Luiz Guilherme Marinoni
Advogado em Curitiba e em Brasília; Pós-Doutor pela Università degli Studi di Milano; Professor Titular de Direito Processual Civil da UFPR; Visiting Scholar na Columbia University.
Advogado em Curitiba e em Brasília; Pós-Doutor pela Università degli Studi di Milano; Professor Titular de Direito Processual Civil da UFPR; Visiting Scholar na Columbia University.
(Artigo publicado na edição nº 45 da Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil e disponível com exclusividade aos assinantes da newsletter Lex Magister.)
RESUMO: A autoridade dos precedentes dos Tribunais Superiores, e a sua consequente importância para a coerência da ordem jurídica e para a estabilidade do direito, exige que se dê especial atenção à revogação da jurisprudência consolidada destes Tribunais para evitar que o jurisdicionado seja surpreendido por uma "surpresa injusta" ou tenha violada a "confiança justificada" que depositou nas decisões do Poder Judiciário. Este texto, diante do art. art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil, se propõe a analisar a técnica dos efeitos prospectivos das decisões que revogam precedentes, demonstrando a sua imprescindibilidade para a tutela da segurança jurídica.
RESUMO: A autoridade dos precedentes dos Tribunais Superiores, e a sua consequente importância para a coerência da ordem jurídica e para a estabilidade do direito, exige que se dê especial atenção à revogação da jurisprudência consolidada destes Tribunais para evitar que o jurisdicionado seja surpreendido por uma "surpresa injusta" ou tenha violada a "confiança justificada" que depositou nas decisões do Poder Judiciário. Este texto, diante do art. art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil, se propõe a analisar a técnica dos efeitos prospectivos das decisões que revogam precedentes, demonstrando a sua imprescindibilidade para a tutela da segurança jurídica.
PALAVRAS-CHAVE: Precedente. Overruling. Segurança Jurídica. Confiança Justificada. Efeitos Prospectivos. Art. 882, V, do Projeto de Código de Processo Civil.
1 Introdução 1
A autoridade dos precedentes dos tribunais superiores
é fundamental para a coerência da ordem jurídica, assim como para a
tutela da previsibilidade e da confiança nos atos do Poder Judiciário.
Tal autoridade, no entanto, não depende apenas do respeito dos órgãos
judiciais inferiores. O próprio tribunal responsável pela elaboração do
precedente deve observá-lo, sem o que, em verdade, os precedentes não
passariam de anúncios passageiros do semblante do Direito.
Quando os precedentes ou a jurisprudência consolidada
são levados a sério, a sua estabilidade requer especial cuidado. Isto
porque, como chega a ser intuitivo, a revogação de jurisprudência
consolidada pode causar surpresa injusta a todos aqueles que nela
pautaram suas condutas. Daí porque é imprescindível, na lógica jurídica
estribada na autoridade e na obrigatoriedade dos precedentes, atentar
para os efeitos da decisão revogadora de precedente ou de jurisprudência
consolidada.
Nesta dimensão a eficácia das sentenças exige estudo
renovado, desconhecido da tradição do nosso direito processual, na qual
não existia lugar para pensar em modulação dos efeitos temporais para
preservar a segurança jurídica. O art. 882, V, do Projeto de Código de
Processo Civil, afirma que, "na hipótese de alteração da jurisprudência
dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de
julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da
alteração no interesse social e no da segurança jurídica". A norma, que
reflete a intenção do projeto em outorgar força obrigatória aos
precedentes dos Tribunais Superiores, estimula a reflexão que segue,
voltada a elaborar uma teoria da eficácia temporal das decisões
revogadoras de precedentes obrigatórios.
2 A Questão nos Estados Unidos
A revogação de um precedente (overruling) tem, em regra, efeitos retroativos nos Estados Unidos e no common law.
Como a revogação do precedente significa a admissão de que a tese nele
enunciada – vigente até o momento da decisão revogadora – estava
equivocada ou se tornou incompatível com os novos valores ou com o
próprio direito, aceita-se naturalmente a ideia de que a decisão deve
retroagir para apanhar as situações que lhe são anteriores, tenham dado
origem, ou não, a litígios – cujos processos devem estar em curso.
As decisões do common law são normalmente
retroativas, no sentido de que a nova regra, estabelecida para o caso
sob julgamento, é aplicável às situações que ocorreram antes da decisão
que as fixou, bem como a todas aquelas que lhes são similares e, assim,
estão expostas à mesma ratio decidendi.
Porém, a prática judicial americana tem evidenciado,
em tempos recentes, hipóteses em que é necessário não permitir a
retroatividade da nova regra, firmada na decisão que revogou o
precedente. 2
Nestas situações, as Cortes mostram-se particularmente preocupadas em
tutelar o princípio da segurança – especialmente na sua feição de
garante da previsibilidade – e a confiança depositada pelos
jurisdicionados nos atos do Poder Público. 3
Eisenberg enfatiza que "the major justification for prospective overruling is the protection of justifiable reliance". 4
Há aí, antes de tudo, plena consciência de que a retroatividade de uma
decisão que substitui precedente que, por certo período de tempo, pautou
e orientou a conduta dos jurisdicionados é tão injusta quanto a
perpetuação do precedente judicialmente declarado injusto. Mas, para que
a não retroatividade se justifique, exige-se que a credibilidade do
precedente não tenha sido abalada, de modo a não tornar previsível a sua
revogação. Caso a doutrina e os tribunais já tenham advertido para o
equívoco do precedente ou apontado para a sua conveniente ou provável
revogação, não há confiança justificável ou confiança capaz de fazer
acreditar que os jurisdicionados tenham, legitimamente, traçado os seus
comportamentos e atividades de acordo com o precedente. De modo que,
para que o overruling não tenha efeitos retroativos, as situações
e relações antes estabelecidas devem ter se fundado em uma confiança
qualificada, que pode ser dita uma "confiança justificada" 5.
Há casos em que o precedente pode deixar de
corresponder aos valores que o inspiraram ou se tornar inconsistente e,
ainda assim, não se mostrar razoável que a sua revogação atinja
situações passadas, em virtude de a confiança justificável, então
caracterizada, sobrepor-se à ideia de fazer a revogação valer para trás.
Não obstante, embora com a irretroatividade dos efeitos do overruling ou com o overruling
com efeitos prospectivos se garanta o princípio da segurança e se
proteja a confiança nos atos do Poder Público, daí também podem advir
custos ou prejuízos. O prospective overruling pode gerar resultados ou decisões inconsistentes, especialmente quando se está diante do overruling cujos efeitos apenas podem ser produzidos a partir de certa data ou do overruling cujos efeitos retroativos incidem apenas sobre determinado caso. 6
Note-se que, na primeira hipótese, como o overruling
tem efeitos somente a partir de certa data, as situações e relações que
se formam depois da decisão são tratadas de modo diverso, conforme
tenham se estabelecido antes ou depois da data prevista na decisão,
ainda que esta tenha declarado a ilegitimidade do precedente. De outro
lado, a admissão da retroatividade em relação a apenas um caso ou
somente ao caso sob julgamento faz com que todos os outros casos
passados sejam tratados à luz do precedente, embora se declare que este
não mais tem autoridade. Tais situações permitem o surgimento de
resultados inconsistentes.
Esta última situação é exemplificada através do caso Molitor v. Kaneland Community.
Trata-se de caso em que a Corte de Illinois revogou o precedente da
"imunidade municipal", responsabilizando o município pelos danos
sofridos por Thomas Molitor em acidente de ônibus escolar. Nesta
hipótese, decidiu-se que a nova regra não seria aplicada a casos
anteriores, exceto o de Thomas – o caso sob julgamento. Contudo, mais
tarde a Corte percebeu que teria de aplicar a nova regra a outras sete
crianças – três delas irmãos de Thomas –, que também estavam no ônibus
que se acidentara, em virtude de ter reconhecido que todas as crianças
que viajavam no ônibus deveriam ser tratadas de igual forma. 7
Por sua vez, a primeira hipótese, acima referida, é exemplificada mediante Spaniel v. Mounds View School District nº 621,
em que a Corte de Minnesota revogou o precedente que conferia imunidade
às unidades municipais, como cidades e distritos estudantis,
recusando-se a aplicar a nova regra ao caso sob julgamento e declarando
que os seus efeitos deveriam ficar contidos até o final da próxima
legislatura de Minnesota. 8
Quando se posterga a produção de efeitos da nova regra, fala-se em prospective prospective overruling. Ademais, como esclarece Eisenberg, alude-se a pure prospective overruling
para demonstrar o que ocorre quando a Corte não aceita que a nova regra
regule o próprio caso sob julgamento, restando a terminologia prospective overruling para anunciar a mera irretroatividade da nova regra às situações anteriores à data da decisão. 9
Há outras situações intermediárias. Assim, em Li v. Yellow Cab Co., a Suprema Corte da Califórnia revogou o precedente da contributory negligence pela regra da comparative negligence,
deixando claro que a nova regra não seria aplicável aos casos com
julgamento em curso. Em Whitinsville Plaza, relacionou-se a técnica do overruling prospectivo com a técnica da sinalização. Ou seja, decidiu-se que a nova regra teria efeitos retroativos até a data da decisão em que ocorrera a sinalização 10. Se
mediante a técnica da sinalização, conquanto se deixe de revogar o
precedente, adverte-se para a sua provável e próxima revogação, pouco
diferença existiria em substituir tal técnica pela revogação imediata do
precedente com efeitos prospectivos a partir de certa data futura.
Portanto, quando se revoga o precedente, e sinalização anterior foi
feita, é coerente admitir a retroatividade da nova regra até a data da
decisão sinalizadora ou até data em que se supõe que o sinal foi
absorvido na comunidade jurídica.
Há um caso, sublinhado por Eisenberg, em que o prospective overruling
possui grande importância para a consistência de resultados. Trata-se
da hipótese em que a Corte possui motivos para acreditar que o overruling
será revertido pelo Legislativo, que dará melhor regulação à situação.
Nesta hipótese, além de não se desejar interferência sobre o passado,
não se quer que a decisão atinja as situações intermediárias entre o overruling
e a regra legislativa, preferindo-se que a revogação tenha seus efeitos
contidos até a data em que se presuma que o Legislativo terá criado a
regra. Ao se declarar que a revogação vai produzir efeitos após a
possível criação legislativa, os efeitos do overruling somente serão produzidos caso o Legislativo não atue. Foi o que aconteceu em Massachussetts, Whitney v. City of Worcester, em que a Corte, utilizando a técnica da sinalização como substituto funcional do prospective overruling,
afirmou a sua intenção de ab-rogar o precedente da imunidade municipal
no primeiro caso por ela decidido após a conclusão daquela que seria a
próxima sessão do Legislativo, caso este não houvesse atuado de modo a
revogar o precedente. 11
Neste caso, é certo, não houve propriamente overruling
com efeitos prospectivos, mas manutenção do precedente mediante a
técnica da sinalização, anunciando-se a intenção de se proceder à
revogação em caso de não atuação do Legislativo. Note-se, porém, que
existe maior efetividade em revogar desde logo o precedente, contendo-se
os seus efeitos, pois nesta hipótese não haverá sequer como temer que o
precedente continue a produzir efeitos, diante de uma eventual inação
da Corte em imediatamente decidir como prometera ao fazer a sinalização.
De outra parte, o prospective overruling pode ainda trazer outros problemas, especialmente em suas feições de pure prospective overruling e de prospective prospective overruling. 12
Se a nova regra não vale ao caso sob julgamento, a energia despendida
pela parte não lhe traz qualquer vantagem concreta, ou melhor, não lhe
outorga o benefício almejado por todo litigante que busca a tutela
jurisdicional. Isso quer dizer que o uso do prospective overruling pode desestimular a propositura de ações judiciais contra determinados precedentes. 13
Ademais, o uso indiscriminado do pure prospective overruling e do prospective prospective overruling
elimina a necessidade de os advogados analisarem como os precedentes
estão sendo vistos pela doutrina e de que forma os tribunais vêm
tratando de pontos correlatos com aqueles definidos na ratio decidendi
do precedente. Quando se atribui efeito prospectivo à nova regra,
impedindo-se a sua incidência em relação ao caso sob julgamento, resta
eliminada qualquer possibilidade de a parte ser surpreendida pela
decisão judicial, ainda que o precedente já tenha sido desautorizado
pela doutrina e por decisões que, embora obviamente não tenham
enfrentado de forma direta a questão resolvida no precedente, afirmaram
soluções com ele inconsistentes. Deste modo, a investigação e análise do
advogado não seria sequer necessária, já que ao jurisdicionado bastaria
a mera existência do precedente, pouco importando o grau da sua
autoridade ou força e, portanto, a possibilidade ou a probabilidade da
sua revogação. Assim, o uso inadequado do prospective overruling,
de um lado torna desnecessária a análise de se a tutela da segurança
jurídica e da confiança fundamentam a não retroatividade dos efeitos do overruling,
e, de outro constitui obstáculo ao desenvolvimento do direito
jurisprudencial. Na verdade, desta forma o direito deixaria de ser visto
como algo em permanente construção, negando-se o fundamento que deve
estar à base de uma teoria dos precedentes.
Deixe-se claro que a doutrina de common law
entende que a revogação, em regra, deve ter efeitos retroativos. Apenas
excepcionalmente, em especial quando há confiança justificada no
precedente, admite-se dar efeitos prospectivos ao overruling. E
isso sem se enfatizar que as Cortes não devem supor razão para a tutela
da confiança sem consideração meticulosa, analisando se a questão
enfrentada é uma daquelas em que os jurisdicionados costumam se pautar
nos precedentes, assim como se os tribunais já sinalizaram para a
revogação do precedente ou se a doutrina já demonstrou a sua
fragilidade. 14
3 Diferentes Razões para Tutelar a Segurança Jurídica: Decisão de Inconstitucionalidade e Revogação de Precedente Constitucional
O art. 27 da Lei nº 9.868/99 explicita que o STF, ao
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, tem poder para
limitar os seus efeitos retroativos ou dar-lhe efeitos prospectivos.
Diz o art. 27 que, "ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado".
O tema da eficácia temporal da decisão de
inconstitucionalidade pronunciada na ação direta será melhor aprofundado
adiante, quando se tratar desta ação. Mas é importante, neste momento,
anunciar esta possibilidade, aludindo-se a ação direta de
inconstitucionalidade em que o STF houve por bem atribuir efeitos
prospectivos à sua decisão. Isto para demonstrar que, embora os efeitos
retroativos também possam ser limitados no controle difuso, as suas
razões não se confundem com as que determinam a limitação da
retroatividade ou os efeitos prospectivos no controle concentrado.
Na ADI 2.240 15,
em que se questionou a inconstitucionalidade da lei estadual que criou o
Município de Luís Eduardo Magalhães, o Supremo não tinha qualquer
dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei, mas temia que, ao
pronunciá-la, pudesse irremediavelmente atingir todas as situações que
se formaram após a edição da lei. Receava-se que a declaração de
inconstitucionalidade não pudesse permitir a preservação das situações
estabelecidas antes da decisão de inconstitucionalidade. Partindo-se da
teoria da nulidade do ato inconstitucional, a preservação do que
aconteceu após a edição da lei inconstitucional teria de ter
sustentáculo em algo capaz de se contrapor ao princípio de que a lei
inconstitucional, por ser nula, não produz quaisquer efeitos.
É curioso que o relator, inicialmente, embora
reconhecendo a inconstitucionalidade, julgou a ação improcedente. E isso
para preservar as situações consolidadas, em nome do princípio da
segurança jurídica. 16
Após o voto do relator, pediu vistas o Ministro Gilmar Mendes. Em seu
voto argumentou que não seria razoável deixar de julgar procedente a
ação direta de inconstitucionalidade para não se atingir o passado,
advertindo que a preservação das situações anteriores poderia se dar
ainda que a ação fosse julgada procedente. Consta do voto do Ministro
Gilmar: "Impressionou-me a conclusão a que chegou o Ministro Eros Grau –
votou pela improcedência da ação – após tecer percuciente análise sobre
a realidade fática fundada na lei impugnada e o peso que possui, no
caso, o princípio da segurança jurídica. De fato, há toda uma situação
consolidada que não pode ser ignorada pelo Tribunal. Com o surgimento,
no plano das normas, de uma nova entidade federativa, emergiu, no plano
dos fatos, uma gama de situações decorrentes da prática de atos próprios
do exercício da autonomia municipal. A realidade concreta que se
vincula à lei estadual impugnada já foi objeto de extensa descrição
analítica no voto proferido pelo Ministro relator, e não pretendo aqui
retomá-la. Creio que o Tribunal já se encontra plenamente inteirado das
graves repercussões de ordem política, econômica e social de uma
eventual decisão de inconstitucionalidade". 17
Após ter deixado claro que o Ministro relator esteve
preocupado em proteger as situações consolidadas, argumentou o Ministro
Gilmar que a solução do problema "não pode advir da simples decisão de
improcedência da ação. Seria como se o Tribunal, focando toda sua
atenção na necessidade de se assegurar realidades concretas que não
podem mais ser desfeitas e, portanto, reconhecendo plena aplicabilidade
ao princípio da segurança jurídica, deixasse de contemplar, na devida
medida, o princípio da nulidade da lei inconstitucional". 18
Depois disso, advertiu que, embora não se possa negar a relevância do
princípio da segurança jurídica no caso, é possível primar pela
otimização de ambos os princípios – ou seja, dos princípios da segurança
jurídica e da nulidade da lei inconstitucional –, "tentando aplicá-los,
na maior medida possível, segundo as possibilidades fáticas e jurídicas
que o caso concreto pode nos apresentar". 19
Mais tarde, sublinhou que "a falta de um instituto
que permita estabelecer limites aos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais, muitas vezes, a se
abster de emitir um juízo de censura, declarando a constitucionalidade
de leis manifestamente inconstitucionais". 20 E que o "perigo de uma tal atitude desmesurada de self restraint (ou greater restraint) pelas
Cortes Constitucionais ocorre justamente nos casos em que, como o
presente, a nulidade da lei inconstitucional pode causar uma verdadeira
catástrofe – para utilizar a expressão de Otto Bachof – do ponto de
vista político, econômico e social". 21 Diante
disso, consignou o Ministro Gilmar: "Não há dúvida, portanto – e todos
os Ministros que aqui se encontram parecem ter plena consciência disso
–, de que o Tribunal deve adotar uma fórmula que, reconhecendo a
inconstitucionalidade da lei impugnada – diante da vasta e consolidada
jurisprudência sobre o tema –, resguarde na maior medida possível os
efeitos por ela produzidos". 22
Nesta linha, o Ministro Gilmar Mendes, que acabou
sendo acompanhando pelos demais Ministros – inclusive pelo Ministro
relator, que retificou o seu voto –, com exceção do Ministro Marco
Aurélio – que, embora julgando procedente a ação de
inconstitucionalidade, pronunciava a nulidade da lei 23
–, votou no "sentido de, aplicando o art. 27 da Lei nº 9.868/99,
declarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade da lei
impugnada, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro)
meses, lapso temporal razoável dentro do qual poderá o legislador
estadual reapreciar o tema, tendo como base os parâmetros que deverão
ser fixados na lei complementar federal, conforme decisão desta Corte na
ADIn 3.682". 24
Note-se que se afirmou estar sendo declarada a
inconstitucionalidade, mas sem a pronúncia da nulidade da lei impugnada,
mantendo-se sua vigência pelo prazo de vinte e quatro meses. 25 O método utilizado, embora similar, não se confunde com a técnica do prospective prospective overruling, empregada no direito estadunidense. 26
A similaridade decorre do fato de se ter mantido a vigência da lei pelo
prazo de vinte e quatro meses, o que permite equiparar esta decisão
àquela cujos efeitos operam somente a partir de determinada data no
futuro. Não há dúvida que ambas as decisões protegem a segurança
jurídica. É isto, precisamente, que permite a aproximação das situações.
Porém, a técnica do prospective overruling
tem a ver com a revogação de precedentes e não com a declaração de
inconstitucionalidade. Quando nada indica provável revogação de um
precedente, e, assim, os jurisdicionados nele depositam confiança
justificada para pautar suas condutas, entende-se que, em nome da
proteção da confiança, é possível revogar o precedente com efeitos
puramente prospectivos (a partir do trânsito em julgado) ou mesmo com
efeitos prospectivos a partir de certa data ou evento. Isso ocorre para
que as situações que se formaram com base no precedente não sejam
atingidas pela nova regra. Contudo, na decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal na ação direta de inconstitucionalidade do município de
Luis Eduardo Magalhães, não há como pensar em proteção da confiança
fundada nos precedentes. Lembre-se que a Corte reconheceu que os seus
próprios precedentes eram no sentido da inconstitucionalidade e que,
exatamente por conta disto, não se concebia julgamento de improcedência
da ação.
Quando não se outorga efeito retroativo à decisão de
inconstitucionalidade, objetiva-se preservar as situações que se
consolidaram com base na lei inconstitucional. Nesta situação entra em
jogo a relação entre os princípios da nulidade da lei inconstitucional e
da segurança jurídica, mas certamente não importa a proteção da
confiança justificada nos precedentes judiciais. A segurança jurídica é
deduzida para proteger situações consolidadas que se fundaram na lei
declarada inconstitucional, mas não para justificar ações que se
pautaram em precedente revogado.
4 Efeitos Inter Partes e Vinculantes da Declaração de Inconstitucionalidade no Controle Incidental e da Revogação de Precedente Constitucional
A decisão proferida em RE, no que diz respeito à
questão constitucional envolvida, possui efeitos com qualidades
distintas. Além de atingir às partes em litígio, impedindo que voltem a
discutir a questão constitucional para tentar modificar a tutela
jurisdicional concedida, a decisão possui efeitos vinculantes, obrigando
todos os juízes e tribunais a respeitá-la. Consideram-se, nesta
dimensão, os fundamentos da decisão, ou, mais precisamente, os seus
motivos determinantes ou a sua ratio decidendi, e não o seu
dispositivo. Ou seja, os motivos determinantes – em relação à tutela
jurisdicional – se tornam indiscutíveis às partes e obrigatórios aos
demais órgãos judiciais.
Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da
norma, essa não produz efeitos no caso sob julgamento, mas não é
declarada nula. A norma se torna inaplicável nos demais casos porque os
juízes e tribunais ficam vinculados aos fundamentos da decisão que
determinaram a inconstitucionalidade.
A decisão que revoga precedente, negando os seus motivos determinantes ou a sua ratio decidendi,
é pensada em diferentes perspectivas, conforme a decisão revogadora
pronuncie a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade. No primeiro
caso, em princípio, a norma não é aplicada ao caso sob julgamento e, em
virtude da eficácia vinculante, não deverá ser aplicada nos casos que se
seguirem. Na hipótese de constitucionalidade, também em princípio, a
norma será aplicada no caso sob julgamento, e, em face da eficácia
vinculante, em todos os casos seguintes. No primeiro caso, a norma não é
declarada nula, mas os seus efeitos ficam paralisados. No segundo, como
a norma estava em estado de letargia, os seus efeitos são
ressuscitados.
Porém, o dilema que marca a revogação de precedente
está exatamente na alteração do sinal de vida dos efeitos da norma. Numa
hipótese a norma deixa de produzir efeitos e na outra passa a
produzi-los. Isto, entretanto, tem nítida interferência nas relações e
situações que se pautaram no precedente revogado, considerando a decisão
de inconstitucionalidade ou a decisão de constitucionalidade. A
situação que, considerando precedente constitucional, afronta a decisão
que o revogou, merece cuidado especial.
A ordem jurídica – composta pelas decisões judiciais,
especialmente as do STF – gera expectativa e merece confiança,
tuteláveis pelo princípio da segurança jurídica. Assim, é preciso
investigar se há confiança que pode ser dita justificada no precedente
revogado. Basicamente, é necessário verificar se o precedente tinha
suficiente força ou autoridade, à época da prática da conduta ou da
celebração do negócio, para fazer ao envolvido crer estar atuando em
conformidade com o Direito. Existindo confiança justificada, é legítimo
decidir, no controle difuso, de modo a preservar as situações que se
pautaram no precedente.
Perceba-se que aí não há limitação da retroatividade
dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, mas modulação da
eficácia vinculante da decisão, anunciando-se ser ela inaplicável diante
das situações que justificadamente se pautaram no precedente revogado.
Não se pode falar em limitação da retroatividade dos efeitos da decisão
de inconstitucionalidade, mas sim em modulação dos efeitos vinculantes,
não somente porque a decisão revogadora pode ser no sentido da
constitucionalidade, mas também porque não se está diante de decisão que
produz efeitos diretos erga omnes, mas de decisão que gera efeitos inter partes.
Em verdade, há apenas necessidade de definir em que limite temporal ou
situações concretas o precedente revogador terá eficácia vinculante. De
qualquer forma, é inegável que a modulação da eficácia vinculante em
relação às situações consolidadas acaba gerando uma limitação de
retroatividade do precedente.
5 Eficácia Prospectiva de Decisão Revogadora de Precedente Constitucional e de Decisão Proferida em Controle Incidental
Não há dúvida que as decisões proferidas em recurso
extraordinário produzem eficácia vinculante em relação aos seus motivos
determinantes, assim como as decisões prolatadas em controle principal.
Como é óbvio, para se admitir a eficácia vinculante no controle
incidental não é preciso argumentar que a eficácia vinculante é viável
no controle principal. Da mesma forma, a circunstância de ser possível
atribuir efeito prospectivo à decisão de procedência na ação direta de
inconstitucionalidade nada tem a ver com a viabilidade de se atribuir
efeitos prospectivos à decisão proferida em sede de recurso
extraordinário. A modulação dos efeitos das decisões proferidas em
recurso extraordinário não é consequência lógica da possibilidade de se
atribuir efeitos prospectivos às decisões proferidas em ação direta de
inconstitucionalidade.
Atribuir eficácia vinculante aos fundamentos
determinantes da decisão é o mesmo que conferir autoridade aos
fundamentos da decisão em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário.
Esses ficam vinculados ou obrigados em face dos fundamentos da decisão,
ou seja, diante da ratio decidendi do precedente. De modo que a
técnica da obrigatoriedade do respeito aos fundamentos determinantes é
utilizada para atribuir força ou autoridade aos precedentes judiciais, e
não, obviamente, para simplesmente reafirmar a teoria da nulidade do
ato inconstitucional.
Igualmente, a modulação dos efeitos das decisões
proferidas em recurso extraordinário não é tributária da possibilidade
de se modular os efeitos das decisões de inconstitucionalidade no
controle principal. O poder de modular os efeitos das decisões em sede
de controle incidental deriva exclusivamente do princípio da segurança
jurídica e da proteção da confiança justificada.
A declaração de inconstitucionalidade proferida em
recurso extraordinário, embora tenha eficácia vinculante, obrigando os
demais órgãos do Poder Judiciário, não elimina – sem a atuação do Senado
Federal – a norma do ordenamento jurídico, que resta, por assim dizer,
em estado latente. É certamente possível que a decisão que reconheceu a
inconstitucionalidade de determinada norma um dia seja contrariada,
pelas mesmas razões que autorizam a revogação de precedente
constitucional ou dão ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de
declarar inconstitucional norma que já afirmou constitucional. Trata-se
do mesmo "processo" em que, nos Estados Unidos, a Suprema Corte
"ressuscita" a lei que era vista como dead law, por já ter sido declarada inconstitucional.
Na verdade, em sede de controle incidental o STF
sempre tem a possibilidade de – a partir de critérios rígidos – negar os
fundamentos determinantes das suas decisões, sejam elas de
inconstitucionalidade ou de constitucionalidade. Porém, como a revogação
de um precedente institui nova regra, a ser observada pelos demais
órgãos judiciários, é pouco mais do que evidente a possibilidade de se
violentarem a segurança jurídica e a confiança depositada no próprio
STF. Quando não há indicações de que o precedente será revogado, e,
assim, há confiança justificada, não há razão para tomar de surpresa o
jurisdicionado, sendo o caso de atribuir efeitos prospectivos à decisão,
seja ela de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade.
Portanto, cabe analisar, em determinadas situações, a
eficácia a ser dada à decisão que revoga precedente constitucional, e,
assim, a necessidade de limitar a retroatividade para tutelar as
situações que se pautaram no precedente revogado. Embora a viabilidade
de outorgar efeitos prospectivos à decisão de inconstitucionalidade
esteja expressa no art. 27 da Lei nº 9.868/99, 27
é indiscutível que esta possibilidade advém do princípio da segurança
jurídica, o que significa que, ainda que se entendesse que tal norma se
aplica apenas ao controle principal, não haveria como negar a
possibilidade de modular os efeitos da decisão proferida em recurso
extraordinário. 28
O STF já teve oportunidade de tratar desta importante
questão em caso em que se analisou o tema. Isto ocorreu na Reclamação
2391, em que se analisou o tema do "direito de recorrer em liberdade" e a
constitucionalidade, em face do princípio da não culpabilidade, dos
arts. 9º da Lei nº 9.034/95 e 3º da Lei nº 9.613/98, que prescrevem,
respectivamente, que "o réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes
previstos nesta Lei" e que "os crimes disciplinados nesta Lei são
insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença
condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar
em liberdade". O Ministro Gilmar Mendes, acompanhando os votos
proferidos pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, declarou,
incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 9.034/95 e
emprestou ao art. 3º da Lei nº 9.613/98 interpretação conforme à
Constituição, no sentido de que o juiz, na hipótese de sentença
condenatória, fundamente a existência ou não dos requisitos para a
prisão cautelar. Logo após, porém, considerando que, com esta decisão,
estar-se-ia revisando jurisprudência firmada pelo STF, amplamente
divulgada e com inegáveis repercussões no plano material e processual,
admitiu a possibilidade da limitação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade em sede de controle difuso e, assim, atribuiu à
sua decisão efeitos ex nunc. 29
Ao se limitar os efeitos retroativos em nome da
confiança justificada não se está restringindo os efeitos diretos da
decisão sobre os casos que podem ser julgados ou que estão em
julgamento, mas se está deixando de atribuir eficácia vinculante à
decisão proferida para obrigar os órgãos judiciais diante dos casos que
podem vir a dar origem a processos judiciais ou que já estão sob
julgamento em processos em andamento.
Frise-se que a necessidade de modulação no caso de
revogação de precedente decorre da preocupação de não atingir as
situações que com base nele se formaram e não da imprescindibilidade de
proteger as situações que se consolidaram com base na lei
inconstitucional. Contudo, no Brasil a técnica dos efeitos prospectivos
foi pensada a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais.
Vale dizer, para tutelar a segurança jurídica, mas em virtude do
princípio da nulidade da lei inconstitucional. Daí não se ter percebido,
com maior nitidez, a imprescindibilidade da adoção desta técnica em
sede de controle incidental, em especial quando se altera a
jurisprudência consolidada.
Não se pensa em confiança justificada para se dar
efeitos prospectivos na hipótese de decisão de inconstitucionalidade. Só
há razão para investigar se a confiança é justificada em se tratando de
revogação de precedente. É apenas aí que importa verificar se havia, na
academia e nos tribunais, manifestações que evidenciavam o
enfraquecimento do precedente ou apontavam para a probabilidade da sua
revogação, a eliminar a confiança justificada. De modo que, nesta
situação, tutela-se o passado em nome da confiança que se depositou nas
decisões judiciais, enquanto, no caso de decisão de
inconstitucionalidade, tutelam-se excepcionalmente as situações que se
formaram na vigência da lei declarada inconstitucional. Em verdade, os
fundamentos para se dar efeitos prospectivos, em cada um dos casos, são
diferentes. Os fundamentos bastantes para se dar efeitos prospectivos na
hipótese de revogação de precedente estão longe das "razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social" que justificam
efeitos prospectivos em caso de decisão de inconstitucionalidade.
É certo que a limitação da retroatividade da
revogação de precedente constitucional se funda na confiança justificada
e, assim, não tem o mesmo fundamento dos efeitos prospectivos na ação
direta de inconstitucionalidade. Porém, mesmo em recurso extraordinário,
pode haver limitação da retroatividade ou atribuição de efeito
prospectivo ainda que não se esteja diante de decisão revogadora de
precedente. Há casos em que o STF pode declarar a inconstitucionalidade
da norma e limitar a retroatividade da decisão, decidindo com efeitos ex nunc,
ou mesmo excluir o próprio caso sob julgamento dos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade, à semelhança do que se faz no
direito estadunidense mediante o pure prospective overruling. Ou, ainda, definir uma data a partir da qual a decisão passará a produzir efeitos, como ocorre quando se aplica o prospective prospective overruling.
O STF já limitou a retroatividade de decisão
proferida em recurso extraordinário sem relacioná-la a confiança
justificada em jurisprudência consolidada. Assim sucedeu no RE 197.917 30,
em que se declarou a inconstitucionalidade de norma da Lei Orgânica do
Município de Mira Estrela, por ofensa ao art. 29, IV, ‘a’, da CF. 31
Entendeu-se, no caso, que o Município, diante da sua
população, somente poderia ter nove vereadores e não onze – como fixado
em norma de sua Lei Orgânica. Em seu voto, disse o Ministro Relator,
Mauricio Corrêa, ter bem decidido "o magistrado de primeiro grau ao
declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo
único do art. 6º da Lei Orgânica em causa", mas que este não poderia
"alterar o seu conteúdo, fixando de pronto o número de vereadores,
usurpando, por isso mesmo, competência constitucional específica
outorgada tão só ao Poder Legislativo do Município (CF, art. 29, caput,
IV). Agindo dessa forma, o Poder Judiciário estaria assumindo
atribuições de legislador positivo, que não lhe foi reservada pela Carta
Federal para a hipótese. Oficiado à Câmara Legislativa local acerca da
inconstitucionalidade do preceito impugnado, cumpre a ela tomar as
providências cabíveis para tornar efetiva a decisão judicial transitada
em julgado" 32.
O Ministro Gilmar Mendes, concordando com o relator quanto à
inconstitucionalidade da norma, advertiu que, "no caso em tela,
observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria
repercussões em todo o sistema vigente, atingindo decisões que foram
tomadas em momento anterior ao pleito que resultou na atual composição
da Câmara Municipal: fixação do número de vereadores, fixação do número
de candidatos, definição do quociente eleitoral. Igualmente, as decisões
tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas, tal como a
validade da deliberação da Câmara Municipal nos diversos projetos e leis
aprovados". Por conta disto, declarou a inconstitucionalidade da norma
da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, explicitando que "a
declaração da inconstitucionalidade da lei não afeta a composição da
atual legislatura da Câmara Municipal, cabendo ao legislativo municipal
estabelecer nova disciplina sobre a matéria, em tempo hábil para que se
regule o próximo pleito eleitoral (declaração de inconstitucionalidade pro futuro)". 33
6 O Problema dos Efeitos Prospectivos no Superior Tribunal de Justiça
Como já demonstrado, a técnica dos efeitos
prospectivos, além de importante em face do princípio da nulidade do ato
inconstitucional, é absolutamente fundamental diante da teoria dos
precedentes.
Tratando-se de revogação de precedente, a razão de
ser dos efeitos prospectivos está na confiança justificada e na tutela
da previsibilidade. Porém, não são apenas os precedentes do STF que
geram confiança justificada, mas também os do STJ (e dos outros
Tribunais Superiores), especialmente quando sublinhadas as suas funções
de unificar a interpretação da lei e dar unidade ao direito federal. 34
Bem por isso, como não poderia deixar de ser, a
questão dos efeitos prospectivos já repercutiu no STJ. Nessa Corte,
chegou-se a discutir, inclusive, sobre a aplicação do art. 27 da Lei nº
9.868/99, que autoriza o STF a dar efeitos prospectivos às suas decisões
de inconstitucionalidade.
Há caso exemplar, oriundo do Paraná, que não pode
deixar de ser lembrado. Trata-se dos EDiv no REsp 738.689, julgados pela
1ª Seção. 35
Buscava-se, na ação que deu origem ao recurso especial e aos embargos
de divergência, o reconhecimento do direito ao aproveitamento do
crédito-prêmio do IPI, instituído pelo art. 1º do DL nº 491/69. Ao
enfrentar o recurso especial, a Turma reafirmou a improcedência do
pedido, daí tendo sido interpostos embargos de divergência à 1ª Seção.
Durante o julgamento dos embargos de divergência – que restaram
improvidos –, o Ministro Herman Benjamin pediu vista e propôs a
modulação dos efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei nº
9.868/99.
Frise-se que, até agosto de 2004, o entendimento
pacífico no STJ era pela subsistência do benefício. Inicialmente,
observou o Ministro Hermann que, ao tentar se familiarizar com os
debates sobre a vigência do crédito-prêmio – dos quais não participou,
pois ocorridos antes do seu ingresso na Corte –, chamou a sua atenção "a
profunda mudança de orientação jurisprudencial sobre o tema, fato que é
insistentemente repisado pelos contribuintes, no contexto da segurança
jurídica". 36
Alegou que, "em face da jurisprudência predominante no STJ até agosto
de 2004, persistiu em favor dos contribuintes uma certa ‘sombra de
juridicidade’". 37
Assim, para proteger a segurança jurídica e a confiança, entendeu o
Ministro Herman Benjamin que seria o caso de se proceder à modulação dos
efeitos da decisão, limitando-se a sua retroatividade. Para fundamentar
a sua proposta, fez as seguintes ponderações: "Tenho para mim que,
também no âmbito do STJ, as decisões que alterem jurisprudência
reiterada, abalando forte e inesperadamente expectativas dos
jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no
tempo, buscando a integridade do sistema e a valorização da segurança
jurídica. É que o reconhecimento da ‘sombra de juridicidade’, decorrente
da atividade jurisdicional do Estado, revela indiscutível a necessidade
de resguardarem-se os atos praticados pelos contribuintes sob a
expectativa de que aquela era a melhor interpretação do Direito, já que
consubstanciada em uma jurisprudência reiterada, em sentido favorável às
suas pretensões, pela Corte que tem a competência constitucional para
dar a última palavra no assunto. Essa necessidade de privilegiar-se a
segurança jurídica e, por consequência, os atos praticados pelos
contribuintes sob a ‘sombra de juridicidade’ exige do STJ o manejo do
termo a quo dos efeitos de seu novo entendimento jurisprudencial.
Repito que não se trata de, simplesmente, aplicar-se as normas
veiculadas pelas Leis ns. 9.868 e 9.882, ambas de 1999, por analogia,
mas sim de adotar como válidos e inafastáveis os pressupostos
valorativos e principiológicos que fundamentam essas normas e que,
independentemente da produção legislativa ordinária, haveriam de ser
observados tanto pelo STF quanto pelo STJ. No caso dos Vereadores [em
que o STF limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade],
parece evidente que eventual inexistência de lei federal prevendo
expressamente a modulação temporal dos efeitos da decisão judicial não
impediria o STF de sopesar os efeitos de seu acórdão, por conta do
imperativo da segurança jurídica. Da mesma forma, a inexistência de
norma ordinária expressa que regule o assunto não tem o condão de
impedir os Tribunais Superiores de adequarem sua atividade, ou o produto
da ação jurisdicional, aos ditames da segurança jurídica. O STF adota
esse entendimento, ao modular temporalmente os efeitos de suas decisões,
mesmo em se tratando de controle difuso de constitucionalidade, não
abarcado expressamente pelo regime das Leis ns. 9.868 e 9.882, ambas de
1999". 38
Após sustentar a possibilidade de o STJ modular os
efeitos das suas decisões, para o que – na sua argumentação – não seria
sequer preciso norma infraconstitucional, o Ministro Herman Benjamin
passou a traçar critérios para justificar a limitação dos efeitos da
nova regra do STJ. Ao observar a necessidade de se preservar a segurança
jurídica, refletida na expectativa dos jurisdicionados quanto à
aplicação, aos seus próprios casos, do entendimento pacificado pelo STJ,
advertiu o Ministro que "esse entendimento exige sejam fixados a) o
limite temporal a partir do qual se afasta a ‘sombra de juridicidade’ e
b) os tipos de atos e negócios jurídicos realizados pelos contribuintes
que devem ser resguardados da mudança jurisprudencial. O limite temporal
é de fácil visualização. A ‘sombra de juridicidade’ – e, a partir daí,
também a necessidade de modulação temporal da eficácia da decisão –
deixa de existir quando do julgamento, pela 1ª Turma, do REsp
591.708/RS, em 08.06.04, acórdão relatado pelo e. Ministro Teori
Zavascki e publicado no DJ de 09.08.04 (conforme registrado pelo
e. Min. João Otávio de Noronha em seu voto-vista no REsp 541.239/DF).
Até esse momento, o entendimento pacífico do STJ, dando a interpretação
última à legislação federal, era pela subsistência do benefício, nos
termos de detalhado registro efetuado pelo e. Min. José Delgado, por
ocasião de seu voto vencido no REsp 591.708/RS. Fixo, portanto, a data
de publicação desse acórdão (REsp 591.708/RS) em 09.08.04, como o
momento em que se exaure a ‘sombra de juridicidade’ que garantiria a
subsistência do benefício, não cabendo, a partir de então, falar-se em
expectativa, boa-fé ou confiança legítima dos contribuintes. É essa
data (09.08.04) que serve como marco inicial para a irradiação dos
efeitos da novel jurisprudência desta Corte, no sentido da extinção do
crédito-prêmio do IPI, seja em 1983, seja em 1990. Quanto aos atos e
negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, a serem resguardados
da mudança jurisprudencial, há que se ter em mente o objetivo da
modulação temporal dos efeitos da decisão judicial, qual seja
privilegiar a segurança jurídica, refletida na expectativa dos
contribuintes na manutenção do entendimento que, até então, lhes era
favorável. Pois bem, em face da inconteste e incansável resistência do
fisco ao aproveitamento do "crédito-prêmio", restava aos interessados o
caminho do Judiciário. Por isso, não se descuida que, dados os efeitos inter partes dos
precedentes desta Corte, os contribuintes haveriam de buscar provimento
jurisdicional a garantir-lhes o direito que, em sua visão, era certo.
Consequentemente, somente cabe falar em expectativa ao provimento
judicial favorável, por óbvio, em favor daqueles que se socorreram da
via pretoriana. Na seara contábil, essa busca do provimento judicial é
exigência do princípio do conservadorismo. Havendo resistência do Fisco
ao aproveitamento de um direito pela empresa, há que se buscar um
provimento administrativo ou judicial para legitimar a escrituração. A
propósito, registro o Alerta ao Mercado, exarado pela Comissão de
Valores Mobiliários em 30.03.05, que, de maneira ainda mais severa e
referindo-se a atos normativos e pareceres anteriores, veda
expressamente a contabilização do direito ao ‘crédito-prêmio’ pelas
companhias abertas antes de eventual trânsito em julgado da sentença
favorável. Entendo, portanto, que a expectativa a ser protegida
contra a mudança jurisprudencial refere-se exclusivamente àquelas
empresas que buscaram provimento judicial e efetivamente aproveitaram o
‘crédito-prêmio’ até 09.08.04. As pretensões de empresas não
deduzidas em juízo não podem ser resguardadas. A estas, não socorre o
argumento da expectativa de provimento judicial favorável e, portanto, o
imperativo da segurança jurídica que me leva a decidir pela modulação
temporal dos efeitos da decisão. Os contribuintes que demandaram
judicialmente, e somente eles, tinham a expectativa de um provimento
judicial favorável. Utilizaram-se do ‘crédito-prêmio’ num momento em que
o STJ mantinha um posicionamento sólido a seu favor. Este
aproveitamento do benefício implicou redução dos custos e preços
praticados por essas empresas, em valor correspondente ao montante do
IPI mitigado, levando-as a orientar seus planos e atividades com base
nessa realidade. São estes atos dos contribuintes, de apropriação e
aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ antes da guinada jurisprudencial, que
se aperfeiçoaram sob a ‘sombra de juridicidade’ e, agora, merecem ser
preservados. Afasta-se também, portanto, a hipótese de empresas que,
apesar de demandarem judicialmente, não realizaram, por qualquer razão, o
efetivo aproveitamento do ‘crédito-prêmio’ até 09.08.04. Não tiveram
elas reduzidos seus custos, nem deixaram, por consequência, de repassar o
ônus tributário integral (sem a dedução do crédito-prêmio) aos seus
clientes. Com relação a esses contribuintes, não há ofensa relevante à
segurança jurídica que justifique a modulação temporal dos efeitos da
decisão. Tampouco aproveita a mitigação dos efeitos da decisão
declaratória a outros que não o titular original do ‘crédito-prêmio’, já
que a ‘sombra de juridicidade’ refere-se ao entendimento pacificado por
esta Corte, que não abrange a possibilidade de aproveitamento, por
terceiros, do benefício fiscal. Sem dúvida, a controvérsia acerca da
possibilidade desse aproveitamento por terceiros e a interpretação a ser
dada à legislação federal que trata do assunto nunca gozaram, neste
Tribunal, da pacificação jurisprudencial advinda de profundo debate e
reiterados precedentes. Não há, em favor desses cessionários do
crédito-prêmio, ‘sombra de juridicidade’ a socorrer-lhes. Numa palavra, a
modulação temporal dos efeitos da decisão favorece somente os créditos
aproveitados pelos titulares originários do benefício. Diante de todo o
exposto, posiciono-me pela extinção do crédito-prêmio em 1983 e,
superada esta tese, pelo término do benefício em 1990, nos termos do
art. 41, § 1º, do ADCT, acompanhando o e. relator, Ministro Teori Albino
Zavascki, para negar provimento aos embargos de divergência, resguardando,
dos efeitos desta decisão, eventual aproveitamento do crédito-prêmio
pelo titular originário, desde que realizado até 09.08.04". 39
Em voto-vista, o Ministro Teori Albino Zavascki se
opôs à proposta do Ministro Hermann Benjamin, argumentando "que a
modulação dos efeitos das decisões do STF, quando autorizada, é apenas a
que diz respeito a normas declaradas inconstitucionais e limita-se aos
efeitos de natureza exclusivamente temporal. Aqui, ao contrário,
pretende-se modular os efeitos de decisões judiciais, não sobre a
inconstitucionalidade de norma, mas sobre a sua revogação, e não apenas
em seus aspectos temporais (= eficácia prospectiva às normas revogadas),
mas também em seus aspectos subjetivos (= para beneficiar alguns
contribuintes, não todos) e em seus aspectos materiais (= para abranger
apenas alguns atos e negócios, e não todos)". 40
A maioria dos membros da 1ª Seção aderiu à posição do Ministro Teori 41,
tendo restado consignado na ementa do acórdão o seguinte: "Salvo nas
hipóteses excepcionais previstas no art. 27 da Lei nº 9.868/99, é
incabível ao Judiciário, sob pena de usurpação da atividade legislativa,
promover a ‘modulação temporal’ da suas decisões, para o efeito de dar
eficácia prospectiva a preceitos normativos reconhecidamente revogados" 42
O STJ, neste julgamento, perdeu grande oportunidade
para adotar técnica imprescindível a um Tribunal incumbido de dar
unidade ao direito federal. Pouco importa que o art. 27 da Lei nº
9.868/99 faça referência expressa apenas às decisões de
inconstitucionalidade. A limitação dos efeitos retroativos das decisões
não é mera decorrência da necessidade de compatibilizar a segurança
jurídica com a teoria da nulidade da lei inconstitucional. Trata-se, ao
contrário, de algo imprescindível para não se surpreender aqueles que
depositaram confiança justificada nos precedentes judiciais. Os atos,
alicerçados em precedentes dotados de autoridade em determinado momento
histórico – e, assim, irradiadores de confiança justificada –, não podem
ser desconsiderados pela decisão que revoga o precedente, sob pena de
violação à segurança jurídica e à confiança nos atos do Poder Público.
Ou seja, a modulação dos efeitos ou a limitação dos efeitos retroativos
das decisões certamente não pode servir apenas às decisões de
inconstitucionalidade. Na verdade, a limitação dos efeitos da decisão de
inconstitucionalidade é um dos aspectos que se insere na questão
relativa à tutela da segurança diante das decisões judiciais.
Aliás, mesmo que o art. 27 não existisse, o STF
poderia e deveria limitar, quando necessário, os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade, bastando argumentar com base na CF. Uma norma,
afirmando a possibilidade da limitação dos efeitos retroativos das
decisões revogadoras de precedentes – ou, caso se queira em outros
termos, de jurisprudência consolidada e pacífica – no STJ, jamais
poderia ser vista como resultado de "livre opção" do legislador
infraconstitucional. Tal norma é necessária para o legislador cumprir
com o seu dever de tutela da confiança justificada nos atos do Poder
Público. O que significar dizer que a inexistência desta norma
configuraria "falta de lei", que, por isso, necessariamente deveria ser
suprida pelo Poder Judiciário diante dos casos concretos. Como o
Judiciário não pode prestar adequada tutela jurisdicional sem limitar os
efeitos da decisão que revoga precedente – deixa de lado jurisprudência
pacífica ou, o que é o mesmo, inaugura nova compreensão de dada
situação jurídica –, não há como subordinar a sua decisão, de limitação
dos efeitos retroativos, à existência de lei. Na realidade, a
possibilidade de limitar os efeitos retroativos das decisões é inerente
ao exercício do poder de julgar conferido aos Tribunais Superiores. 43
De outro lado, excetuar alguns atos e sujeitos dos
efeitos retroativos de uma decisão não significa dar efeitos
prospectivos à lei revogada, ainda que tal decisão tenha reconhecido
que, na época da prática dos atos, a lei não deveria produzir efeitos.
Ora, se, no momento em que os atos foram praticados, o Poder Judiciário
afirmava que a lei estava em vigor, inegavelmente existia "norma
jurídica" para orientar os jurisdicionados. Se esta norma é revogada por
norma posteriormente emanada do próprio Poder Judiciário, a nova norma
não pode retroagir para apanhar as situações que se consolidaram à época
em que era justificada a confiança na norma judicial revogada.
De modo que, limitar os efeitos de decisão, para
preservar atos praticados com base em lei declarada revogada, não é
usurpar o poder do legislador, mas proteger a confiança justificada no
Poder Judiciário. Trata-se, em verdade, de um ato de autotutela do
próprio Judiciário.
Também não é correto supor que, para a proteção da
confiança, basta apenas limitar os efeitos retroativos da decisão, sem
dissociar os atos que foram e não foram praticados com base em confiança
justificada. Portanto, pouco importa que a lei tenha se referido apenas
à limitação dos efeitos retroativos, sem dizer que os atos praticados
no passado podem ser diferenciados. Ora, é da essência da limitação de
efeitos em nome da proteção da confiança a discriminação de atos que não
foram praticados com base em confiança justificada, e que, assim, não
devem ser ressalvados dos efeitos retroativos da decisão.
Há outro importante caso a ser lembrado. O STF, ao
julgar o HC nº 83.255/SP, alterou a regra judicial a respeito do prazo
recursal para o Ministério Público, que desde então passou a ser contado
a partir da data da entrada do processo nas dependências da
instituição. O STJ acompanhou a nova orientação do STF.
Naturalmente, porém, surgiu o problema relacionado
com os recursos que haviam sido interpostos à época em que prevalecia o
entendimento anterior. Mas o STJ sabiamente preservou a tempestividade
dos recursos que se fundaram na regra judicial – ou no entendimento
jurisprudencial – que ainda prevalecia quando da interposição, não
admitindo a retroatividade do novo entendimento para descaracterizar a
tempestividade recursal. Neste sentido, há o seguinte julgado da 5ª
Turma do STJ: "Habeas corpus – Tempestividade do recurso
ministerial – Mudança do entendimento jurisprudencial das Cortes
Superiores – Aplicação aos casos futuros. 1. De fato, o STF, a partir do
julgamento plenário do HC nº 83.255/SP (Informativo 328),
decidiu que o prazo recursal para o MP conta-se a partir da entrada do
processo nas dependências da Instituição. O STJ, por seu turno, aderiu à
nova orientação da Suprema Corte. 2. Não se pode olvidar, todavia, que o
entendimento jurisprudencial, até então, há muito sedimentado no STF e
no STJ, era justamente no sentido inverso, ou seja, entendia-se que a
intimação pessoal do MP se dava com o ‘ciente’ lançado nos autos, quando
efetivamente entregues ao órgão ministerial. 3. Dessa maneira,
constata-se que o Procurador de Justiça, nos idos anos de 2000, tendo em
conta a então sedimentada jurisprudência das Cortes Superiores,
valendo-se dela, interpôs o recurso dentro do prazo legal. 4. Não se
poderia, agora, exigir que o órgão ministerial recorrente se pautasse de
modo diverso, como se pudesse antever a mudança do entendimento jurisprudencial.
Essa exigência seria inaceitável, na medida em que se estaria criando
obstáculo insuperável. Vale dizer: depois de a parte ter realizado o ato
processual, segundo a orientação pretoriana prevalente à época, seria
apenada com o não conhecimento do recurso, quando não mais pudesse
reagir à mudança. Isso se traduziria, simplesmente, em usurpação sumária
do direito de recorrer, o que não pode existir em um Estado Democrático
de Direito, mormente se a parte recorrente representa e defende o
interesse público. 5. Ordem denegada". 44
Essa decisão merece um único reparo. Pouco importa se
a parte recorrente representa e defende o interesse público. Não é
possível retroagir entendimento novo para o efeito de prejudicar quem
quer que tenha praticado ato em confiança em precedente ou em
jurisprudência pacífica. A sua importância, entretanto, transcende este
ponto, pois demonstra que um Tribunal cuja missão é a de atribuir
unidade ao direito federal deve estar consciente de que a revogação de
um precedente – ou de um entendimento jurisprudencial – tem significado
muito mais amplo ao de uma simples decisão judicial. 45
A revogação de precedente, ao alterar o entendimento
da Corte a respeito da interpretação da lei federal, tem grande impacto
sobre as situações levadas a efeito sob o império do precedente
revogado. De forma que exige do Tribunal, em primeiro lugar, a análise
acerca da existência de "confiança justificada", uma vez que nem todo
precedente gera confiança capaz de legitimar a conduta praticada.
Depois, há que se verificar se o ato ou a conduta realmente deriva da
confiança que se depositou no precedente.
Assim, tomando-se como exemplo o caso do "prazo do
Ministério Público", caberia perguntar se, à época da interposição do
recurso, existiam manifestações jurisprudenciais e da doutrina no
sentido de que o prazo deveria ser contado a partir da entrada dos autos
na dependência da instituição ou firmando o entendimento de que não
seria razoável subordinar o início do prazo à boa vontade do Ministério
Público. Se o STJ, ainda que sem expressamente decidir que o prazo
deveria ser contado a partir da entrada dos autos no MP, já tinha
sinalizado para este entendimento ou já havia decidido com base em
distinção inconsistente – considerando, por exemplo, que o prazo do MP,
para a indicação de testemunhas ou de quesitos periciais, deveria ser
contado a partir da entrada dos autos na instituição ou que o prazo para
a interposição de recurso, no processo civil, deveria obedecer a tal
lógica, a autoridade do precedente, assim com a confiança que nele
poderia ser depositada, estariam abaladas.
A proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais
constitui dever dos Tribunais Superiores, pelo que a limitação dos
efeitos das decisões que revogam precedentes ou jurisprudência consolida
não está sequer à discrição do STJ. Esse Tribunal, para dar cumprimento
a sua missão constitucional de dar unidade ao direito federal, tem o
dever de utilizar a técnica da limitação dos efeitos retroativos, como
todo tribunal que, ao decidir, fixa normas que orientam a conduta dos
jurisdicionados, dando-lhes previsibilidade para trabalhar e viver.
NOTAS
Informações bibliográficas:
MARINONI, Luiz Guilherme. Eficácia Temporal da Revogação da Jurisprudência Consolidada dos Tribunais Superiores. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 30 jan. 2012. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2012.
1
- Para maior aprofundamento sobre o tema dos precedentes obrigatórios,
ver Luiz Guilherme Marinoni, Precedentes Obrigatórios, São Paulo: RT,
2010.
2 - Lederman, Howard. Judicial overruling. Time for a new general rule. Michigan Bar Journal, set. 2004, p. 21 e ss.
3
- Diz Robert Summers que “a aplicação retroativa de uma decisão
revogadora de precedente pode contrariar relevante confiança no
precedente revogado e tratar partes em posições similares de modo muito
diferente” (No original: “Retroactive application of an overruling
decision may upset substantial reliance on the overruled precedent and
will treat parties similarly situated quite differently”) (Summers,
Robert. Precedent in the United States (New York State). In:
Interpreting precedents: a comparative study, London: Dartmouth, 1997,
p. 397-398).
4
- A maior justificativa para a revogação com efeitos prospectivos é a
proteção da confiança justificada (Eisenberg, Melvin. The nature of the
common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998, p. 131).
5
- V. Markman, Stephen. Precedent: tension between continuity in the law
and the perpetuation of wrong decisions. Texas Review of Law &
Politics, vol. 8, Spring 2004; Nelson, Caleb. Stare decisis and
demonstrably erroneous precedents. Virginia Law Review, vol. 87, mar.
2001; Delaney, Sarah K. Stare decisis v. The “New Majority”: the
Michigan Supreme Court’s practice of overruling precedent, 1998-2002.
Albany Law Review, Albany, vol. 66, n. 871, 2003.
6
- Shannon, Bradley Scott. The retroactive and prospective application
of judicial decisions. Harvard Journal of Law & Public Policy,
Cambridge, vol. 26, Summer 2003.
7 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 128-129.
8 - Idem, p. 128.
9 - Idem, p. 127-128.
10
- Em Whitinsville Plaza, Inc. v. Kotseas, a Corte afirmou que já havia
sinalizado para a revogação do precedente firmado em Norcross no caso
Ouellette, e, com base nisso, outorgou efeitos retroativos ao
overruling, declarando que deveriam ser apanhados todos os negócios
realizados após Ouellette. Assim, o overruling ditado em Whitinsville
retroagiu até a decisão proferida em Ouellette porque a Corte entendeu
que, a partir desta data, poder-se-ia racionalmente confiar na
expectativa de que, na próxima ocasião adequada, a Corte iria revogar as
decisões tomadas em Shade e em Norcross. Verifica-se aí nítida
aproximação entre a técnica da sinalização e a do overruling com efeitos
prospectivos (Cf. Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 128 e ss).
11 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 131.
12
- Traynor, Roger J. Quo vadis, prospective overruling: a question of
judicial responsibility. Hastings Law Journal, San Francisco, vol. 50,
abr. 1999.
13 - Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 131.
14 - Idem, p. 132.
15
- “Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 7.619/00, do Estado da
Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães –
Inconstitucionalidade de lei estadual posterior à EC nº 15/96 – Ausência
de lei complementar federal prevista no texto constitucional – Afronta
ao disposto no art. 18, § 4º, da CF – Omissão do Poder Legislativo –
Existência de fato – Situação consolidada – Princípio da segurança
jurídica – Situação de exceção, estado de exceção – A exceção não se
subtrai à norma, mas esta, suspendendo-se, dá lugar à exceção – Apenas
assim ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção.
1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, há
mais de seis anos, como ente federativo. 2. Existência de fato do
Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação
como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional
consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que
consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos.
3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de
subsunção. A situação de exceção, situação consolidada – embora ainda
não jurídica – não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de
omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação,
incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação
da EC nº 15, em 12 de setembro de 1996, deve-se à ausência de lei
complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o
que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da
lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica
violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de Luís
Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma situação excepcional não
prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de
indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que
se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção –
apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação
com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando
também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao
fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é,
retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a
força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No
aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o
reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste
a agressão à federação. 10. O princípio da segurança jurídica prospera
em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da continuidade
do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte
no MI 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de
dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do
art. 18 da CF, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do
Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade
da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a
nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei nº 7.619, de 30 de março de
2000, do Estado da Bahia” (STF, Pleno, ADIn 2240, rel. Min. Eros Grau,
DJe 03.08.07).- Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister,
Porto Alegre, RS.
16
- Parte final do voto do Min. relator, Eros Grau: “Permito-me observar
ainda que no caso está em pauta o princípio da continuidade do Estado,
não o princípio da continuidade do serviço público. Os serviços públicos
prestados pelo Município de Luís Eduardo Magalhães passariam a ser
imediatamente prestados, se declarada a inconstitucionalidade da lei de
sua criação, pelo Município de Barreiras, de cuja área foi destacado.
Mas não é disso que aqui se cuida, senão da necessária, imprescindível
afirmação, por esta Corte, do sentido normativo veiculado pelo art. 1º
da CF: a República Federativa do Brasil é formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal. É o
princípio da continuidade do Estado que está em pauta na presente ADIn,
incumbindo-nos recusar o fiat justitia, pereat mundus. Por certo que a
afirmação da improcedência da ADIn não servirá de estímulo à criação de
novos municípios, indiscriminadamente. Antes, pelo contrário, há de
expressar como que um apelo ao Poder Legislativo, no sentido de que
supra a omissão constitucional que vem sendo reiteradamente consumada.
Concluído, retornarei à observação de Konrad Hesse: também cumpre a esta
Corte fazer tudo aquilo que seja necessário para impedir o nascimento
de realidades inconstitucionais, mas indispensável há de ser, quando
isso seja possível, que esta mesma Corte tudo faça para pô-la, essa
realidade, novamente em concordância com a Constituição. As
circunstâncias da realidade concreta do município de Luis Eduardo
Magalhães impõem seja julgada improcedente a ADIn” (STF, Pleno, ADIn
2.240, rel. Min. Eros Grau, DJe 03.08.07). – Fonte – DVD Magister,
versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
17 - Idem.
18 - Idem.
19 - Idem.
20 - Idem.
21 - Idem.
22 - Idem.
23
- Voto do Ministro Marco Aurélio: “Presidente, peço vênia para
cingir-me à concepção que tenho sobre as normas de regência da matéria,
ao alcance que dou ao art. 18, § 4º, da CF e ao art. 27 da Lei nº
9.868/99, não estabelecendo solução prática, pouco importando o
Município, fora desses mesmos parâmetros. Hoje, há autorização – e sob
esse preceito foi criado o Município – que não se torna efetiva ante a
inexistência de atividade legiferante do Congresso quanto à lei
complementar que fixaria as balizas temporais, afastando, quem sabe, o
ano das eleições – segundo memorial recebido, esse Município foi criado
em ano de eleições – e, também, os requisitos a serem atendidos.
Portanto, julgo procedente o pedido formulado” (idem).
24 - Idem. – Fonte – DVD Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
25
- Na ADIn 3.615, tratando de caso semelhante, a Corte julgou procedente
a ação direta, atribuindo à decisão de inconstitucionalidade efeitos ex
nunc: “Ação direta de inconstitucionalidade – Art. 51 do ADCT do Estado
da Paraíba – Redefinição dos limites territoriais do Município do Conde
– Desmembramento de parte de município e incorporação da área separada
ao território da municipalidade limítrofe, tudo sem a prévia consulta,
mediante plebiscito, das populações de ambas as localidades – Ofensa ao
art. 18, § 4º, da CF. 1. Para a averiguação da violação apontada pelo
requerente, qual seja o desrespeito, pelo legislador constituinte
paraibano, das exigências de consulta prévia e de edição de lei estadual
para o desmembramento de município, não foi a norma contida no art. 18,
§ 4º, da CF substancialmente alterada, uma vez que tais requisitos, já
existentes no seu texto primitivo, permaneceram inalterados após a
edição da EC nº 15/96. Precedentes: ADIn 458, rel. Min. Sydney Sanches,
DJ 11.09.98, e ADIn 2.391, rel. Min. Ellen Gracie, Informativo STF 316.
2. Afastada a alegação de que a norma impugnada, sendo fruto da
atividade do legislador constituinte estadual, gozaria de uma inaugural
presunção de constitucionalidade, pois, segundo a jurisprudência desta
Corte, o exercício do poder constituinte deferido aos Estados-membros
está subordinado aos princípios adotados e proclamados pela Constituição
Federal. Precedente: ADIn 192, rel. Min. Moreira Alves, DJ 06.09.01. 3.
Pesquisas de opinião, abaixo-assinados e declarações de organizações
comunitárias, favoráveis à criação, à incorporação ou ao desmembramento
de município, não são capazes de suprir o rigor e a legitimidade do
plebiscito exigido pelo § 4º do art. 18 da CF. Precedente: ADIn 2.994,
rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04.06.04. A esse rol de instrumentos
ineficazes que buscam driblar a exigência de plebiscito expressa no art.
18, § 4º, da CF soma-se, agora, este de emenda popular ao projeto de
Constituição Estadual. 4. Ação direta cujo pedido se julga procedente,
com a aplicação de efeitos ex nunc, nos termos do art. 27 da Lei nº
9.868/99” (STF, Pleno, ADIn 3.615, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.07).
É importante registrar parte do voto da Ministra relatora, Ellen
Gracie: “Com essas considerações, julgo procedente o pedido formulado na
presente ação direta e declaro a inconstitucionalidade do art. 51 do
ADCT do Estado da Paraíba. Nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99,
proponho, porém, a aplicação ex nunc dos efeitos dessa decisão.
Justifico. Nas mais recentes ações diretas que trataram desse tema,
normalmente propostas logo após a edição da lei impugnada, se tem
aplicado o rito célere do art. 12 da Lei nº 9.868/99. Assim, o tempo
necessário para o surgimento da decisão pela inconstitucionalidade do
diploma dificilmente é desarrazoado, possibilitando a regular aplicação
dos efeitos ex tunc. Nas ações diretas mais antigas, por sua vez, era
praxe do Tribunal a quase imediata suspensão cautelar do ato normativo
atacado. Assim, mesmo que o julgamento definitivo demorasse a acontecer,
a aplicação dos efeitos ex tunc não gerava maiores problemas, pois a
norma permanecera durante todo o tempo com sua vigência suspensa. Aqui, a
situação é diferente. Contesta-se, em novembro de 2005, norma
promulgada em outubro de 1989. Durante esses dezesseis anos, foram
consolidadas diversas situações jurídicas, principalmente no campo
financeiro, tributário e administrativo, que não podem, sob pena de
ofensa à segurança jurídica, ser desconstituídas desde a sua origem. Por
essa razão, considero presente legítima hipótese de aplicação de
efeitos ex nunc da declaração de inconstitucionalidade” (STF, Pleno,
ADIn 3.615, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 09.03.07). – Fonte – DVD
Magister, versão 39, Editora Lex/Magister, Porto Alegre, RS.
26
- Treanor, William Michael. Prospective overruling and the revival of
unconstitutional statutes. Columbia Law Review, New York, vol. 93, dez.
1993.
27
- Lei nº 9.868/99, art. 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado”.
28
- V. Ávila, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no
controle de constitucionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009.
29 - Rcl 2391, Informativo nº 334.
30 - RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.04.
31
- “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois
turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços
dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os
princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
IV – para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite
máximo de: a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze
mil) habitantes; (...)”.
32 - RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.04.
33
- Decidiu o STF, no RE 197.917-8, tratar-se de “situação excepcional em
que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc,
resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente”, e, assim,
proclamou: “Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter
de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de
inconstitucionalidade” (RE 197.917-8, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ 07.05.04).
34 - V Derzi, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2009. p. 498 e ss.
35 - STJ, 1ª Seção, EDiv no REsp 738.689, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 22.10.07.
36 - Idem.
37 - Idem.
38 - Idem.
39 - Idem.
40 - Idem.
41
- O Ministro João Otávio de Noronha, acrescentando que “o efeito
prospectivo e a modulação do julgamento têm o condão, exatamente, de
permitir a uma Corte Superior transcender o interesse individual e fazer
prevalecer a própria credibilidade do Poder Judiciário”, acompanhou o
voto do Ministro Hermann Benjamin.
42 - Idem.
43
- “Com efeito, a possibilidade de aplicação prospectiva da lei ou do
ato normativo declarado inconstitucional decorre do princípio da
segurança jurídica. Logo, mesmo que inexistisse o art. 27 da Lei nº
9.868/99, ainda assim o STF, em alguns casos, teria o poder/dever de
restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir a
partir de que momento esta teria eficácia. Tal se dá, a nosso ver, na
mudança abrupta da jurisprudência do próprio Pretório Excelso, com
repercussões seja no Erário, seja no patrimônio de grande número de
empresas. (...) Sempre com apoio no princípio da segurança jurídica,
estamos convencidos de que, também no controle difuso de
constitucionalidade, o STF detém a aptidão para, na salvaguarda dos
princípios constitucionais, máxime o da segurança jurídica, apontar a
prospectividade, evitando, assim, a fulminante e por vezes formidável
eficácia ex tunc. (...) Assentadas estas premissas, podemos avançar em
nosso raciocínio indagando: e os demais Tribunais Superiores (STJ, TST,
STM e TSE) podem, à míngua de uma lei formal expressa, manter os efeitos
da antiga e arraigada jurisprudência, quer em relação à causa agora
julgada em sentido oposto, quer às demais, que ainda tramitam, quer,
finalmente, a todas as pessoas que estavam a pautar sua conduta de
acordo com aquilo que, sem nenhuma hesitação, o próprio Poder Judiciário
considerava correto e adequado? Agora respondemos que sim, em que pese a
inexistência de autorização em meio técnico-processual expresso. Sempre
o autoaplicável princípio constitucional da segurança jurídica impõe o
período de transição que estamos a aludir” (Carrazza, Roque Antonio.
Segurança jurídica e eficácia temporal das alterações jurisprudenciais –
Competência dos Tribunais Superiores para fixá-la – Questões conexas.
Efeito ex nunc e as decisões do STJ. São Paulo: Manole, 2009. p. 67-68).
44 - STJ, 5ª T., HC nº 28.598/MG, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 01.08.05.
45
- A própria Corte Especial do STJ já teve oportunidade de declarar que
este Tribunal “foi concebido para um escopo especial: orientar a
aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o
Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja
observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em
relação ao STF, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o
Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança”
(STJ, Corte Especial, AgRg nos EResp 228432, rel. Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ 18.03.02).
Informações bibliográficas:
MARINONI, Luiz Guilherme. Eficácia Temporal da Revogação da Jurisprudência Consolidada dos Tribunais Superiores. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 30 jan. 2012. Disponível em:
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