terça-feira, 29 de setembro de 2015

Prescrição tributária: recente decisão do STJ

A 2ª turma do STJ, em decisão unânime, deu parcial provimento a recurso do Banco J.P. Morgan para reconhecer a prescrição da pretensão executiva fiscal, nos termos do art. 174 do CTN. No caso, o recorrente foi formalmente excluído do parcelamento em 1º/4/04 e o despacho que determinou a citação do executado foi proferido em 5/8/09. O acórdão recorrido, do TRF da 3ª região, havia consignado que não teria ocorrido a prescrição da pretensão executiva fiscal do Estado, "pois entre a constituição definitiva do crédito tributário e o despacho que ordenou a citação do devedor, houve ato de reconhecimento inequívoco do débito pelo devedor - o pagamento de parcelas do parcelamento, mesmo após sua exclusão do programa - fato que gerou a interrupção do prazo prescricional". Ao julgar o REsp, o ministro Mauro Campbell assentou que a partir do momento que o contribuinte é excluído formalmente do programa de parcelamento pelo Fisco, por não cumprir os requisitos legais, "está configurada a lesão ao direito do ente tributante, surgindo, nesse momento, a pretensão de cobrança dos valores devidos". "A exclusão do programa configura o marco inicial para a exigibilidade plena e imediata da totalidade do crédito que foi objeto do parcelamento e ainda não pago, conforme se extrai do disposto no artigo 5º, § 1º da Lei 9.964/2000. Razão pela qual deveria o Fisco ter tomado todas as medidas necessárias para a cobrança do crédito, não estando presente qualquer fato obstativo à cobrança do valor devido. Em que pese no caso o contribuinte tenha continuado a realizar mensalmente o pagamento das parcelas de forma voluntária e extemporâneo, mesmo após a exclusão formal do programa, tal fato não tem o condão de estender a interrupção do prazo prescricional e nem configurar ato de reconhecimento do débito (confissão de dívida), já que o crédito já era novamente exigível. Trata-se, na verdade, de pagamento espontâneo parcial, sendo que o mesmo não influencia para fins de contagem do prazo prescricional." (REsp 1.493.115)
Fonte: Site Migalhas

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Judicatura e dever de recato, por Ricardo Lewandowski

É antigo nos meios forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos. A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram –e continuam sendo– vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados.
A verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito é tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige.
O recato, a moderação e mesmo a modéstia são virtudes que a sociedade espera dessa categoria especial de servidores públicos aos quais atribuiu o grave múnus de decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio e a reputação das pessoas, conferindo-lhes as prerrogativas constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos para que possam exercê-lo com total independência.
O Código de Ética da Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro.
A incontinência verbal pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal, apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
A Lei Complementar nº 35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério".
O prejulgamento de uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil, caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes.
Por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular. E, embora não sejam meros aplicadores mecânicos da lei, dada a ampla discricionariedade que possuem para interpretá-la, não lhes é dado inovar no ordenamento jurídico.
Tampouco é permitido que proponham alterações legislativas, sugiram medidas administrativas ou alvitrem mudanças nos costumes, salvo se o fizerem em sede estritamente acadêmica ou como integrantes de comissões técnicas.
Em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico. Essa vedação encontra-se no artigo 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição.
Com isso, não só se impede sua filiação a partidos como também que expressem publicamente as respectivas preferências políticas. Tal interdição mostra-se ainda mais acertada porque os magistrados desempenham, ao par de suas relevantes atribuições, a delicada tarefa de arbitrar disputas eleitorais.
O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções.
Por isso, posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia.
RICARDO LEWANDOWSKI, 67, professor titular da Faculdade de Direito da USP, é presidente do STF - Supremo Tribunal Federal e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Câmara aprova obrigação de vender meia-entrada pela internet

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou as emendas do Senado ao Projeto de Lei 2125/07, do deputado Felipe Bornier (PSD-RJ), que obriga o fornecedor de produto ou serviço cultural a ofertar a meia-entrada sempre que utilizar a internet para realizar a venda de ingressos.
A proposta foi aprovada pela Câmara em 2009, mas voltou no ano passado para que as alterações votadas pelos senadores sejam analisadas pela Casa. Como foi aprovada por todas as comissões, e tramitava em caráter conclusivo, a proposta deve seguir para sanção da presidente da República.
Pela proposta, a comprovação do direito do beneficiário à meia-entrada se dará quando houver a entrega do ingresso na entrada do evento cultural (cinema, teatro, shows e outros). Se não puder comprovar o direito, o consumidor perderá todo o valor pago.
Para os organizadores do evento, o desrespeito à lei implicará sanções administrativas previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), como multa e suspensão temporária da empresa organizadora.
Os senadores propuseram que os organizadores sejam obrigados a informar, antes de finalizada a venda de ingressos, quais os documentos que serão aceitos como comprovante para garantir o direito à meia-entrada. A mesma informação deve ser fixada em local visível na entrada do evento. Caso isso não ocorra, o consumidor terá direito à devolução imediata do valor pago, sem prejuízo de indenização por perdas e danos.
O relator da proposta, deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), considerou a ideia importante e recomendou sua aprovação.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Reportagem - Marcello Larcher
Edição - Patricia Roedel

Fonte: A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura 'Agência Câmara Notícias'

Cooperação no novo CPC (primeira parte): os deveres do juiz

1. Introdução
Um dos traços marcantes do novo CPC é a ênfase nos princípios e garantias fundamentais do processo. Reafirmam-se e especificam-se vetores constitucionais. É nesse contexto que se insere a consagração do dever de cooperação.
2. Origens
A origem da formulação teórica do dever de cooperação remonta ao direito civil. Trata-se do reconhecimento da existência, nas relações obrigacionais, de deveres acessórios de conduta, impondo a cooperação entre as partes (deveres de informação, esclarecimento, prevenção, auxílio...). Como se vê a seguir, sua aplicação ao processo civil não deriva de um influxo do direito civil sobre o direito processual, mas, antes, da incidência dos mesmos valores fundamentais em ambas as searas.
Mesmo no processo civil a ideia de cooperação não é nova. É afirmada há décadas – ainda que com terminologias variáveis – por doutrina, jurisprudência e legislação de países como Alemanha (berço da formulação), Itália, França... No Brasil, textos de Barbosa Moreira publicados há quase quarenta já tratavam do tema. Na primeira metade da década de 1990, o princípio já estava amplamente desenvolvido na doutrina brasileira.
Portanto, e a rigor, já vigora no ordenamento atual.
3. Noção
Mas em que consiste? Trata-se de reconhecer que – em que pesem as posições antagônicas, contrapostas, das partes; em que pese a distinção entre a posição do juiz (autoridade estatal) e das partes (jurisdicionados, sujeitos àquela autoridade) – todos os sujeitos do processo estão inseridos dentro de uma mesma relação jurídica (ou de um complexo de relações) e devem colaborar entre si para que essa relação, que é dinâmica, desenvolva-se razoavelmente até a meta para o qual ela é preordenada (a resposta jurisdicional final).
4. Fundamentos
Os fundamentos constitucionais dessa imposição são a boa-fé (moralidade), o contraditório e a razoabilidade (inerente ao devido processo legal).
Há quem critique a incidência do dever de cooperação no processo civil. Impor-se às partes o dever de cooperar implicaria ignorar o litígio, a conflituosidade, a verdadeira guerra entre as partes. Dir-se-ia que “o processo não é um jardim florido em que as partes passeiam de mãos dadas”.
Mas o princípio na cooperação não é uma descrição de como é o processo e sim uma prescrição de como ele deve ser.
Trata-se de compatibilizar a ideia do processo como embate (salutar, na essência, mas cuja distorção conduz à ideia do “processo como jogo”) com as exigências constitucionais de boa-fé e razoabilidade.
5. A norma geral no CPC/15
O novo CPC explicita o princípio (além de formular diversas regras que são clara expressão dele): “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
A norma impõe o dever de cooperação entre todos os sujeitos do processo: não só do juiz perante as partes; não só das partes entre si.
Neste primeiro breve texto, examinam-se os deveres que o princípio da cooperação impõe ao juiz. Mas desde já se ressalva: as partes também se submetem a deveres de cooperação – o que será objeto de um segundo texto.
6. O juiz e o dever de cooperação
No que tange ao juiz, a cooperação desdobra-se em quatro âmbitos: esclarecimento, diálogo (consulta), prevenção e auxílio (adequação).
6.1. Dever de esclarecimento
Cumpre ao juiz esclarecer-se quanto às manifestações das partes: questioná-las quanto a obscuridades em suas petições; pedir que esclareçam ou especifiquem requerimentos feitos em termos mais genéricos e assim por diante.
Um exemplo de tal dever no CPC/73 tem-se no despacho de especificação de provas. A despeito da exigência de que as provas sejam requeridas já na inicial e na contestação e da inexistência de previsão legal desse despacho, assentou-se o reconhecimento do dever do juiz, antes de sanear o processo, dar às partes tal oportunidade de esclarecimento.
No novo CPC, um dos vários exemplos é extraível do art. 357, § 3º (“Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”).
O dever de esclarecimento apresenta ainda uma segunda dimensão, nem sempre considerada sob essa perspectiva: o juiz deve não só buscar a clareza das partes, mas ser, ele mesmo, claro. É nesse contexto, de cooperação, que se compreende melhor o extremo detalhamento que o CPC/15 estabelece para o dever de fundamentação das decisões do juiz (art. 489, §§ 1º e 2º).
6.2. Dever de diálogo (ou de consulta)
Impõe-se ainda reconhecer o contraditório não apenas como garantia de embate entre as partes, mas também como dever de debate do juiz com as partes. O CPC francês de 1975 vale-se de feliz fórmula para expressar essa exigência: o juiz deve “ele mesmo” observar o contraditório.
Não se admite que o juiz surpreenda as partes com decisões tomadas de oficio. O dever de cooperação não tolhe o poder judicial de instrução e cognição ex officio. Enquadram-se nesse âmbito o conhecimento da falta de pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional e das nulidades processuais absolutas, os enquadramentos jurídicos diversos dos aventados pelas partes [jura novit curiam], as objeções materiais etc. Inserem-se também aqui a inversão do ônus da prova e a produção de provas de ofício. Em todos esses casos, em vez de decidir diretamente, o juiz deve antes dar a oportunidade para as partes se manifestarem. Nos termos do art.  do CPC/15: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. E o art. 10 é ainda mais explícito quanto ao dever de diálogo: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
Estaria o juiz afetando sua imparcialidade, por estar adiantando aquilo que pretende decidir em seguida? Não, pelo contrário: ao permitir o debate, está reforçando sua imparcialidade. Mesmo porque, depois de ouvir as partes, pode vir a mudar sua inicial impressão.
A segunda crítica que se costuma a fazer ao dever de diálogo é também impertinente: ele não inviabiliza o curso do processo em prazo razoável. Primeiro, porque em muitos casos ganha-se tempo (evitando-se recursos, mediante decisões mais acertadas). Depois, mesmo que se perca tempo em outros tantos casos, é o preço que se paga por um processo com um contraditório substancialmente mais qualificado.
6.3. Dever de prevenção
O juiz deve ainda advertir as partes sobre os riscos e deficiências das manifestações e estratégias por elas adotadas, conclamando-as a corrigir os defeitos sempre que possível. Tome-se como exemplo o art. 321 do novo CPC: “O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.”
6.4. Dever de auxílio (adequação)
Além disso, o juiz deve ajudar as partes, eliminando obstáculos que lhes dificultem ou impeçam o exercício das faculdades processuais.
Esse é o dever mais discutível, no plano da cooperação. O auxílio legítimo já não estaria consubstanciado nos demais deveres, antes mencionados? O auxílio direto não deveria ser propiciado por outros sujeitos processuais (ministério público, defensor público...)?
Mas existe um campo específico de incidência do dever de auxílio, que nada tem a ver com assistência material a necessitados. Trata-se de uma intervenção técnica destinada a eliminar óbices ao exercício das garantias processuais (que podem pôr-se até contra litigantes de boa situação econômica). Ou seja, a questão não é tanto de auxílio subjetivo, mas de adequação objetiva do processo às peculiaridades concretas do conflito.
Pense-se na distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, § 1º: “Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”)
Considere-se ainda o poder de flexibilização procedimental, para a inversão da ordem das provas (art. 139, VI), ou ainda a ampliação de prazos, quando houver dificuldade para o cumprimento do prazo posto na lei por exemplo (art. 139, VI, e art. 437, § 2º).
Fonte: Migalhas
Por: Eduardo Talamini

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O novo CPC e os dispositivos-zumbis

Quando um novo código é aprovado, é natural que o legislador priorize alguns assuntos em detrimento de outros, que lhe pareceram secundários ou mesmo desnecessários. Assim, por exemplo, poucos irão lamentar que o novo CPC não discipline mais a figura da posse em nome do nascituro (sério, alguém já viu um caso desses no Poder Judiciário?). Em vez disso, o novo CPC centrou sua atenção, a título de ilustração, em temas de evidente importância, como o fortalecimento dos precedentes, sobretudo aqueles produzidos pelos tribunais superiores, e a estruturação – ou aprimoramento – das técnicas de julgamento por amostragem, como o incidente de resolução de demandas repetitivas e os recursos repetitivos.
Nem sempre, todavia, essa avaliação do legislador corresponde à realidade, ocasião em que acaba por abrir mão de disciplinar assuntos ainda relevantes. É nesses vazios normativos que, diante da omissão da nova legislação, surge a tentação de aplicar a regra antiga – revogada – como forma de solucionar os problemas que surgem.
Quando isso ocorre, é como se a regra revogada “ressuscitasse”, de forma velada. No mundo das normas, ela está morta, tendo dado espaço à nova legislação. No mundo real, todavia, ela continua viva e efetiva. É o que eu tenho chamado de “dispositivos-zumbis”, ou seja, regras do CPC de 1973 que, na prática, continuarão a ser aplicadas mesmo após o novo CPC.
Não que os dispositivos-zumbis nunca tivessem existido antes do novo CPC. Há alguns, ainda entre nós, que remontam ao século XIX.
Vou dar três exemplos no âmbito processual.
1) Réplica: amigo leitor, você já parou para pensar de onde veio a “réplica”? Procure por esse nome no CPC de 1973 e não achará nenhuma referência a ele. É verdade que os arts. 326 e 327 do CPC de 1973 estabelecem que, se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor ou, ainda, se alegar matéria preliminar em sua contestação, o autor deverá ser ouvido no prazo de dez dias. Mas “réplica”, como uma petição de resposta a qualquer contestação, independentemente de seu conteúdo, não há.
Vou te dizer onde você o encontra. Está lá no art. 101 do Regulamento 737/1850, revogado já há mais de um século.[1] Desde então, esse zumbi-réplica anda vagando pelas petições e cartórios da vida, aparecendo algumas vezes até mesmo em obras doutrinárias. E continuará a existir, pois o novo CPC estabeleceu idêntica disciplina para o assunto, apenas ampliando o prazo de dez para quinze dias (úteis). Esse é um exemplo criado mais pelo costume do que propriamente pela omissão do legislador.
2) Ação de imissão na posse:  você já ouviu falar da ação de imissão na posse? Vou explicar do que se trata: consiste, de forma simplificada, em medida judicial destinada a assegurar a obtenção da posse a quem ainda não a tem. Não é, portanto, uma ação possessória, voltada à sua reintegração ou manutenção (pois posse ainda não houve), mas de cunho petitório. Como não há previsão da ação de imissão na posse no CPC de 1973 entre os procedimentos especiais, ela deve ser processada pelo procedimento comum.
De onde surgiu então esse nome? Está lá no CPC de 1939, mais precisamente nos arts. 381 a 383. Aqui, temos um zumbi criado pela omissão do legislador de 1973 em disciplinar assunto que permanecia relevante. Deu no que deu: uma breve pesquisa jurisprudencial no STJ mostra que a denominação, não por acaso, continua sendo utilizada frequentemente.
3) Liquidação zero: no CPC de 1939, havia um dispositivo que previa que, se as provas na liquidação de sentença não fossem suficientes para determinar o valor da condenação, o liquidante seria condenado nas custas, procedendo-se a nova liquidação (art. 915), ou seja, uma espécie de extinção da liquidação sem resolução de mérito. No CPC de 1973, o legislador não quis manter tal dispositivo, de maneira que, diante desse eloquente silêncio, não havendo provas suficientes para a demonstração do valor a ser liquidado, outra solução não restaria ao juiz, senão julgar a liquidação como de valor zero, não sendo possível ao interessado instaurar novo pedido de liquidação no futuro.
Mesmo assim, a omissão do legislador em disciplinar expressamente a liquidação com valor zero permitiu a criação jurisprudencial de mais um zumbi, mediante aplicação analógica de regra revogada (!) ao tempo do CPC de 1973 para restabelecer a extinção sem resolução do mérito como solução. [2] Entende-se que tal decisão do STJ está equivocada – afinal, a não reprodução de regra revogada aqui traduz evidência de que se quis modificar o regime – mas o fato é que aqui surgiu mais um zumbi para assombrar o processo civil.
*  *  *
No novo CPC, certamente surgirão mais alguns dispositivos-zumbis (e outros do CPC de 1939 ou mesmo da legislação que o antecedeu continuarão a vagar por aí, de sorte que o estudo de algumas matérias do CPC de 1973 permanecerá relevante, ainda que essas não tenham sido reproduzidas expressamente no novo código.
Para além dos dispositivos do CPC de 1973 mantidos pelo próprio legislador,[3] dou pelo menos um exemplo de zumbi que será criado pelo novo CPC: o novo Código estabelece que a tutela de urgência cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea (art. 301).
A pretexto de simplificar a matéria, o novo Código abriu mão de disciplinar de forma mais detalhada a procedimentalização dessas medidas cautelares. Quando o juiz dará um arresto? E o sequestro, quando será determinado? Qual o espaço reservado ao arrolamento de bens? Na falta de qualquer parâmetro normativo no novo CPC, é bastante provável que jurisprudência e doutrina mantenham as construções interpretativas que já vinham utilizando, com base em dispositivos do CPC de 1973 que, no entanto, serão revogados.
Assim é que, embora formalmente mortos, dispositivos do CPC de 1973 como os arts. 813 (hipóteses de arresto), 822 (sequestro) e 855 (arrolamento de bens) continuarão a vagar como zumbis, influenciando veladamente a produção doutrinária e as decisões judiciais na vigência do novo CPC. Mais do que isso: é possível que algumas outras regras, como aquelas relativas aos requisitos ao arresto (art. 814 do CPC de 1973, tal como a prova literal da dívida líquida e certa), ao depositário dos bens sequestrados (art. 824 do CPC de 1973) ou à formalização do arrolamento de bens (art. 859 e 860 do CPC de 1973) continuem a ser aplicadas. Algo parecido, em certo sentido, ao que se verifica hoje com a ação de imissão na posse.
Outros zumbis certamente surgirão. Alguns, de forma inesperada.
Exemplo disso é o que vem ocorrendo com o julgamento liminar de improcedência (art. 285-A, CPC de 1973; art. 332, novo CPC). O novo CPC promoveu significativa reforma no instituto da sentença liminar de improcedência. No CPC de 1973, tal possibilidade era bastante restrita, limitada às causas repetitivas de massa. Nos termos de seu art. 285-A, somente se admitia tal sentença liminar quando (i) a matéria controvertida fosse unicamente de direito (ou, melhor dizendo, não fosse necessária a produção de outras provas) e (ii) já houvesse sido proferida no mesmo juízo sentença de total improcedência, caso em que o seu teor seria reproduzido para fins de decisão nos processos subsequentes.
O novo CPC transformou a sentença liminar de improcedência em instrumento para assegurar que demandas contrárias a precedentes jurisprudenciais fossem rapidamente rechaçadas, a não ser que o autor demonstre ser a hipótese de distinção (distinguishing) ou superação do precedente (overruling). Assim é que ela caberá, no novo CPC, se a causa dispensar fase instrutória e se o pedido (i) contrariar enunciado de súmula do STF ou STJ; ou (ii) precedente em recurso especial ou extraordinário repetitivo; ou (iii) precedente decorrente de julgamento em incidente de assunção de competência ou incidente de resolução de demandas repetitivas; ou (iv) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
O que é mais importante para se destacar aqui é que a hipótese prevista no art. 285-A do CPC de 1973 não foi repetida no novo CPC, evidência de que não mais se admitirá a sentença liminar de improcedência pela circunstância de já ter sido proferida no juízo, em processo anterior sobre a mesma matéria, sentença de total improcedência.
Era o que se imaginava…
Entretanto, recentemente chegou ao meu conhecimento que o seguinte enunciado sobre o novo CPC foi aprovado em discussões no âmbito da Justiça Federal de Pernambuco:
“Enunciado 17 – O artigo 332 do Novo Código de Processo Civil (Improcedência Liminar do Pedido) não obsta o julgamento de improcedência em outras hipóteses, quando no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos (hipótese do artigo 285-A, CPC/73)”.
Nesse caso, não dá para culpar o legislador. O enunciado chega a fazer referência a dispositivo que será revogado com o novo CPC. Um dos zumbis mais explícitos de que se tem notícia, não sendo exigível que o CPC de 2015 dissesse o óbvio, ou seja, que não caberia mais sentença liminar de improcedência nos casos do revogado art. 285-A do CPC de 1973.
*   *   *
Que outros zumbis surgirão após a entrada em vigor do novo CPC? É cedo ainda para respostas definitivas, mas a tentação de se interpretar os novos textos legislativos sob as lentes do CPC de 1973 é fator que não deve ser desprezado. Se você acha que tudo o que se construiu sob o código anterior se tornou irrelevante, muito cuidado: além de muitos dispositivos do novo CPC reproduzirem regras do CPC de 1973 ou se limitarem a promover ajustes pontuais, mesmo nos casos de efetiva alteração não se sabe quando um zumbi poderá surgir.
Enquanto não se sabe bem o roteiro desse Walking Dead processual, é prudente manter em perspectiva os estudos e construções forjados à luz do CPC de 1973. Este material, junto com a doutrina que já começou a surgir sobre o novo código, será essencial para a compreensão do que está por vir no direito processual civil brasileiro.
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[1]  Art. 101 do Regulamento 737/1850: “Offerecida a contestação, terão vista por dez dias cada um, o autor para replicar, e o réo para treplicar”.
[2] Confira-se: “Impossibilitada a demonstração do dano sem culpa de parte a parte, deve-se, por analogia, aplicar a norma do art. 915 do CPC/39, extinguindo-se a liquidação sem resolução de mérito quanto ao dano cuja extensão não foi comprovada, facultando-se à parte interessada o reinício dessa fase processual, caso reúna, no futuro, as provas cuja inexistência se constatou” (STJ, REsp 1280949/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/09/2012, DJe 03/10/2012).
[3] Mesmo após a entrada em vigor do novo CPC, a execução contra devedor insolvente continuará a ser regulada pelo CPC de 1973, até que sobrevenha legislação específica (art. 1.052), assim como as regras do CPC de 1973 relativas às hipóteses de procedimento sumário continuarão a ser consideradas para definir a competência dos Juizados Especiais Cíveis (art. 1.063). Esses verdadeiros zumbis legislativos, conscientemente criados – razão pela qual não se enquadram propriamente no conceito de dispositivo-zumbi definido no texto –, também não são algo inédito. O CPC de 1973, em seu art. 1.218, manteve em vigor partes do CPC de 1939, criando alguns zumbis legislativos que permanecem até hoje, como é exemplo o procedimento de dissolução e liquidação de sociedades, que não é exaurido nem mesmo pelo novo CPC (!), como destacado em outro texto nesta coluna: ROQUE, Andre Vasconcelos. Ele, o novo CPC, visto pelas empresas – parte II, em http://jota.info/ele-o-novo-cpc-visto-pelas-empresas-parte-ii (v. item 5, “Esqueceram de mim: ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 599 a 609)”). 

* Andre Vasconcelos Roque é Doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto em Direito Processual Civil da FND-UFRJ. Membro do IIDP, IBDP, CBAr, IAB e CEAPRO. Advogado.
Fonte: Blog JOTA, in >http://jota.info/o-novo-cpc-e-os-dispositivos-zumbis

PRAZOS NO NOVO CPC: CUIDADO COM AS ARMADILHAS!

Tem sido recorrente a afirmação de que um dos grandes pontos positivos no novo CPC (Lei nº 13.105/2015), pelo menos para os advogados, diz respeito à disciplina dos prazos processuais, especialmente quanto à sua contagem, restrita aos dias úteis (art. 219), e à sua suspensão entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 220).
Sustenta-se, com razão, que tais dispositivos visam a proporcionar períodos de descanso para o advogado, mesmo aquele que trabalha de forma solitária e que, portanto, não tem com quem contar para que possa tirar férias ou mesmo se afastar do trabalho nos fins de semana e feriados, devido à contagem contínua dos prazos prevista no CPC/1973.
Não se questiona que tais inovações são positivas. Entretanto, os profissionais do direito devem estar atentos às armadilhas que serão criadas com o advento do novo CPC, para que não sejam surpreendidos com uma inesperada intempestividade ou, pior ainda, com a decretação de revelia.
Vamos enumerá-las.
1) O que é um prazo “processual”? O art. 219 do novo CPC estabelece que “na contagem de prazo em dias, estabelecidos em lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis”. O parágrafo único prevê ainda que tal forma de contagem “aplica-se somente aos prazos processuais”. Os demais prazos, especialmente aqueles de natureza material (por exemplo, o prazo para reclamação de vícios redibitórios), permanecem computados de forma contínua, mesmo nos fins de semana e feriados.
O problema é que nem sempre é fácil qualificar um prazo como processual. O conceito de prazo processual é intuitivo: período de tempo estabelecido para a prática de um ato processual. Mas o que é um ato “processual”? Chegamos a questão bastante complexa, que diz respeito aos atos processuais, em relação à qual ainda não se construiu uma teoria satisfatória, seja por sua unidade teleológica, seja pela interdependência entre atos processuais, seja porque podem ser praticados tanto por sujeitos privados quanto públicos, atraindo regimes jurídicos distintos (sobre o ponto, v. GRECO, Leonardo.Instituições de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. 1, p. 234-235).
Alguns exemplos são, inequivocamente, de prazos processuais, a serem computados apenas nos dias úteis com o novo CPC. Prazos para contestar, para recorrer, para, de maneira geral, se manifestar sobre os documentos, provas e demais elementos trazidos aos autos, para designação de audiência e citação do réu com antecedência mínima (art. 334) e para a prática de atos pelo juiz ou pelos serventuários (arts. 226 e 228) são tipicamente de direito processual.
De outro lado, há prazos que não podem ser compreendidos como processuais, por se relacionarem a circunstâncias logicamente anteriores à instauração do processo. O prazo de 120 dias para a impetração de mandado de segurança (art. 23, Lei nº 12.016/2009), por exemplo, não deve ser entendido como processual (v., nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 690) e, assim, se computa de forma contínua, inclusive nos fins de semana e feriados. Não por acaso, mesmo no CPC/1973, diversos precedentes destacavam não se aplicar a suspensão dos prazos processuais no recesso forense ao prazo para o mandado de segurança.
Há quem diga, inclusive, tratar-se de verdadeiro prazo pré-processual. Preferível, no entanto, qualificá-lo como prazo decadencial de um direito potestativo específico, qual seja, a escolha do procedimento mandamental pelo autor, ao qual se submete o réu. Ultrapassado tal prazo, perde-se acesso ao mandado de segurança, restando preservada a tutela do direito material pelas vias ordinárias, como, aliás, prevê o art. 19 da Lei nº 12.016/2009, segundo o qual a sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.
Outros exemplos já não são tão evidentes. Nesse sentido, o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523 do novo CPC – quinze dias contados da intimação para pagamento, realizada na forma do art. 513, § 2º – é de natureza processual ou material? Certamente haverá margem para discussão, mas considerando que esse ato (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir efeitos no processo, inibindo a deflagração das próximas etapas do cumprimento de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do executado, parece que o prazo deve ser qualificado como processual, computando-se apenas nos dias úteis.
Polêmica também será a qualificação do prazo previsto no art. 257, III do novo CPC, que se refere ao prazo de espera ou de dilação na citação por edital, após o qual se inicia o prazo processual propriamente dito (art. 231, IV). Embora deflagrado no processo, por decisão do juiz, há aqui uma sutileza: o prazo não se destina à prática de nenhum ato (ou mesmo omissão), sendo apenas o período de tempo que se considerou prudente aguardar para que a publicidade proporcionada na citação por edital tenha maiores chances de chegar ao conhecimento de seu destinatário. Nessa direção, já tivemos a oportunidade de sustentar que tal prazo deve ser computado mesmo nos fins de semana e nos feriados, não se qualificando como processual (v., a esse respeito, GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 775).
Toda essa discussão também se aplica à suspensão prevista no art. 220 do novo CPC, que mais uma vez a limita aos prazos qualificados como processuais.
2) Matemática surpreendente: a detida análise do art. 219 do novo CPC, que trata da contagem dos prazos processuais, revela uma circunstância peculiar, a qual necessita ser destacada. É que, nos termos do seu caput, a contagem limitada aos dias úteis somente se aplica aos prazos computados em dias.
O que isso quer dizer? Vamos imaginar, por exemplo, que um juiz resolva – valendo-se da possibilidade de dilação de prazos processuais prevista no art. 139, VI – ampliar o período temporal para que as partes se manifestem sobre um complexo laudo pericial. Se o juizFIXAR o prazo em 60 (sessenta) dias, ele deverá ser computado apenas nos dias úteis, pois o art. 219 se aplica aos prazos determinados pelo magistrado. Entretanto, se esse mesmo juiz fixa o prazo em dois meses, surpresa: a existência de fins de semana ou feriados neste período de tempo é irrelevante, pois o dispositivo em análise somente se aplica, repita-se, aos prazos contados em dias.
No novo CPC, portanto, nem sempre 30 (trinta) dias corresponderão a um mês. A forma de contagem do prazo processual, aqui, assume contornos muito significativos.
3) Cuidado com as regras especiais: a intimação eletrônica tem sido uma realidade cada vez mais frequente, devido à ampla utilização do processo eletrônico pelos tribunais. Já é de conhecimento de muitos o prazo para a intimação tácita, quando ela ocorre mediante informação disponibilizada em portal próprio para este fim, nos termos do art. 5º, § 3º da Lei nº 11.419/2006. Em que pese as críticas a esse sistema (v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 640-642), o novo CPC manteve tal disciplina.
Esse prazo de dez dias para intimação tácita deve ser computado de forma contínua ou apenas nos dias úteis? Sua natureza, com efeito, é processual. Ao contrário do período de dilação do edital, tal prazo é concedido para a prática de ato processual específico, qual seja, a abertura da intimação disponibilizada no portal do tribunal. A redação do dispositivo é inequívoca nesse sentido, ao asseverar que “a consulta referida nos §§ 1º e 2º deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação”. Somente se o interessado não abre essa intimação dentro do prazo de dez dias é que ocorre a chamada intimação tácita.
Entretanto, há aqui outra armadilha: a regra em tela dispõe que esse prazo será de dez dias corridos. Note-se que esse dispositivo foi preservado pelo novo CPC e o art. 219, que trata da contagem de todos os prazos processuais, não pode servir de fundamento para a sua revogação tácita, na medida em que, como se sabe, regra geral não é suscetível de retirar do mundo jurídico a regra especial. Por essa razão, sustentamos que o prazo para intimação tácita, mesmo no novo CPC, deve continuar a ser computado de forma contínua, mesmo nos fins de semana e feriados (v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de.Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 690).
4) Direito intertemporal:  a sucessão de normas processuais no tempo é assunto, por si só, intrincado e repleto de cascas de banana. Mas há um caso específico, concernente a prazos processuais, que deve ser destacado por trazer consequências potencialmente catastróficas, a depender do entendimento que se formar na jurisprudência.
No CPC/1973, há diversas hipóteses de suspensão do prazo processual, algumas delas muito comuns, como a convenção das partes e a exceção de incompetência relativa, sendo certo que este último caso não mais se encontra no novo CPC, pois tal matéria passará a ser veiculada como simples preliminar de contestação (art. 337, II).
A suspensão de prazo processual é uma perigosa armadilha para o advogado, sobretudo nos casos de exceção de incompetência, que pode vir a ser decidida muito tempo depois, quando já em vigor o novo CPC. Suponha-se, por exemplo, que citado o réu em 2014, este resolve apresentar, no quinto dia do seu prazo, ainda sob a vigência do CPC/1973, exceção de incompetência relativa, deixando de apresentar contestação, em virtude da suspensão de seu prazo para a resposta. A exceção de incompetência relativa é rejeitada em 2016, já sob a vigência do novo CPC, voltando a fluir o prazo para a contestação do dia em que foi suspenso (no caso em tela, do quinto dia, quando tinha sido apresentada a exceção). Mas é preciso tomar cuidado, pois, a rigor, esse é ainda aquele mesmo prazo aberto sob o CPC/1973.
O que isso significa na prática? Quer dizer que, tratando-se de prazo aberto na vigência do CPC/1973, deve continuar a ser por esse disciplinado. Ou seja, a contagem desse prazo a partir do quinto dia deve continuar a ser computada de forma corrida, incluindo feriados e fins de semana. Não faria sentido que o mesmo prazo fosse contado de forma corrida até o quinto dia e, dali para frente, cessada a suspensão, fosse computado apenas nos dias úteis, estabelecendo-se um inusitado regime híbrido.
Isso é muito perigoso para o advogado, que provavelmente, com a entrada em vigor do novo CPC, ficará acostumado a contar todos os seus prazos processuais apenas nos dias úteis, esquecendo-se de que este prazo específico, embora processual, teve origem no código anterior, devendo ser computado de forma contínua.
Mais uma vez, tal conclusão é polêmica e, não por acaso, enunciado nesse sentido foi objetado no último Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em Vitória. No entanto, o advogado deve estar alerta que esse entendimento pode prevalecer no seu caso concreto, o que acarretaria drásticas consequências.
5) Há exceções para a regra da suspensão de prazos? O art. 220 do novo CPC dispõe simplesmente que os prazos processuais se suspendem entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, sem vincular tal hipótese a férias ou, ainda, ao recesso forense, que continua disciplinado pela Lei nº 5.010/1966 (Justiça Federal) ou, ainda, pelas leis de organização judiciária (Justiça Estadual).
Tal constatação é importante, para que não se venha a sustentar que as hipóteses do art. 215 (processos que continuam a tramitar nas férias forenses) constituem exceção à suspensão prevista no art. 220. Da mesma forma, regras especiais como o art. 58, I da Lei nº 8.245/1991 e o art. 39 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (processos submetidos à Lei de Locações e ações de desapropriação tramitam durante as férias forenses) também não prejudicam a suspensão de prazos estabelecida no novo CPC.
Entretanto, é prudente para o advogado não contar com tal suspensão de prazos para essas situações excepcionais enquanto não se forma jurisprudência confirmando tal entendimento. É que, sob o CPC/1973, há precedentes afastando a suspensão de prazos processuais durante o recesso forense e considerando intempestiva a manifestação da parte que não se atentou para a regra especial (v., por exemplo, STJ, REsp 766.154, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julg. 20.9.2007).
Ainda que, como indicado, o art. 220 do novo CPC não vincule a suspensão de prazos processuais ao recesso forense, não se pode desprezar o risco de que esses precedentes construídos sob o CPC/1973 continuem a ser acriticamente reproduzidos, em mais um exemplo de “zumbi” processual (v., sobre esse curioso fenômeno, ROQUE, Andre Vasconcelos. O novo CPC e os dispositivos-zumbis. Jota, 3.8.2015, disponível emhttp://jota.info/o-novo-cpc-e-os-dispositivos-zumbis).
 6) Fora da justiça comum, o que ocorrerá? Outra dúvida importante, a exigir cautela dos profissionais do direito, diz respeito à situação dos ramos especializados do Poder Judiciário (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral), do processo penal e, mesmo na justiça comum, dos Juizados Especiais.
Seria a forma de contagem dos prazos processuais do novo CPC (art. 219), assim como a suspensão de prazos prevista no art. 220, compatível, por exemplo, com a celeridade exigida no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/1995) e a efetividade da Justiça do Trabalho?
Em que pese algumas críticas a tais preceitos, a duração razoável do processo não resta vulnerada pela contagem diferenciada dos prazos processuais, nem pela suspensão estabelecida entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, mas sim, entre outras razões, pelas etapas mortas do processo, em que não há atividade processual por fatores estruturais da administração da Justiça. Segundo pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça, Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília: Ideal, 2007, p. 23, apurou-se que nada menos que 80% a 95% do tempo total de tramitação dos processos se deve ao cumprimento de rotinas internas do cartório.
Não há razão, portanto, para que tais dispositivos do novo CPC também não sejam aplicados aos Juizados Especiais e à Justiça do Trabalho. Mas ainda é cedo para saber se tal entendimento prevalecerá, o que demanda especial cuidado dos profissionais que atuarem nessas esferas do Poder Judiciário.
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Como se demonstrou, não são poucas as armadilhas em matéria de prazos que o novo CPC reserva para os profissionais do direito.
Por isso mesmo, independente da conclusão a que se chegue nos casos mais polêmicos, a regra de ouro para o advogado, principalmente nessa fase de transição para o novo CPC, em que ainda não há jurisprudência sobre o tema, é contar o seu prazo da forma mais conservadora possível, sempre que houver dúvida a respeito.
 Fonte: Andre Vasconcelos Roque é Doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto em Direito Processual Civil da FND-UFRJ. Membro do IIDP, IBDP, CBAr, IAB e CEAPRO. Advogado.