terça-feira, 30 de junho de 2015

Dilma sanciona “Lei da Mediação” para desafogar tribunais

O “Diário Oficial da União” (DOU) traz nesta segunda-­feira a sanção da chamada Lei da Mediação - Lei 13.140, de 26 de junho de 2015. A nova legislação disciplina meios alternativos de resolução de conflitos e, com isso, busca evitar a judicialização de questões mais simples. O objetivo é desafogar os tribunais que, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lidam com mais de 92 milhões de processos.
Causas que envolvem direito do consumidor, relações contratuais e causas familiares que não envolvam guarda de filhos poderão ser resolvidas pela mediação.
Qualquer pessoa poderá atuar como mediador, desde que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer a mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação. As partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos e serão responsáveis pela remuneração do mediador que será fixada pelos tribunais.
Quando esteve no Senado para acompanhar a votação do projeto, no começo de junho, o secretário da Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça, Flávio Caetano, apontou que de 100% dos processos que estão na Justiça, 80% estão na Justiça Estadual e evolvem casos de família ou de natureza civil, e aproximadamente 60% deles seriam passíveis de mediação. Pela lei, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré­processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Aos necessitados, a mediação será gratuita e, no caso de conflitos já judicializados, se a mediação for concluída antes da citação do réu, não serão devidas custas judiciais finais. A lei também abre a possibilidade de que contratos privados tenham cláusula de mediação como opção prévia à abertura de processo.
Para ler a notícia na íntegra clique aqui.
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2015.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O casamento Gay no Brasil

O reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade familiar, por analogia à união estável, foi declarado possível pelo STF em 05 de Maio de 2011, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, proposta pela Procuradoria-Geral da República, e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 132, apresentada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro.
De tal forma, desde 2011 se reconhece a união estável homoafetiva no Brasil, com todos os mesmos direitos da união estável entre um homem e uma mulher.
Em 14 de Maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que obriga todos os cartórios do país a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. O presidente do CNJ afirmou que a resolução remove "obstáculos administrativos à efetivação" da decisao do Supremo, em 2011.
No primeiro ano de vigência somente na cidade de São Paulo foram realizados 701 casamentos (fonte).
Ou seja, a união estável homoafetiva é reconhecida no país desde 2011, sendo que desde Maio de 2013 é reconhecido o casamento gay em todo o território nacional, sendo, inclusive, estipulada a obrigatoriedade dos cartórios em realizar tal casamento.
Ressalta-se, ainda, que em alguns Estados, como o próprio Estado de São Paulo, o casamento homoafetivo já era permitido anteriormente à resolução do CNJ.
Em março de 2004, o Estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado brasileiro a publicar uma norma administrativa (da Corregedoria Geral da Justiça do Estado) determinando que os cartórios de Títulos e Documentos registrassem contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Em julho de 2008, a Corregedoria Geral da Justiça do Piauí também expediu uma norma similar. Há também decisão, datada de 2002, que obriga os cartórios de Títulos e Documentos do município de São Paulo a registrarem tais contratos.

Mas afinal, qual a diferença entre a união estável e o casamento?

A União Estável se configura quando presentes três requisitos básicos: a união deve ser pública, contínua e duradoura.
Isto é, a união não pode ser "escondida", deve ser pública e notória, de forma que as pessoas envolvidas se apresentem à sociedade como um núcleo familiar.
A união também não pode ser esporádica, ou seja, deve ser contínua, ininterrupta, como a formação de uma família.
A durabilidade da união não é estipulada por lei, todavia o que diferencia a união estável de um namoro é o objetivo de constituição de família. Isto é, na união estável não se observa projetos futuros e eventuais de formação de família, como pode ocorrer em um namoro, mas sim um núcleo familiar já consolidado, sendo este o objetivo da união.
Art. 1.723 do Código Civil: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Veja o que diferencia a união estável do casamento civil:

Conversão da União Estável em Casamento

A Lei n. 9.278/96, que disciplina a União Estável, dispõe em seu artigo :
"Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio".
Desse modo, a partir do reconhecimento da união estável homoafetiva, inúmeros casais têm ingressado com pedido judicial de conversão da união estável em casamento, mesmo anteriormente à resolução do CNJ de 2013.
O primeiro casamento entre duas pessoas do sexo masculino no Brasil (por intermédio do instituto da conversão de união estável em casamento) foi realizado no município de Jacareí, no interior do Estado de São Paulo, em 28 de junho de 2011, pouco mais de um mês após o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF.
No mesmo dia, em Brasília, a juíza Junia de Souza Antunes, da 4ª Vara de Família converteu em casamento a união estável entre duas mulheres.
Em 25 de outubro, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, por 4 votos a 1, o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Quero casar com meu parceiro homoafetivo! Como faço?

Não há hoje uma legislação que regulamente o casamento ou a união estável homoafetiva no Brasil. Todavia, os casais formados por pessoas de mesmo sexo e que desejem formalizar sua união civil estão amparados pela decisão do STF e pela resolução do CNJ.
Para fazer a união civil, o casal deve pedi-la no cartório, que lavra o pedido, seguindo o mesmo procedimento de um casamento entre homem e mulher.
Por não haver uma lei determinando essa obrigatoriedade prevista pelo CNJ, o cartório pode se recusar a efetuar a união civil homoafetiva? Pode. Mas é passível de recurso, haja vista que o casal encontra-se amparado pelo STF e pelo CNJ.
Fonte:Camila Arantes Sardinha, Advogada Cível e Criminal, advogada atuante nas áreas de Direito Penal (incluindo Júri), Direito Civil (Obrigações e Contratos), Direito de Família e Direito do Médico. Consultoria Jurídica em Gestão de Blogs e Websites e Consultoria em Marketing Jurídico.

Proposta de hibernação do Novo CPC por mais cinco invernos: tudo não passou de um mal entendido

Em matéria de Direito, na comunidade jurídica, a regra é a divergência; o consenso, a exceção. O debate, quando enriquecedor, é salutar e até necessário. Mas a divergência que torna manifesta apenas uma anomalia psíquica, apequena o autor da manifestação e, dependendo do seu status, gera intranquilidade e insegurança jurídica.
Como integrante da Comissão de Juristas nomeada pela presidência do Senado Federal com a incumbência de elaborar o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, presenciei alguns ataques de egocentrismo patológico. Não me refiro aos membros da Comissão. Que Deus me livre dessa blasfêmia.
A patologia, de um modo geral, ataca de forma mais intensa pessoas que não participaram de um projeto ou, por uma ou outra razão, se viram excluídas de um debate. O mais comum é que se caracterize pelo sentimento segundo o qual “se não participei, sou contra”. Que todos vistam ou que ninguém use a carapuça que estou a alinhavar. Mas que ninguém se ofenda com este que vos escreve e que, como todo mundo, de louco, gênio e santo tem um pouco. Tudo a depender das circunstâncias.
Deixando a psicanálise de lado, minha segunda especialidade, vamos ao novo Código de Processo Civil, que sequer manifestou seus efeitos e já querem hiberná-lo por cinco tenebrosos invernos. Relembro que a tessitura do anteprojeto começou em junho de 2010. Naquela época bradavam alguns pela desnecessidade de um novo Código. Acostumados às pontuais reformas que transformaram o CPC/73 numa colcha de retalhos – muitas vezes assimétricos –, diziam que um novo Código não fazia o menor sentido. Apresentada a primeira versão do anteprojeto, advogados reclamaram que estavam transformando o processo numa juristocracia. De parte dos juízes, diziam que esse era um Código de advogados, tamanho o corporativismo e privilégios concedidos à classe que orgulhosamente, a partir da minha aposentadoria como desembargador no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, passei a integrar.
Entre mortos, feridos e alguns invejosos, depois de cinco anos de tramitação nas duas Casas Legislativas, o novo Código foi sancionado e publicado. É claro que as divergências não cessaram. Aliás, estão só começando. Porque não há espaço para registrar os embates situados no conteúdo, fico apenas na periferia. A começar pelo dia que o Código entrará em vigor.
Tal como Arnaldo César Coelho, pensei que a regra fosse clara. Esqueci-me de que estamos no Brasil e aqui também as regras claras dão margem a infindáveis discussões. Dispõe o art. 1.045 do novo CPC que “este Código entrará em vigor após decorrido 01 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Supus que o prazo em ano contasse em ano, tenha esse lapso de tempo 365 ou 366 dias. Afinal, segundo a Lei que define o ano civil (Lei nº. 810/49), “considera-se ano o período de 12 (doze) meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”. Se a publicação se deu em 17/03/2015, o mesmo dia e mês correspondentes do ano seguinte é 17/03/2016. Simples assim. Como o Código estabelece a sua entrada em vigor “após decorrido um ano da data da sua publicação oficial”, não tinha dúvidas de que a nova legislação começaria a “valer” a partir do dia 18/03/2015. Para corroborar minha certeza, consultei a Lei Complementar 95/98, a qual prescreve que a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Olha aí, pessoal. O novo CPC entrará em vigor no dia 18/03/2016.
Mas tem gente contando o prazo, que é de um ano, em dias – se podemos complicar, para que simplificar? –, daí por que, até agora, termos três possíveis datas para entrada em vigor da nova legislação processual: 16, 17 e 18 de março de 2015. Bem que no último debate do qual participei no Senado, eu avisei e quem avisa amigo é – no meu caso, da clareza e segurança. Coloquem o dia certo para a lei entrar em vigor. Nada desse negócio de um ano ou doze meses, porque nem todos sabem contar e muitos fingem que não sabem ler. Porque no Código Civil y Comercial de La Nación Argentina consta expressamente que “La presente ley entrara en vigência el 1º de agosto de 2015”, o Parlamento brasileiro preferiu oferecer combustível para os cegos que não ver. Oh, birra.
Mas depois da suposta articulação do Ministro Gilmar Mendes para que o Parlamento brasileiro prorrogue por cinco anos o prazo para a entrada em vigor do novo CPC – suposta porque não acredito que tenha ocorrido –, essa discussão perde todo o sentido. A prevalecer a preocupação do Ministro com a falta de estrutura do STF para fazer o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários, o Código só entrará em vigor em 2021. Acreditasse na possibilidade de prorrogação da vacatio, estaria a sugerir que, passadas as festas natalinas de 2020, nos preocupássemos com o dia em que se daria a entrada em vigor. Pelo menos um ponto contaria a nosso favor. O ano de 2021 não é bissexto. Assim, caso não arrumem outra, a divergência quanto ao dia da entrada em vigor, ficaria restrita aos dias 17 ou 18 de março do longínquo 2021. Quem viver verá.
Como não participei das reinações do Ministro e também me incluo entre os que padecem do mau do egocentrismo patológico, permito-me discordar da hibernação proposta. E assim o faço com base em argumento racional, tido num lampejo de lucidez.
Na elaboração do anteprojeto, uma das preocupações da Comissão foi com a racionalidade. Eu e os demais membros da Comissão – 11 juristas no total – julgávamos irracional fazer um mesmo serviço duas vezes. Assim se passa com o juízo de admissibilidade dos recursos na vigência do CPC/73. A verificação dos pressupostos de admissibilidade ocorre no juízo de origem e também no tribunal destinatário do recurso. Isso é o que ocorre com a apelação, com o recurso extraordinário (RE) e com o recurso especial (REsp). E mais, com relação aos recursos extraordinários lato sensu, esse duplo trabalho é gerador de mais trabalho. Isso porque, na grande maioria dos casos, a parte recorrente não se conforma com a denegação do RE ou do REsp na origem e então interpõe agravo. Ocorre de o relator do recurso no STF ou no STJ decidir monocraticamente o agravo, confirmando a inadmissibilidade e, então, um novo recurso (agravo interno ou regimental) é interposto. Enfim, no mínimo mais dois recursos se originam do fato de o juízo de admissibilidade ser feito duas vezes. Foi por isso que se retirou o tal filtro, feito pelos tribunais de segundo grau. Na verdade nem se trata de filtro, mas sim de uma grossa peneira, pela qual um recurso sempre passará, seja porque foi admitido o RE ou REsp ou porque, ante a inadmissão, o agravo do art. 544 (CPC/73) foi interposto. Fazer um juízo de admissibilidade no tribunal destinatário do recurso é mais econômico, racional e, portanto, inteligente.
Porque somos dados a divergir, talvez alguns discordem do critério de racionalidade, mas ninguém quer passar atestado de burrice. Se uma proposta vem com o selo comprobatório da inteligência, dificilmente encontrará opositores, a não ser entre vozes que não merecem audição. Talvez por isso, no que se refere à concentração do juízo de admissibilidade no órgão competente para julgar o recurso, voz alguma se levantou. Falam que os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli estariam articulando para postergar para depois das Olimpíadas de 2020 a vigência do novo CPC. Lei alguma terá tido vacatio legis tão longeva. Prefiro acreditar que tudo não passou de um mal entendido.
Sei que muitos vão discordar de mim. Mas esse é o carma do jurista: afirmar para ser confrontado e às vezes até vilipendiado. Tenho fundadas razões para acreditar que na verdade os Ministros estão articulando para antecipar a entrada em vigor do novo Código. Despidos de preconceitos com os hermanos, querem seguir o exemplo da Argentina, que antecipou, via lei, obviamente, a entrada do Código Civil y Comercial em cinco meses – de 1º de janeiro de 2016 para 1º de agosto de 2015. Nessa linha, sugiro o dia 25 de dezembro de 2021, data em que se comemora o nascimento de Cristo e na qual também poderemos comemorar o nascimento do Código Benjamin Button, porque já vai nascer velho.
Vamos às razões pelas as quais me mantenho firme na crença de que a articulação é pela redução do prazo da vacatio legis. A concentração do juízo de admissibilidade dos RE no STF significará redução de recursos, e não aumento, como inadvertidamente entendeu o redator da matéria publicada no jornal Folha de São Paulo do dia 23/06/2015. Ainda que redução não houvesse, é mais inteligente fazer um serviço uma vez só. E ainda que houvesse aumento da carga de trabalho no STF, seria ela decorrente de um mero deslocamento de tarefas dos tribunais de segundo grau para o Supremo. Ora, se a justiça é nacional, o que importa se é o tribunal de Minas, o TRF da 5ª Região ou o STF que está a realizar a tarefa? Como reconheceu o Ministro Ricardo Lewandowski – é ele quem fala em nome do STF e, assim, se realmente articulação houvesse com o Deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, a conversa seria de presidente para presidente –, o Supremo tem condições de proceder ao juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários sem a companhia dos tribunais de segundo grau. E o presidente do STF acredita tanto nessa capacidade que não participou dessa famigerada articulação. Sintomático para a compreensão do mal entendido é que nenhum outro tribunal do país se queixou da sobrecarga e também não se tem notícia de mobilização para propor a hibernação do novo CPC. Fosse verdadeira a noticiada articulação, bem como as mal compreendidas verdades expostas para tanto, decerto que veríamos caravanas chegando ao Congresso Nacional em defesa da prorrogação da vacatio legis. No entanto, não se tem notícia de que o STJ tenha se mobilizado para tanto. Igualmente, não se tem notícia de que os Tribunais de Justiça dos Estados e do DF, bem como os TRF’s tenham procurado os presidentes das Casas Legislativas em busca da propalada prorrogação. E também esses tribunais serão alcançados pela nova lei. Antes o STJ contava com a peneira – por onde, forçosamente, tudo passa – dos TJ’s e TRF’s e agora, sozinho, terá que fazer o mesmo serviço que já vinha sendo feito. O mesmo pode-se dizer dos TJ’s e TRF’s, que não mais contarão com a peneira dos juízes de primeiro grau quando do recebimento da apelação.
Dizem alguns amigos que sou adepto da teoria da conspiração. Nesse caso, acho que tenho fundadas razões para acreditar que tudo não passa de mais uma campanha para desmoralizar o STF. Suspeita-se que a verdadeira articulação é dos presos na operação lava jato. Receosos do teor de futuro julgamento, querem desmoralizar o Judiciário, começando pela sua cúpula. Não é crível que o STF não esteja preparado para proceder ao juízo de admissibilidade dos recursos por ele julgado, se assim procedem os Ministros desde a criação daquele altaneiro tribunal, juntamente com a proclamação da República. Ainda que houvesse incremento de serviço, não é crível que o órgão máximo do Judiciário brasileiro, que tem independência financeira e administrativa e, ainda, poderes para, com uma canetada, requisitar juízes e servidores de outros tribunais, não consiga se preparar no prazo de seis anos –cinco anos de tramitação do projeto do Código somado ao período de vacatio legis – para essa nova competência.
Autores já publicaram livros sobre o novo CPC – eu inclusive. As editoras já jogaram fora os livros velhos e investiram vultosas somas em novas edições. Operadores do Direito, professores e alunos já atualizaram as suas bibliotecas. As faculdades de Direito já estão a ensinar em conformidade com o novo Código. E todos se preparam para a aplicação da nova Lei, inclusive bancas de concursos públicos. Oh, por conta da tal notícia da prorrogação, candidatos já estão a impugnar editais de concursos. Os tribunais do país já gastaram muito dinheiro na atualização de magistrados e servidores. Hoje, 24 de junho de 2015, dia de São João, encontro-me em Goiânia para debater com os magistrados do TRT da 18ª Região a aplicação do CPC/2015, um dos mais modernos e avançados do mundo. Não acreditasse no mal entendido ou não fosse eu adepto da teoria da conspiração, diria que essa noticia da prorrogação trata-se de ato temerário, causador de intranquilidade e insegurança e, via de consequência, de grande desserviço ao nosso país. À vista de tanta corrupção, tanta patifaria, aos homens sérios cabe apenas praticar a economia do bem.
Mesmo tendo participado da elaboração do novo CPC, não me furto de criticar alguns de seus dispositivos. Mas ninguém em sã consciência – abstraídas eventuais escaramuças pessoais e intensas dores de cotovelo – pode negar que o Código de 2015 é infinitamente melhor do que o de 1973 e que será capaz de contribuir para a mitigação do principal mal que atinge a máquina judiciária: a morosidade. Na tentativa de calar os renitentes, resumo minha construtiva crítica afirmando que se trata de um Código mais inteligente.
Superado o mal entendido, não há razão para intranquilidade e insegurança. Continuemos, pois, a preparação, de modo que em 18/03/2016 estejamos prontos para aplicar o novo Código de Processo Civil, contando sempre com a capacidade intelectual e gerencial dos Ministros do STF.
ELPÍDIO DONIZETTI, Jurista e advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Desembargador alerta advogado que peça enxuta tem mais chance de ser acatada

"Direito é bom senso. Há bom senso em peças gigantescas, em um momento em que o Judiciário está assoberbado de processos e que tanto se reclama da demora nos julgamentos? Evidente que não!"
A afirmação é do desembargador Luiz Fernando Boller em decisão de sua relatoria na 2ª câmara de Direito Comercial do TJ/SC. O colegiado manteve sentença que determinou a um advogado a emenda de petição inicial vinculada a ação de revisão de contrato bancário, de forma a reduzir a peça de 40 para, no máximo, 10 laudas.
O recorrente alegou que tal restrição desrespeita a liberdade profissional do advogado. A câmara entendeu por conhecer do recurso, mas negou-lhe provimento.
Para o desembargador, a redução da petição inicial, desde que mantido o adequado entroncamento dos argumentos jurídicos voltados para a concretização do pleito, não causa óbice ao exercício da jurisdição.
O magistrado ainda alertou que uma peça enxuta tem mais chance de ser acatada.
"Uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 20, 35 ou 50 folhas, provavelmente não. (...) Em verdade, petições e arrazoados começaram a se complicar com a introdução da informática no mundo forense. O 'copia e cola' estimulou longas manifestações. Além disto, as discussões abstratas dos cursos de mestrado trouxeram aos Tribunais pátrios o hábito de alongar-se nas considerações."
Certo de que o princípio da celeridade processual deve se concretizar – o que, na opinião do magistrado, se materializa, dentre outras formas, na proposição de embates mais sintéticos –, o desembargador manteve a sentença, que considerou apontar para os "novos parâmetros norteadores da hodierna prestação jurisdicional".
"Não há artigo explícito no CPC sobre a delimitação do tamanho. E na ausência de norma, o juiz não está obrigado a receber uma inicial com o tamanho de um livro, pois o julgador tem o dever de velar pela rápida solução do litígio (CPC, artigo. 125,II)."
A decisão foi unânime.
Processo: 2014.024576-2
Leia a íntegra da decisão.
Fonte: Migalhas

quarta-feira, 24 de junho de 2015

TABELA DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS DE CORRESPONDENCIA

A Subseção de Cachoeiro do Itapemirim/ES elaborou uma tabela para ajudar a orientar os advogados correspondentes na cobrança de seus serviços, seria importante que todas as Seccionais, através de seus Conselhos estabelecessem regras em relação a prestação deste tipo de serviço. Segue abaixo a tabela:

SERVIÇOS
1 Protocolização de petição judicial/extrajudicial 1,5 URH
2 Distribuição de ação 1,5 URH
3 Distribuição de carta precatória1,5 URH
4 Recolhimento de custas1,5 URH
5 Solicitação de certidão ou outros documentos judicial ou extrajudicial 1,5 URH
6 Obtenção de cópias reprografias e/ou digitais (até 200 cópias) 1,5 URH
7 Obtenção de cópias reprografias e/ou digitais (acima de 200 cópias) 3 URH
8 Retirada e envio de alvará/guias 1,5 URH
9 Acompanhamento de diligências não discriminadas na presente tabela 2,5 URH
10 Audiência de conciliação 2,5 URH
11 Audiência de instrução e julgamento 5 URH
12 Despacho com Juiz, Chefe de secretária, Polícia, Fazenda ou Membro do MP 4URH
13 Despesa de deslocamento fora da Comarca 30% do valor médio local do litro de gasolina por quilometro rodado.
(I) Não estão compreendidas no valor das diligências despesas eventualmente antecipadas com estacionamento, deslocamento, custas e taxas judiciais, envio, cópias reprográficas, impressão e outras necessárias ao cumprimento da diligência, as quais deverão ser reembolsadas.

terça-feira, 23 de junho de 2015

A urbanidade que se espera dos juízes

Em uma preciosa coletânea inserida ontem (22) em seu blog ´Interesse Público´ – simplesmente transcrevendo frases polêmicas pronunciadas por integrantes do Judiciário brasileiro - o jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de S. Paulo, lembrou casos de desrespeito à urbanidade , claramente previstos na Lei Orgânica da Magistratura.
· “Vossa Excelência agora não vai dar lição à presidência com relação à leitura do regimento. O presidente tem poder de pauta. Estou recebendo ofícios de conselheiros querendo pautar o presidente (…) nos termos do regimento, nos termos do que for. Eu sou presidente deste Conselho, presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do Poder Judiciário, ninguém vai me ensinar como é que eu vou levar as audiências e pautar as sessões deste Conselho.”
[Ministro Ricardo Lewandowski, dirigindo-se ao conselheiro e juiz federal Saulo Casali, que manifestara preocupação com processos não levados a julgamento e mencionara o fato de a conselheira e juíza estadual Deborah Ciocci, do TJ-SP, ter onze pedidos de vista, na sessão plenária do CNJ, em 9.6.2015].
· “Não sou obrigado a lembrar o seu nome“.
[Ministro Joaquim Barbosa, dirigindo-se ao então presidente da Ajufe, juiz federal Nino Toldo, em audiência conjunta das associações de magistrados com o então presidente do STF, em 8.4.2013]
· “Fale baixo. O senhor não foi convidado para essa reunião. Somente dirija a palavra quando eu lhe pedir“.
[Ministro Joaquim Barbosa, na mesma audiência, dirigindo-se ao então vice-presidente da Ajufe, juiz federal Ivanir César Ireno, advertindo-o de que ele estava no gabinete da presidência do STF].
· “O presidente do STF é o chefe do Poder Judiciário, mas isso não significa que seja o chefe dos juízes. A independência funcional da magistratura é fundamental para o fortalecimento do Estado democrático de Direito. A independência que tem o juiz de primeiro grau é exatamente a mesma que tem o ministro do STF e qualquer outro magistrado”.
[Juízes federais Fernando Mattos e Nino Toldo, então presidente e vice-presidente da Ajufe, respectivamente, em artigo publicado na Folha de S. Paulo em 27.7.2008]
· “São deveres do magistrado: (…) tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência“.
[Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, Artigo 35, IV]
Fonte: ESPAÇO VITAL, http://www.espacovital.com.br/noticia-31780-urbanidade-que-se-espera-dos-juizes

Duodécuplo da taxa de juros

Artigo de Mauro Sérgio Rodrigues, advogado (OAB/SP nº 111.643).
Uma crítica às recém-editadas Súmulas 539 e 541/STJ de primazia do anatocismo
O poder constituído (leia-se Estado-juiz), novamente permite aos bancos espoliar economicamente a sociedade brasileira, notadamente cidadãos de baixa renda e microempresários dependentes naturais do crédito (bancos), ao decidir de modo totalmente equivocado que “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (Súmula 541/STJ). Mas quem sabe o que é duodécuplo de alguma coisa ou da taxa nominal de juros?
O julgador contemporâneo tem dever de julgar sob a ótica do “homem médio”, não do ponto de vista de quem detém conhecimento profundo em matemática financeira e da ciência jurídica. O consumidor, leigo por excelência sobre temas de alta indagação técnica financeira (CDC, art. 4º, inc. I), merece dos Órgãos de jurisdição facilitação da defesa de seus direitos em juízo (CDC, art. 6º, inc. VIII) e de ser protegido contra condições manifestamente excessivas e/ou abusivas como é o caso dos juros pelo regime composto de capitalização (CDC, artigos 6º, inc. V, 39, inc. V e 51, inc. IV).
O E. STJ, nesta matéria, distante do dever constitucional de proteção e defesa do consumidor bancário (CF/88, art. 5º, inc. XXXII, 170, inciso V e artigo 48 do ADCT), ao longo dos últimos anos vem beneficiando de modo acintoso e antijurídico os integrantes do Sistema Financeiro Nacional quando se observa não medir esforços para fazer valer a qualquer custo o famigerado anatocismo (cobrança de juros de juros; progressão geométrica) passando por cima da vigente Súmula 121 do Excelso Pretório: “É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA”.
A razão da Súmula 121/STF não é outra senão vedar a remuneração absurda que a fórmula financeira desenvolvida pelo pastor protestante inglês Richard Price, produz num contrato de empréstimo de qualquer espécie (cheque especial, CDC, financiamento habitacional, capital de giro, empréstimos, crédito consignado, etc.). Price, através desta parábola demonstra como qualquer devedor proporciona uma chocante riqueza ao credor, transferindo-lhe enorme porção de renda, em função do tempo de duração da sua dívida, o que produz um componente cruel de geração de pobreza e exclusão social: Um centavo de libra emprestado na data de nascimento de nosso Salvador a um Juro Composto de cinco por cento teria, no presente ano de 1781, resultado em um montante maior do que o contido em DUZENTOS MILHÕES de Terras, todas de ouro maciço. Porém, caso ele tivesse sido emprestado a Juro Simples, ele teria, no mesmo período, totalizando não mais do que SETE XELINS E SEIS CENTAVOS (NOGUEIRA, 20081).
A questão central da exponencialização dos juros (anatocismo) é a quebra da comutatividade contratual, haja vista o banco cobrar valor maior sem contraprestação ao consumidor! Daí o locupletamento sem causa da casa bancária!
Se ao consumidor não é dado conhecer previamente e com clareza determinado componente do preço, dele nada poderá ser validamente exigido (CDC, artigos 46-47).
Em quase duas décadas de atendimento aos tomadores de crédito não teve um que soubesse explicar o significado de anatocismo, que dirá duodécuplo da taxa de juros!!
O eminente matemático e Profº Edson Rovina, autor da obra Uma Nova Visão da Matemática Financeira para Laudos Periciais e Contratos de Amortização (Millennium Editora, 2009), em primeiríssima mão nos franqueou e autorizou divulgação de trecho da nova edição deste livro que permitirá ao leigo como eu ter uma visão real do que acontece com a cobrança dos juros de juros:
3.1. Uma tomografia dos juros compostos
Há muita discussão sobre juros capitalizados e muitos falam sobre o que é capitalizar os juros. As definições e fórmulas matemáticas nem sempre são corretamente interpretadas, assim resta uma pergunta: Será que todos entendem e compreendem perfeitamente o que significa capitalização de juros? Para podermos compreender perfeitamente o que é capitalizar os juros vamos fatiar cada um dos períodos e tal qual uma tomografia, vamos olhar como a Equação 7, FV = PV x (1 + i)n, determina o total de juros.
Antes, porém, vamos utilizar uma forma conhecida da demonstração de capitalização de juros, e para tanto vamos considerar um exemplo com as seguintes características: capital inicial (PV) de $ 10.000,00, prazo (n) de 4 meses e uma taxa de juros (i) de 3,0% ao mês.
Finalmente, para melhor visualizar os cálculos a seguir apresentamos a Figura 2 onde os juros e seus desdobramentos estão organizados por período. Destacamos que os valores de $300,00 acima da linha diagonal tracejada representam os juros calculados em regime de juros simples, ou seja, o valor do capital multiplicado pela taxa de juros. Enquanto, os abaixo da linha tracejada, representam os valores dos juros produzidos sobre os juros de cada uma das parcelas de juros:
Figura 2: Tomografia dos cálculos de juros capitalizado
Observe que no primeiro período há somente $ 300,00 de juros; já no segundo período há $ 300,00 de juros (calculado sobre o capital) e há ainda $ 9,00 (calculado sobre os juros do primeiro período). Quando analisamos o terceiro período identificamos novamente a parcela de $ 300,00 (juros calculado sobre o capital), dois valores de $ 9,00 (um correspondente aos juros dos juros do primeiro período e outro correspondente aos juros do segundo período) e uma parcela de $ 0,27 correspondente aos juros dos juros ($ 9,00) determinados no segundo período.
Basta proceder de forma análoga que você irá identificar os juros dos juros dos juros dos juros no quarto período no valor de $ 0,0081. Talvez você até ache que o valor de $ 0,0081 acaba não impactando nos cálculos, mas o processo de cálculo efetuado através da equação de juros capitalizados (equação 7) considerada todos os valores, mesmo que insignificantes. Isso quer dizer que o sistema de juros compostos além de calcular juros sobre juros não deixa escapar nenhuma quirela, nenhuma parte, quer seja ela, décimos, centésimos, milésimos, ou qualquer outra fração de centavos.
Este trabalho do Profº Rovina nos permite extrair duas conclusões. A pessoa comum do povo, leigo por excelência em matemática financeira, jamais conseguirá entender o real significado do anatocismo; segundo, trata-se de cobrança minimamente imoral, pois exige juros dos juros que pago em cada prestação. Quanto maior o período (prestações), maior a espoliação econômica, maior o rombo para os dependentes do crédito (superendividamento).
Por mais que queiram “torcer” o texto da Lei Maior, a proteção e defesa do consumidor é imperativo constitucional que se impõe (CF/88, art. 5º, inc. XXXII), de modo que o anatocismo por ser notório elemento de excessividade remuneratória do banco não prevalece contra o consumidor bancário, vulnerável por excelência nas relações de consumo (CDC, art. 4º, inc. I). As ilegais e inconstitucionais Súmulas 539 e 541/STJ devem ser prontamente canceladas em homenagem ao equilíbrio contratual e ao consumidor bancário.
(a) Mauro Sérgio Rodrigues
(b) Advogado, Pós-graduado em Direito Empresarial e Processo Civil, autor do livro Processo Civil do Consumidor Bancário (Millennium Editora, 2011).
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O articulista é advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e Processo Civil, autor do livro “Processo Civil do Consumidor Bancário” (Millennium Editora, 2011).
E-mail: mauro.sergio.rodrigues@uol.com.br

Correção monetária garantida para poupadores

Ao decidir um recurso repetitivo sobre expurgos inflacionários de planos econômicos editados de 1986 a 1994, o STJ acaba de pacificar que cabem correção monetária ao investidor e juros legais -não juros remuneratórios – do início da ação ao fim da obrigação de pagar.
O acórdão ainda não foi publicado, mas o Espaço Vital revela que a decisão final é a seguinte:
Para os efeitos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foram firmadas as seguintes teses: 1. Na execução individual de sentença proferida em ação civil pública que reconhece o direito de poupadores aos expurgos inflacionários decorrentes do Plano Verão (janeiro de 1989): 1.1. Descabe a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação se inexistir condenação expressa, sem prejuízo de, quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento; 1.2. Incidem os expurgos inflacionários posteriores a título de correção monetária plena do débito judicial, que terá como base de cálculo o saldo existente ao tempo do referido plano econômico, e não os valores de eventuais depósitos da época de cada plano subsequentes".
A decisão dos ministros das 3ª e 4ª Turmas, a partir de agora, tem que ser seguida pelos tribunais estaduais e pelas cortes regionais federais. (REsp nº 1.372.688).
Fonte: ESPAÇO VITAL, http://www.espacovital.com.br/noticia-31775-correcao-monetaria-garantida-para-poupadores

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Constituição Federal e a Preparação/Formação do Juiz Brasileiro

Autor:
SALOMÃO, Luis Felipe

1. Introdução
O estágio atual da preparação e formação de juízes no Brasil é tema por demais desafiador.
Vem a calhar a obra imortal de Kafka, que superou o seu tempo e apresenta um painel rico em várias questões da vida moderna. Direito, psicanálise, religião, são assuntos tratados com absoluta transparência e objetividade.
O percurso surrealista de Joseph K, no magnífico texto de "O Processo", homem indefeso e incrédulo dentro de um sistema judicial anacrônico e corrupto, hierarquizado e inacessível, cruel e injusto, é o pano de fundo de uma ampla reflexão sobre o Judiciário que se iniciou no segundo pós-guerra e ainda não terminou.
Por isso, a importância da preparação do magistrado, de grande relevância para o processo de mundialização vivenciado pela sociedade pós-moderna.
2. Acesso à Justiça no Brasil
No Brasil, a partir da Constituição de 1988, quando se redemocratizou o País, é que o Judiciário começou a ser demandado pela maioria da população brasileira. Essa explosão de demandas judiciais, funcionando como verdadeiro conduto de cidadania, teve reflexo imediato: a crise do Poder Judiciário.
Na verdade, essa pletora de novas ações representa uma medalha de duas faces. Por um lado, é bem verdade que nunca o Judiciário teve tanta visibilidade; por outro, também é verdadeiro que a qualidade dos serviços prestados decaiu muito, e a demora para a solução dos litígios constitui o que se denomina de eternização das demandas.
Ademais, surge o fenômeno da judicialização das relações políticas e sociais, assim também o tema da democratização do acesso à Justiça.
Acesso à Justiça - e não apenas ao Poder Judiciário - implica a garantia de acesso ao justo processo, sem entraves e delongas, enfim, garantia de ingresso em uma máquina apta a proporcionar resolução do conflito trazido, com rapidez e segurança.
No Brasil, 25 anos após a Constituição de 1988, o número de casos novos multiplicou-se mais de 80 vezes.
Em 1988, houve ajuizamento de cerca de 350 mil novas ações em todos os segmentos da justiça. Em 2012, último levantamento do "Justiça em números" (CNJ), foram mais de 28 milhões, com crescimento anual de cerca de 9%. Há próximo de 92 milhões de processos em andamento, com uma taxa de 70% de congestionamento.
Nada obstante, os juízes brasileiros ocupam o terceiro lugar no mundo em termos de maior produtividade, com carga de trabalho de cerca de 5.000 processos por ano para julgamento.(1)
Os números revelam 1 processo para cada 2 habitantes no Brasil - o que presume uma grande concentração de casos em poucos litigantes -, enquanto na Austrália existe 1 processo para cada 6,4 mil habitantes.
Na verdade, apesar de realizados há mais de 20 anos, foi a partir dos primorosos estudos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth ("Acesso à Justiça", Editora Sergio Antonio Fabris, 2002) que inúmeras contribuições para enfrentar o grave problema aperfeiçoaram-se, dentre as quais se destacam: a) a assistência judiciária gratuita; b) as ações coletivas; c) as soluções alternativas à jurisdição.
Entre nós brasileiros, a CF (art. 5º, XXXV e LXXIV) estabelece o princípio geral do amplo, gratuito e democrático acesso à Justiça. Além disso, a Lei da Assistência Judiciária (1.060/50), a Lei da Ação Popular (4.717/65), a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85), o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90), a Lei dos Juizados Especiais (9.099/95) e a Lei da Arbitragem (9.307/96), dentre outras, são exemplos reais de tais preocupações.
De fato, o crescimento da sociedade e sua complexa estruturação num mundo globalizado orientou a adoção de modelo temperado de divisão de tarefas, no sentido de facilitar aos cidadãos o acesso à justiça, bem como de conferir alternativas confiáveis para a solução de conflitos.
3. Formas de Seleção da Magistratura
3.1. A Função Judicial
Está aceito que não há sociedade sem direito. O conjunto normativo, escrito ou não, exerce função ordenadora da sociedade.
Enquanto inexistente o Estado organizado, prevalecia a Justiça privada. Vale dizer, os conflitos de interesses surgidos no seio social eram resolvidos pela autotutela (ou autodefesa), equivalente à lei do mais forte ou do mais astuto. Se isso não ocorresse, sobrevinha a autocomposição, quando ambas as partes em conflito, ou uma delas, abria mão do interesse, ou parte dele, advindo a desistência (renúncia à pretensão), submissão (aceitação plena da pretensão, sem resistência) ou transação (mútuas concessões).
A partir do surgimento efetivo do Estado, já no direito romano, ele próprio chama para si a função de dizer a jurisdição, a missão de resolver os conflitos da sociedade, de modo a restabelecer a paz social abalada com a pendência. Desloca-se o eixo: a Justiça, antes em regra de natureza privada, passa a ser pública.
Evidentemente, todas essas transformações não ocorreram instantaneamente, de um momento para o outro. Ao contrário, os fatos aconteceram com as vicissitudes e a velocidade normal das ocorrências históricas.
Portanto, dentre as principais funções do Estado moderno (v.g., administrar, legislar), avulta a missão de prestar jurisdição como garantidora dos direitos individuais e coletivos, sempre na pretensão de zelar pela convivência harmoniosa dos integrantes da sociedade.
3.2. A Independência dos Juízes
A questão da independência dos juízes tem íntima ligação com o que se denomina de controle de constitucionalidade das leis.
No caso dos Estados Unidos da América, a partir da Constituição de 1787, surgiu fenômeno que logo ganhou o mundo, denominado supremacia da Constituição (a "lei das leis"). Os americanos, após a luta sangrenta pela independência, compreenderam bem o grande desafio do homem contra o tempo e contra a morte e trataram de inserir na Constituição os valores principais da sociedade que pretendiam ver construída. As leis passam e podem ser revogadas, mas a Constituição fica.
A sociedade americana incumbiu os seus juízes de interpretar esses valores da Carta Constitucional, fazendo com que eles se tornem perenes, imutáveis, mas adaptados à realidade moderna. Na luta contra o tempo, são os magistrados os encarregados de dizer se uma lei fere ou não os princípios constitucionais.
Por isso mesmo, a Suprema Corte decide as grandes causas que envolvem a cidadania americana, tais como o fim da discriminação racial, permissão para o aborto, dentre outros tantos temas relevantes.
É o movimento descrito na doutrina constitucional como judicial review, pois a sociedade confiou aos juízes, pela força de seus julgamentos, a concretização das normas (valores) constitucionais.
Percebe-se claramente a diferença do sistema francês. No berço da revolução que modificou o mundo, os franceses pós-revolucionários passaram a nutrir desconfiança em relação aos juízes, um dos poucos cargos de funcionários públicos que não foram decapitados pelo nouveau regime.(2)
Talvez por isso, também, tomando o paradigma francês, a maioria dos países europeus tenha constituições flexíveis - que podem ser alteradas por legislação menor -, criando o que se denominou chamar de supremacia do parlamento.
Como havia desconfiança na atuação do Judiciário sob o velho regime francês, melhor seria não lhe confiar a guarda absoluta dos valores constitucionais, nem tornar imutáveis ou perenes as Constituições.
No Brasil, desde a primeira Constituição Republicana de 1891, os juízes gozam das principais garantias, como a vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, o que coloca o Poder Judiciário em um estágio avançado em relação aos vizinhos latino-americanos.(3)
Vale lembrar, no particular, a sempre lembrada lição de Calamandrei(4), mencionada pelo grande jurista Mauro Cappelletti: "Não é honesto refugiar-se atrás da cômoda frase feita de quem diz que a magistratura é superior a toda crítica e a toda suspeita: como se os magistrados fossem criaturas sobre-humanas, não tocados pela miséria dessa terra, e por isso intangíveis. Quem se satisfaz com estas vãs adulações ofende a seriedade da magistratura: a qual não se honra adulando-a, mas ajudando-a, sinceramente, a estar à altura de sua missão."
3.3. Formas de Recrutamento no Mundo
Um dos problemas contemporâneos mais complexos, em um mundo sem fronteiras e cada vez mais conectado em razão da revolução ocorrida - sobretudo nos últimos vinte anos -, nos meios e modos de comunicação, é, sem dúvida, descobrir a "forma" correta de seleção dos juízes.
Vale dizer, diversos países debatem sobre a maneira de melhor recrutar o corpo de magistrados encarregados de prestação estatal da jurisdição, de maneira a atender às exigências da sociedade moderna.
Há um consenso de que não basta um candidato que domine puramente a ciência jurídica, do ponto de vista exclusivamente técnico.
Os desafios do mundo atual para o exercício de tão relevante mister exigem a escolha de jurista com sensibilidade e inteligência emocional, além de formação humanística que lhe permita conhecer noções gerais acerca de sociologia, filosofia, ética, deontologia, liderança, administração, micro e macroeconomia, relacionamento com os outros Poderes e com a mídia, dentre outros atributos.
Não é tarefa fácil estabelecer uma forma de seleção que possa aferir tantos predicados, de modo a buscar o perfil de juiz desejado pela sociedade, sobretudo os mais vocacionados, compatibilizando a escolha com os requisitos da impessoalidade e moralidade previstos na Constituição Federal.
Na maioria dos países - incluindo o Brasil -, o recrutamento para a magistratura tem como base, em regra, o ingresso pela via do concurso público.
Alemanha, França, Portugal e Espanha possuem "escolas de magistratura" com longa experiência, e nenhum magistrado começa a trabalhar sem que tenha passado, pelo menos, um longo período em treinamento. Na verdade, e em regra, o concurso público é realizado para ingresso nas próprias escolas, e as provas no curso ali ministrado têm caráter eliminatório.
Com efeito, no sistema alemão, a sua principal característica está na necessidade de os candidatos ao exercício de uma profissão jurídica frequentarem uma mesma formação, composta por duas fases: formação universitária e formação prática. O curso universitário dura entre 3 anos e meio e 5 anos e meio, após o aluno é submetido a um rigoroso exame final. Uma vez aprovado, segue para a fase prática, com duração de 2 anos, sendo obrigatória a realização de estágios obrigatórios - em jurisdição civil, penal, na Administração Pública e em escritório de advocacia - e de outros de caráter facultativo. Ao final dessa segunda fase, o aluno é submetido às provas escritas (Klausurem) e à oral, incluindo um trabalho sobre um caso concreto (Aktenvortrag). Após a nomeação, existe um período probatório que pode variar entre 3 e 5 anos, com a aplicação de avaliações semestrais nos 2 primeiros anos, em que o presidente do Tribunal de Recurso pode dispensar o novo magistrado, sem justificativa e, a partir do terceiro ano, somente por inaptidão. Findo o período probatório, a nomeação é definitiva e vitalícia para a carreira jurídica.
Na França, o ingresso à magistratura é realizado junto à École Nationale de la Magistrature (ENM), cujo acesso não é restrito aos bacharéis em direito, sendo porém, amiúde, a maioria dos alunos. A ENM organiza 3 concursos de recrutamento por ano: o primeiro, para bacharéis com idade até 27 anos; o segundo, reservado aos funcionários com pelo menos 4 anos de serviço e idade até 40 anos; o terceiro (instituído pela Lei Orgânica de 1992), para candidatos com pelo menos 8 anos de atividade profissional e idade máxima de 40 anos. Além desses concursos, está prevista a seleção "sur titres", limitada a 20% do número de auditores de justiça recrutados por concurso e dirigida a candidatos entre 27 e 40 anos de idade, com experiência profissional mínima de 3 a 4 anos, reduzindo-se o período de formação para 27 meses. As provas dividem-se em provas escritas de admissibilidade e provas orais de admissão. A lei orgânica de 2001 criou também um concurso complementar destinado a recrutar magistrados de primeiro e de segundo grau, postos mais elevados na hierarquia judiciária. Para o segundo grau, é necessária idade mínima de 35 anos e 10 anos de atividade profissional; para o primeiro grau, 50 anos de idade e 15 anos de experiência profissional. Os admitidos devem cursar 1 mês de formação na ENM antes de um estágio de 5 meses em atividade jurisdicional.
No modelo espanhol, os candidatos à magistratura judicial ou do Ministério Público (fiscal) devem se submeter ao concurso público. A opção por uma ou outra carreira será definida pela pontuação obtida no rigoroso certame, abrindo acesso às escolas de formação: a Escuela Judicial, para juízes (criada em 1944, recebendo formandos a partir de 1960 e refundada em Barcelona em 1997), e o Centro de Estudios Jurídicos, para os fiscales. O plano de formação da Escuela Judicial, aprovado anualmente pelo Consejo General del Poder Judicial (CGPJ), exige o preenchimento de lacunas formativas não detectadas pelo concurso, aberto à pluridisciplinaridade e à realidade social, com uma duração de 2 anos. No primeiro ano, o curso envolve aulas teóricas e casos práticos, objetivando o desenvolvimento da capacidade de análise. No segundo ano, os alunos realizam estágios práticos nos tribunais de Primeira Instância e em de Instrução, permitindo contato direto com o direito, com os princípios processuais e com regras de procedimento. Em ambas as fases, a avaliação é feita continuamente, principalmente pelas informações prestadas pelo juiz orientador. Objetiva-se, dessa forma, estimular a percepção dos problemas jurídicos, aprofundar e complementar o conhecimento acerca da realidade social, dentro da perspectiva local, continental e internacional.(5)
Também de modo geral, na Europa Continental, sempre que uma lei entra em vigor, os juízes inicialmente a debatem, estudam-na e entendem adequadamente seu alcance, pois se acredita que o magistrado bem capacitado faz a lei ter eficácia plenamente, impedindo aquele chavão de que o texto legal é bom, "mas não pegou".
4. A preparação e Formação dos Juízes no Brasil
4.1. Introdução
Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer entrar num lugar novo.
Adquirindo por empréstimo a belíssima imagem de Michel Miaille(6), a visita a uma casa, com a orientação de um guia, é sempre uma experiência diferente.
A visão que se tem dos cômodos da casa, as fachadas, seus ambientes e interiores, é a de uma terceira pessoa, e não do próprio visitante.
Visitar a construção sozinho, sem o guia, implica outra forma de observação, descobrindo as divisões internas, os quartos fechados, a lógica do edifício.
Há ainda a visão daquele que é um habitante da casa, que conhece os relatos familiares, as escadas ocultas, a atmosfera íntima dos ambientes.
Para logo se verifica que um mesmo fenômeno permite uma diversidade de percepções, dependendo do ângulo que o observador o examine.
Assim também é a preparação que se deve realizar do magistrado recém-ingresso; permanente, continuada, para que a "seleção" se conecte à "preparação", em seguida ao exercício da função e depois ao constante "aperfeiçoamento" do juiz.
É como se, prosseguindo na mesma imagem do "visitante e da casa", além de se procurar um panorama geral da construção, ainda venha a se examinar as suas estruturas.
Por outro lado, qualquer estudo do direito não pode ser minimamente compreendido, senão em relação a tudo que permitiu sua existência, vislumbrando-se, em seguida, um futuro possível.
É dizer, devemos projetar o direito no mundo real onde ele encontra o seu lugar e a razão de ser, vinculando-o a outros fenômenos da sociedade, solidário com o tempo passado, presente e futuro.
O conjunto das normas jurídicas é, antes de mais nada, uma visão generosa de um povo, buscando reduzir os antagonismos sociais.
O juiz é o grande artífice dessa obra de engenharia social, o guardião das promessas constitucionais, e a democracia exige seu adequado preparo para bem e fielmente cumprir sua missão, o que faz lembrar a figura festejada por Hélio Tornaghi:
É utilíssimo para um povo ter boas leis; mas é melhor ainda ter bons juízes.
Há, na verdade, duas maneiras de conceber a função do juiz.
A primeira é a descrita com tanta finura por Kantorowicz, reproduzida mais tarde por Calamandrei, lembrando a figura do juiz funcionário público, armado com aquela máquina de pensar que o prende aos grilhões da letra estreita da lei.
O segundo é a do juiz que sente e pensa como qualquer pessoa normal, que não é peça de uma engrenagem; que vivifica a lei como o oxigênio da realidade.
Esse é o bom juiz, que tem a firmeza no agir e a suavidade no trato.
O bom juiz é, antes de mais nada, um justo.
4.2. Perfil de Ingresso na Magistratura Brasileira
A última pesquisa sobre o tema, extensa e detalhada, foi realizada em 2005 pela Professora Maria Tereza Sadeck (USP), uma das maiores especialistas em estudos sobre Poder Judiciário, apontando o perfil dos juízes que ingressam na magistratura brasileira.(7)
Conforme o estudo, 96,5% dos juízes ativos exerceram atividade profissional anterior ao ingresso na magistratura, contra apenas 3,5% que não a realizaram, o que descaracteriza a ideia de que o juiz ingressa sem experiência. O tempo médio de formatura até o ingresso na magistratura é 7,2 anos, reforçando essa tese.
Quanto ao exercício de atividades acadêmicas, 4,8% dos magistrados lecionam em faculdade de direito pública, 20,3% em faculdade de direito privada, 17,1% ministram aulas em escolas de magistratura e 10,3% atuam em outras instituições. Nítido, portanto, que a maioria dos juízes tem dedicação exclusiva à missão de julgar.
A tendência, no Brasil e no mundo, é o recrutamento de candidatos mais jovens, ainda não inseridos completamente no mercado de trabalho.
Esse fenômeno da juvenilização é comum na Europa, especialmente na França, Itália, Portugal, Espanha e Alemanha.
Em todos os casos, é a democracia de acesso que a induz.
No sistema da commom law, nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, o recrutamento é diferente. Em regra, não há concursos públicos, e a seleção é realizada ora por eleição, ora por indicação da Corte ou do Presidente da República, apontando os advogados mais antigos e experientes e, claro, profissionais com idades mais avançadas.
Os dados de 2005 permitem uma útil comparação com os elementos extraídos da significativa e pioneira pesquisa "O perfil do magistrado brasileiro", do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), em conjunto com a Associação de Magistrados Brasileiro (AMB), realizada em 1996 pelos sociólogos Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos.(8)
O exame comparado dos números permite um olhar generoso quanto à evolução da magistratura nos últimos anos.
No estudo do IUPERJ, indagou-se a opinião dos magistrados acerca da forma de ingresso na carreira. Dentre os juízes de primeiro grau em atividade, 98,2% acreditam que o sistema de concurso público melhor assegura o estado democrático de direito, contra 1,8% que pensa ser o processo eletivo um meio de aproximar o Poder Judiciário aos valores da comunidade de maneira mais efetiva.
A pesquisa apontou também que, para 62,9% dos juízes de primeiro grau e 58% dos magistrados de segundo grau, o concurso público para ingresso na magistratura, na forma pela qual vem sendo realizado, tem facultado o acesso de todos os profissionais do direito aos seus quadros, possibilitando o recrutamento de pessoas de variadas faixas etárias, de diferentes regiões e com formações culturais diversas.
A assertiva de que as Escolas da Magistratura devem servir como instrumento que favoreça uma melhor seleção dos futuros juízes, oferecendo ensino especializado àqueles que pretendem concorrer à magistratura e prevendo concessão de bolsas de estudo para os seus melhores alunos, conta com a concordância de 59,1% dos juízes de primeiro grau e 63,3% dos de segundo grau.
Um dado muito relevante, que já despontava em 1996, é o de que os magistrados de primeiro e segundo grau, na proporção de 45% e 54,2%, respectivamente, afirmam ser importante a passagem dos futuros juízes pela Escola da Magistratura.
Naquela época, dentre os magistrados que ingressaram na carreira mediante concurso, 32% dos juízes de primeiro grau e 6,6% dos de segundo grau frequentaram Escola da Magistratura.
A experiência profissional anterior na área de Direito era vista como condição indispensável para ingresso na carreira por 74,4% dos juízes de primeiro grau e 71,2% dos de segundo grau.
A maioria dos entrevistados (58,3% dos juízes de primeiro grau e 58,9 dos de segundo grau) avaliaram que, nos dias atuais, a capacitação do magistrado, para além de seu talento, está associada à qualificação técnica, perícia científica e formação especializada. Concordaram que a carreira do juiz, para se fazer independente de avaliações subjetivas, deve ser institucionalizada pelo Poder Judiciário, segundo critérios de titulação como ocorre em outras profissões, a partir da criação de cursos orientados para qualificação progressiva dos magistrados.
4.3. As Escolas de Magistratura no Brasil
Há grande diversidade em relação às escolas em funcionamento, algumas se voltando para a formação de juízes, outras se dedicando à preparação, seleção e aperfeiçoamento.
De acordo com os dados colhidos da pesquisa realizada pela juíza Maria Inês Correa de Cerqueira César Targa(9), realizada no ano de 2005, dentre as Escolas do País, 54,54% são vinculadas a Tribunais e 27,27%, a associações de magistrados; 18,18% não têm vínculos.
Analisando ainda os números, majoritariamente (68,18%) as escolas brasileiras exploram dúplice atividade: formação do candidato à magistratura e formação inicial e continuada do magistrado já empossado. Dedicam-se apenas ao aprimoramento do magistrado 22,72% das escolas e, somente à formação do candidato, 9,09%.
A maior parte das escolas (72,72%) tem cursos regulares para candidatos à carreira e 13,63% ministram cursos regulares aos magistrados já empossados. Em regra, os juízes que ingressaram na carreira recebem cursos esporádicos (68,18%).
A pesquisa também revela que a atividade de formação do candidato à magistratura tem sido desenvolvida de forma mais organizada do que aquela destinada aos magistrados. A média dos cursos preparatórios é de 703,56 horas-aula, ao passo que à formação inicial e continuada dos magistrados empossados são destinadas, em média, 133,50h e 22h, respectivamente.
Aponta o estudo que o corpo docente das Escolas é formado, em grande parte, por juízes (60,75%), advogados (17,89%) e membros do Ministério Público (13,01%). Apenas 8,35% dos docentes não integram essas carreiras.
O grupo de professores inseridos nas Escolas é composto de 10,46% de doutores, 22,14% de mestres e 29,31% de especialistas.
É relevante o fato de que mais da metade das escolas (59,09%) obtém suas receitas dos cursos preparatórios que ministram.
5. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam)
5.1. Histórico
Não obstante a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35/1979) contemplasse em seu texto a possibilidade de a lei exigir dos candidatos à magistratura - para a inscrição no concurso - e dos juízes - para fins de acesso aos Tribunais por merecimento - a habilitação em curso oficial de preparação e aperfeiçoamento (arts. 78, § 1º, 87, § 1º), a primeira experiência de escola de magistratura de âmbito nacional nasceu do movimento associativo: a Escola Nacional da Magistratura (ENM) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Instituída há cerca de 50 anos, a ENM tornou-se a única entidade do gênero em torno da qual diversas escolas - estaduais, trabalhistas e federais - passaram a debater questões comuns às suas necessidades e novos rumos para a magistratura, tornando-se um fórum único de abrangência nacional. A ENM promoveu a realização de vários cursos no Brasil e no exterior.10
5.2. A Criação da Enfam
A Constituição de 1988 avançou e estabeleceu a previsão de cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento de magistrados como requisitos para ingresso e promoção na carreira (art. 93, IV, da redação anterior).
Porém, a grande inovação foi trazida pela Reforma do Judiciário, engendrada pela EC 45, de 30 de dezembro de 2004, prevendo a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), vinculada ao STJ. Assim dispõe o inciso I do parágrafo único do art. 105 da Constituição da República de 1988:
Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Parágrafo único - Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:
I - a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;
[...]
Tal comando revela-se consonante com a nova redação conferida pela mesma Emenda ao inciso IV do art. 93 da Carta Maior, no sentido de se contemplar uma escola nacional de formação e aperfeiçoamento para reconhecer e certificar cursos ministrados no país para fins de vitaliciamento de magistrados.
Confira-se o texto da Constituição:
Art. 93 - Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;
[...]
A instituição da Escola Nacional ocorreu com a publicação da Resolução nº 3, de 30 de novembro de 2006(11), alterada pela Resolução nº 5, de 1º de julho de 2008(12), ambas da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, em que foram estabelecidos, como objetivos da novel instituição, autorizar e fiscalizar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira da Magistratura.
Na sessão realizada em 20 de fevereiro de 2013, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça aprovou - por aclamação - a incorporação à Enfam do nome do saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos idealizadores do projeto que instituiu a Escola de Formação.
Estão inseridas as seguintes atribuições para consecução desses objetivos:
(a) definir as diretrizes básicas para a formação e o aperfeiçoamento de magistrados;
(b) fomentar pesquisas, estudos e debates sobre temas relevantes para o aprimoramento dos serviços judiciários e da prestação jurisdicional;
(c) promover a cooperação com entidades nacionais e estrangeiras ligadas ao ensino, pesquisa e extensão;
(d) incentivar o intercâmbio entre a Justiça brasileira e a de outros países;
(e) promover, diretamente ou mediante convênio, a realização de cursos relacionados com os objetivos da Enfam, dando ênfase à formação humanística;
(f) habilitar e fiscalizar, nos termos do art. 93, II, "c", e IV, e 105, parágrafo único, da Constituição da República, os cursos de formação para ingresso na magistratura e, para fins de vitaliciamento e promoção na carreira, os de aperfeiçoamento;
(g) formular sugestões para aperfeiçoar o ordenamento jurídico;
(h) definir as diretrizes básicas e os requisitos mínimos para a realização dos concursos públicos de ingresso na magistratura estadual e federal, inclusive regulamentar a realização de exames psicotécnicos;
(i) apoiar, inclusive financeiramente, a participação de magistrados em cursos no Brasil ou no exterior indicados pela Enfam;
(j) apoiar, inclusive financeiramente, as escolas da magistratura estaduais e federais na realização de cursos de formação e de aperfeiçoamento.(13)
Por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), observa-se, por um lado, a Resolução nº 159, de 12 de novembro de 2012, que incursiona no tema para regulamentar os cursos oficiais de ingresso, formação inicial e aperfeiçoamento de magistrados; por outro lado, a Resolução nº 75, de 12 de maio de 2009, que, a pretexto de regulamentar os concursos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário, cria, na verdade, inúmeras dificuldades para os diversos atores do processo seletivo.(14)
Desde a sua instituição, a Enfam - diretamente ou por acordo de cooperação - tem cumprido sua missão constitucional ao promover os mais variados cursos de formação e de aperfeiçoamento de magistrados. De dezembro de 2008 a outubro de 2012, foram oferecidos 65 cursos, que contaram com mais de 2.600 inscritos - magistrados, servidores, diretores e coordenadores das Escolas, dentre outros.
Os cursos à distância (EaD) também têm se revelado um canal com elevado potencial, mercê de oferecer uma plataforma eficiente e interativa de capacitação, possibilitando a participação daqueles que se encontram afastados dos grandes centros urbanos. Entre 2010 e junho de 2012, a Enfam oferecia 4 cursos, concluídos por 709 dos inscritos; de junho de 2012 a outubro de 2013, a quantidade saltou para 8 tipos de cursos, os quais foram concluídos por 987 dos inscritos.
Em relação ao credenciamento de cursos, entre 2008 e 2009, foram habilitados 391; porém, de janeiro a outubro de 2013, 406 novos cursos foram credenciados, com duração que varia de 16 horas/aula a 2.386 horas/aula.
6. Conclusão
Destarte, é urgente e importante pensar na formação do juiz do futuro, adequando-a às aspirações da sociedade.
O pleno desenvolvimento das escolas oficiais criadas pelos arts. 105, parágrafo único, I, e 101-A, I, da CF/88, junto ao STJ e TST, contando com a participação das escolas existentes e com as sugestões da base da magistratura, é ponto relevante no atual estágio de evolução quanto à melhor formação dos juízes brasileiros. Ressalte-se que esses são os únicos órgãos vocacionais e com assento constitucional para estabelecer políticas públicas de seleção, formação e aperfeiçoamento de juízes.
O trabalho da Enfam, nessa perspectiva, não se resume em chancelar os cursos de formação mediante uma análise meramente burocrática, mas a de empreender e formular diretrizes que tenham por foco a seleção de magistrados, as quais servirão de base para as demais escolas de formação.
Dentro de um ambiente de formação e de aperfeiçoamento, os magistrados, além de reforçarem seu conhecimento técnico e atualizarem-se acerca das inovações legislativas, poderão refletir e discutir ideias para o enfrentamento dos reais desafios do Poder Judiciário no século XXI, a partir de um enfoque multidisciplinar - e não apenas jurídico -, que valorize princípios éticos e sopese as necessidades de cada região do País.
Urge também que os concursos públicos para seleção de magistrados tenham a participação ou sejam realizados pelas Escolas de Magistratura, de modo a que o recrutamento obedeça à mesma diretriz da preparação.
Parece importante, ademais, a inserção de mecanismos de seleção que contemplem a busca dos mais vocacionados para a carreira, elementos que devem se somar ao conhecimento técnico indispensável ao exercício da profissão.
Além disso, primordial que haja um peso específico para os aspectos humanísticos da formação dos quadros da magistratura.
Igualmente relevante é conferir autonomia administrativa e financeira às Escolas de Magistratura, pois, somente com a possibilidade de planejar seus objetivos estratégicos, a magistratura ampliará o acesso dos cidadãos a uma justiça ágil, mais bem aparelhada, informatizada e, portanto, transparente e capaz de cumprir plenamente sua função social.
Notas:
(1) CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Departamento de Pesquisas Judiciárias. Estudo comparado sobre recursos, litigiosidade e produtividade: a prestação jurisdicional no contexto internacional. Brasília, 2011.
(2) DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
(3) ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário: crise, acertos e desacertos. Tradução Juarez Tavares. SP: RT, 1995. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Evolução histórica da estrutura judiciária brasileira. Revista jurídica virtual. Brasília, v. 1, n. 5, set. 1999. Disponível em . Acesso em 9/11/2013. NEQUETE, Lenine. O poder judiciário no Brasil: crônica dos tempos coloniais. v. 1. Brasília: STF, 2000. NEQUETE, Lenine. O poder judiciário no Brasil a partir da independência. v. 2. Brasília: STF, 2000.
(4) CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
(5) SANTOS, Boaventura de Sousa (Dir. Científico); GOMES, Conceição (Coord.). In: O sistema judicial e os desafios da complexidade social: novos caminhos para o recrutamento e a formação de magistrados. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011. Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2013. SANTOS, Boaventura de Sousa (Coord.). In: O recrutamento e a formação de magistrados: análise comparada de sistemas em países da União Europeia. Disponível em . Acesso em: 12.11.13. STJ. Secretaria de Documentação. Subsídios à implantação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados/ENFAM no Superior Tribunal de Justiça. V. I e IV. Brasília, 2006.
(6) Introdução Crítica ao Direito, 2ª edição, Editora Estampa.
(7) SADECK, Maria Tereza (Coord.). Magistrados brasileiros: caracterização e opiniões. 2005. Disponível em . Acesso em 9/11/2013. SADECK, Maria Tereza (Coord.).Magistrados: uma imagem em movimento. RJ: editora FGV, 2006.
(8) VIANNA, Luiz Werneck [et al.]. O perfil do magistrado brasileiro. Rio de Janeiro: AMB:IUPERJ, 1996.
(9) Diagnóstico das Escolas de Magistratura existentes no Brasil - revista ADV Advocacia dinâmica: seleções jurídicas, nº 10, p. 21-22.
(10) STJ. Secretaria de Documentação. Subsídios à implantação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados/ENFAM no Superior Tribunal de Justiça. V. I e IV. Brasília, 2006.
(11) Publicada no Diário da Justiça da União de 4/12/2006, Seção 1, p. 158.
(12) Publicada no Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça de 1º/7/2008.
(13) Art. 2º da Resolução nº 3, de 30 de novembro de 2006, alterada pela Resolução nº 5, de 1º de julho de 2008, ambas da Presidência do Superior Tribunal de Justiça.

(14) Confira-se o artigo "Deus e o Diabo" na forma de seleção de juízes. Disponível em . Acesso em 9/11/2013.