor: Luiz Felipe Siegert Schuc