segunda-feira, 28 de março de 2016

Da ação de prestação de contas de alimentos. Breve análise a partir da lei 13.058/14 e do novo CPC

A viabilidade jurídica da ação de prestação de contas de alimentos é tema que sempre foi muito debatido nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Como bem demonstra Rolf Madaleno, "tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido não ser exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão alimentícia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não havendo como o alimentante pretender a eventual restituição de alimentos desviados ou mal empregados".1

De fato, podem ser encontrados vários julgados entendendo por sua impossibilidade, por ilegitimidade ativa do alimentante e pela falta de interesse processual, entre outros argumentos (ver: TJ/SP, Apelação 0003673-49.2010.8.26.0099, Acórdão 8.044.325, Bragança Paulista, 9ª câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Bucci, julgado em 25/11/14, DJESP 20/01/15; TJ/DF, Recurso 2013.01.1.033648-0, Acórdão 766.021, 4ª turma Cível, Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis, DJDFTE 12/03/14, p. 280; TJ/MG, Apelação cível 1.0518.13.016606-0/001, Rel. Des. Washington Ferreira, julgado em 19/08/14, DJEMG 22/08/14; TJ/MG, Apelação cível 1.0643.11.000295-0/001, Relª Desª Áurea Brasil, julgado em 10/07/14, DJEMG 22/07/14; TJ/PR, Apelação cível 1204895-0, Palmas, 12ª câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Luciano Carrasco Falavinha Souza, DJPR 12/09/14, pág. 330). Na mesma linha, conforme se retira de decisium do STJ, "segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela genitora" (STJ, AgRg. no REsp. 1.378.928/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª turma, julgado em 13/08/2013, DJe 06/09/13). Além dessa argumentação, a ação de prestação de contas das verbas em estudo vinha sendo rejeitada com base na premissa da irrepetibilidade dos alimentos.

Esse era o entendimento majoritário, que foi substancialmente alterado pela lei 13.058, de dezembro de 2014; dispositivo que trouxe modificações substanciais em matéria de guarda. Uma dessas alterações diz respeito à introdução do § 5º no art. 1.583 do CC, com a seguinte dicção: "a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos". A menção à supervisão e à prestação de contas, sem dúvidas, pode estar relacionada aos alimentos.

Esclareça-se, por oportuno, que a fixação da guarda compartilhada (ou alternada) não gera, por si só, a extinção da obrigação alimentar em relação aos filhos, devendo a fixação dos alimentos sempre ser analisada de acordo com o binômio ou trinômio alimentar. Em complemento, quanto à prestação das contas alimentares, passa ela a ser plenamente possível, afastando-se os argumentos processuais anteriores em contrário, especialmente a ilegitimidade ativa e a ausência de interesse processual. Igualmente, não deve mais prosperar a premissa da irrepetibilidade como corolário da inviabilidade dessa prestação de contas.

De toda sorte, acreditamos que a exigência da prestação deve ser analisada mais objetiva do que subjetivamente, deixando-se de lado pequenas diferenças de valores e excessos de detalhes na exigência da prestação, o que poderia torná-la inviável ou até aumentar o conflito entre as partes. Essa também é a percepção de João Ricardo Brandão Aguirre, em palestra recentemente ministrada em evento do IBDFAM.2

Interessante observar que o texto legal faz referência tanto à prestação de contas objetiva quanto à subjetiva, devendo a primeira prevalecer. Para esta proposta que se faz, entram em cena o princípio da boa-fé objetiva processual e o dever de cooperação imposto às partes da demanda, regramentos que passam a ter um tratamento mais aprofundado no novo CPC, em especial pelos seus arts. 5º e 6º.3 Consigne-se que a boa-fé objetiva já é o norte interpretativo para a conversão da mora em inadimplemento absoluto, a preencher o critério da utilidade da obrigação ao credor, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC.4 Conforme o Enunciado 162, aprovado na III Jornada de Direito Civil (2004), "a inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor". Pensamos que esses parâmetros também devem valer para a ação de prestação de contas.

A esse propósito, para a prestação de contas dos alimentos, igualmente servem como guia as precisas palavras de Rolf Madaleno, para quem "sabido quão fértil se presta o Direito de Família para a prática do abuso do direito, vedado pela legislação civil (CC, art. 187), inclusive no instituto dos alimentos, quando os filhos são prejudicados pelos desvios ou pela má gestão do seu crédito alimentar, e se existe a intenção de prejudicar, pelo exercício abusivo do genitor administrador da pensão dos filhos, atenta este ascendente contra os interesses superiores das crianças e dos adolescentes, ao encontrar no desvio dos recursos da prole um meio propício às suas vantagens pessoais, e a prestação de contas exigida pelo alimentante não destituído do poder familiar é a grande reserva a favor dos interesses superiores do alimentante. Mas também pode existir abuso por parte do devedor de alimentos ao encontrar na prestação de contas uma maneira de incomodar o ex-cônjuge com reiteradas admoestações processuais, por suspeitas inconsistentes de malversação dos alimentos, devendo ser bem dosada a rendição das contas, cuja solução também pode passar por uma demanda alternativa de inspeção judicial, realizada por assistentes sociais em visita à residência do alimentando, e sua escola, escutando outros familiares, amigos e vizinhos, até onde for possível e discreto, para apurar e avaliar a realidade e dimensão da pretensão processual de rendição de contas, correndo os custos desta diligência pela parte devedora".5

Como nota derradeira, é preciso fazer uma última atualização do tema frente ao Novo CPC. Isso porque os arts. 914 a 919 do CPC/73 tratavam do rito especial da ação de prestação de contas, tanto em relação àquele que teria o direito de exigi-las quanto para o obrigado a prestá-las. No Estatuto Processual emergente, o rito especial foi mantido somente no que concerne a quem tem o direito de exigi-las, nos termos dos seus arts. 550 a 553 (ação de exigir contas). Parece-nos que, para aqueles que são obrigados à sua prestação, a ação deve seguir o procedimento comum, e não mais o especial.

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1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2010, p. 897.
2 Conforme exposição realizada no Seminário “Os Novos Paradigmas do Direito de Família”, promovido em João Pessoa, pelo Ministério Público do Estado da Paraíba e pelo IBDFAM, entre os dias 28 e 30 de maio de 2015, na sede da Procuradoria-Geral local.
3 Novo CPC. “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
4 CC/2002. “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.
5 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2010, p. 899-900.

Autor: Flávio Tartuce é doutor em Direito Civil pela USP. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP - Faculdade Especializada em Direito. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito Privado da lato sensu da EPD - Escola Paulista de Direito, sendo coordenador dos últimos. Professor da Rede LFG. Diretor nacional e estadual do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.

Fonte: Site Migalhas,  28 de março de 2016.

terça-feira, 22 de março de 2016

STJ conclui julgamento de recurso repetitivo sobre revisão de contrato bancário

Após duas horas de intenso debate, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou a análise do recurso interposto pela União Brasileira de Bancos S/A (Unibanco) contra uma consumidora gaúcha no qual se discutiram temas relativos a contratos bancários. O recurso especial em julgamento foi levado à Seção seguindo a Lei n. 11.672 /2008, a Lei dos Recursos Repetitivos , que entrou em vigor em agosto deste ano.
O julgamento teve início no dia 8 deste mês e havia sido interrompido por pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. Nesta primeira parte do julgamento, a Segunda Seção decidiu que somente seriam apreciados sob a ótica da nova Lei os temas que, no caso concreto, pudessem ser conhecidos pelo Tribunal.
Antes de o ministro Luís Felipe Salomão manifestar seu posicionamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, inovou seu voto quando à questão do cabimento da comissão de permanência. Ela entendeu que seria possível conhecer do recurso quanto a este ponto, uma vez que o dissídio jurisprudencial era notório, mas negou provimento ao recurso do banco. No entanto, a maioria da Seção considerou que este ponto não deveria ser conhecido, pois não houve apontamento de norma legal violada, nem a comparação com julgados de outros tribunais.
No caso em questão, a consumidora adquiriu uma motocicleta e financiou parte do valor em 36 parcelas de R$ 249. Ao perceber que não conseguiria arcar com as prestações, a consumidora entrou com uma ação revisional do contrato de financiamento. A ação chegou ao STJ por iniciativa do banco, inconformado com alguns pontos decididos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Confira o que foi decidido, ponto a ponto:
Juros remuneratórios - ficou mantida a jurisprudência atual do STJ, no sentido da não limitação dos juros remuneratórios, a não ser em casos específicos, em que comprovada a abusividade, o que deve ficar a juízo das instâncias ordinárias, que avaliam caso a caso. No caso concreto, a Seção deu provimento ao recurso especial do banco, uma vez que os juros cobrados estavam abaixo da taxa média de mercado.
Descaracterização da mora do devedor e possibilidade de inscrição em cadastros de inadimplentes - Os ministros acompanharam o voto da relatora, que segue o entendimento já pacificado da Segunda Seção. Caso tenham sido exigidos encargos abusivos na contratação (os chamados encargos do período da normalidade), a mora está descaracterizada. Por outro lado, o simples ajuizamento de ação revisional ou a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos, não afastam a caracterização da mora.
Quanto aos cadastros de inadimplentes, a inscrição do nome do devedor só está vedada se, cumulativamente: a) houver interposição de ação revisional; b) as alegações do devedor se fundarem na aparência do bom direito e na jurisprudência do STJ ou do STF; c) for depositada a parcela incontroversa do débito.
Reconhecimento de ofício sem que tenha havido o pedido para o Tribunal - a ministra Nancy Andrighi reconheceu a atuação "de ofício" dos tribunais locais em casos que, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as cláusulas do contrato bancário forem consideradas abusivas. Foi acompanhada neste ponto pelo ministro Luís Felipe Salomão. Os demais ministros também divergiram da relatora neste ponto. Sustentaram que, em ações envolvendo contratos bancários, não podem juízes e tribunais conhecer a abusividade de cláusulas sem que haja pedido expresso do consumidor.
Capitalização de juros (juros sobre juros) - a Seção acompanhou o entendimento da relatora neste ponto e não conheceu do recurso, uma vez que a capitalização dos juros não estava pactuada no contrato.
Os temas relativos à capitalização dos juros e à comissão de permanência não puderam ser abordados sob a ótica da Lei dos Recursos Repetitivos , uma vez que a Seção decidiu que somente seriam apreciados os pontos que, no caso concreto, superassem o juízo de admissibilidade. Assim, outros processos que contenham tais temas deverão ser discutidos em oportunidade futura.
NOTAS DA REDAÇÃO
Uma prova de que o novo instituto - recurso especial repetitivo - está cumprindo o seu papel: maior celeridade ao Poder Judiciário.
No dia 23 de agosto noticiamos a decisão do STJ de aplicar ao caso - revisão de contratos bancários - a Lei nº. 11.672 , suspendendo os demais feitos com teses idênticas, até a prolação de sua decisão final, objeto desse nosso comentário.
De acordo com o entendimento firmado pelo Tribunal da Cidadania, quando da aplicação da norma em comento, em agosto, como o objeto da causa se relaciona com posições já pacificadas pela Corte, tornar-se-ia possível a incidência da nova legislação.
Vários pontos de indiscutível importância foram analisados pelo STJ, dentre os quais, a legalidade da cobrança da comissão de permanência, a não limitação dos juros bancários ao teto de 12% aa., a possibilidade ou não da capitalização de juros, e, por fim, a descaracterização da mora.
Comecemos pela comissão de permanência.
De plano, uma indagação se impõe: o que seria comissão de permanência? Trata-se de instituto bastante costumeiro no Direito Bancário, cuja finalidade precípua é remunerar o período de inadimplência contratual.
Esse mecanismo foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela Resolução de nº. 1.129 /86, do BACEN (Banco Central). De acordo com os estudiosos do tema, a comissão de permanência nada mais é que um instrumento de correção do saldo devido, cobrado do mútuo, após o vencimento da obrigação, quando caracterizada a inadimplência do devedor.
Nessa linha, a norma supracitada facultou aos bancos e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança da comissão de permanência, de forma que, quando pactuada, pode ser exigida até o pagamento da dívida.
Nesses termos, o artifo I da Resolução 1.129 /86 determina que:
"O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do artigo da Lei nº. 4.595 /64, de 31/12/64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada nesta data, tendo em vista o disposto no artigo , inc. VI e XI , da referida Lei: I - Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedade de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor," comissão de permanência ", que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento.
Da leitura desse enunciado é possível que surjam algumas dúvidas. Seria cabível a cumulação de comissão de permanência, correção monetária e juros remuneratórios?
A Resolução fala da possibilidade de incidência da comissão de permanência ao lado dos juros de mora. Sobre o tema, contamos com duas súmulas do STJ
SÚMULA 30 A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.
SÚMULA 296 Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
O Tribunal da Cidadania, nas súmulas em análise veda, expressamente, a cumulação da comissão de permanência com a correção monetária, e, com os juros remuneratórios, fazendo parecer que tal proibição não alcança os juros de mora.
Vale lembrar que juros de mora (moratórios) e juros remuneratórios não se confundem. Esses, visam a remunerar diretamente o capital, compensando o seu titular pelo tempo em que o devedor dele faz uso. Por tal motivo, são denominados de juros compensatórios. Em contrapartida, os juros de mora são decorrência do não cumprimento da obrigação legal ou contratual, de forma punir o devedor pelo seu inadimplemento.
Ainda que pese a Resolução do BACEN autorizar a cumulação da comissão de permenência aos juros de mora, e, a súmula 296 do STJ falar apenas em juros remuneratórios, entendemos que uma confusão deve ser desfeita. A nosso ver, a coexistência dos institutos - comissão de permanência e juros de mora - é impossível. Trata-se de entendimento firmado pelo Ministro Carlos Alberto Direito, para quem a cobrança da comissão de permanência somente é cabívek desde que não cumulada aos juros moratórios, haja vista que ambos buscam o mesmo objetivo: recompensar o credor pela inadimplência do devedor, hipótese em que restaria configurado" bis in idem ".
Partindo dessa premissa, entende-se que uma vez caracterizada a mora do devedor, estando pactuada a incidência da comissão de permanência, impõe-se o afastamento da correção monetária e dos juros, sejam eles remuneratórios (compensatórios), ou, de mora.
É o que determina o STJ, em reiteradas decisões:
É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo BACEN, limitada à taxa do contrato, não podendo ser cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios e moratórios, nem com a multa contratual. (AgRg no Ag 877081 / RS) .
Apenas para concluir o raciocínio, a incidência da comissão de permanência impõe a presença de alguns requisitos: a) estar pactuada, b) não cumulação com a correção monetária, juros de mora e juros remuneratórios.
Uma vez vencidas as considerações sobre a comissão de permanência, cumpre-nos analisar a (im) possibilidade de limitação dos juros cobrados pelos bancos e instituições financeiras. Um dos argumentos apontados por aqueles que defendem a aplicação do teto de 12% aa. é a sujeição dessas instituições ao CDC (Código de Defesa do Consumidor).
No entanto, a jurisprudência pátria é pacífica: embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano aos contratos bancários (EDcl no Ag 737802) .
Nesse sentido, entende-se que os juros bancários pactuados à taxa superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, salvo se comprovado que discrepantes em relação à
Taxa de mercado.
É o que determina a súmula 596 do STF:"as disposições do Decreto 22626 /1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional ".
O decreto a que se refere o enunciado é conhecido como Lei de Usura que define como sendo ilegal a cobrança de juros acima de 12% ao ano ou a cobrança exorbitante que ponha em perigo o patrimônio pessoal, a estabilidade econômica e sobrevivência pessoal do tomador de empréstimo. Conforme visto, a legislação não alcança as instituições financeiras.
Uma observação se impõe nesse momento: a taxa de juros bancários não se subordina ao limite de 12 % aa., mas, tem como parâmetro o limite a taxa média de mercado.
Na sequência, a possibilidade de capitalização de juros.
Na análise do recurso em comento, o STJ firmou-se pela impossibilidade da capitalização de juros, por um único motivo: por não estar pactuada no contrato firmado entre as partes.
De acordo com o entendimento adotado pela Corte"a capitalização mensal dos juros é possível quando pactuada nos contratos celebrados a partir de 31.3.2000, data de publicação da MP 1.963 -17, reeditada sob o n. 2.170 -36/01 (AgRg no REsp 1052336 / MS)
Capitalização dos juros nada mais é que a configuração dos chamados juros compostos, ou seja,"juros sobre juros", que se revelam como aqueles calculados sobre o montante do capital principal (valor devido), acrescido dos juros vencidos e não pagos.
O STF, na súmula 121 determina que "é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada ".
Vale lembrar que essa súmula data de 1963. A posição consagrada pelo STJ tem como fundamento a MP 2170 -36/2001.
Assim, desde que pactuada, é cabível a capitalização dos juros remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da primitiva edição da atual MP nº. 2170 -36/2001 (AgRg no REsp 899490 / DF) . Esse entendimento foi ratificado no recurso objeto do nosso estudo.
Por derradeiro, a hipótese de descaracterização da mora.
Vejamos:
Trata-se de entendimento pacificado da Segunda Seção: a cobrança de encargos indevidos importa na descaracterização da mora, na medida em que dificulta o pagamento, causando a impontualidade (EREsp 163.884/RS) . Assim, desde que comprovada a abusividade das cláusulas contratuais, impõe-se a descaracterização da mora, em benefício do devedor.
Numa situação como essa, uma vez desmaterializada a mora, há de se reconhecer o afastamento da cobrança da comissão de permanência (quando pactuada), ou, incidência de correção monetária e juros.
Sem dúvida, uma matéria bastante complexa, tanto, que levou o STJ a aplicar-lhe a Lei 11.672 - recurso especial repetitivo-, de forma a pacificar o tratamento a ela conferido.
Fonte: Publicado por Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (extraído pelo JusBrasil), STJ.