Adolescentes de 15 a 17 anos com famílias
desestruturadas, defasagem escolar e envolvidos com drogas que
cometeram, principalmente, infrações contra o patrimônio público como
furto e roubo. Esse foi o quadro revelado no estudo lançado, nesta
terça-feira (10/4), em Brasília (DF), pelo presidente do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), ministro Cezar Peluso. A pesquisa Panorama
Nacional – A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, feita
com base nos dados do programa Justiça ao Jovem, buscou traçar o perfil
dos 17,5 mil jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas no
Brasil e analisar o atendimento prestado pelas 320 unidades de
internação existentes em território nacional. “O Justiça ao Jovem é uma
adaptação da preocupação do mutirão carcerário à situação das crianças e
adolescentes, que nunca havia sido pesquisada”, afirmou o ministro
Peluso.
O estudo foi realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do
CNJ com base nos dados colhidos pelo Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF). Entre julho de 2010 e outubro
de 2011, a equipe do programa percorreu todos os estabelecimentos de
internação do país, entrevistou 1.898 adolescentes e coletou dados de
14.613 processos judiciais de execução de medidas socioeducativas de
restrição de liberdade em tramitação nos 26 estados e no Distrito
Federal.
Segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ, e um dos
coordenadores do Justiça ao Jovem, Reinaldo Cintra, a pesquisa servirá
de base para a formulação de políticas públicas, tanto no Executivo
quanto no Judiciário, que garantam a proteção de crianças e adolescentes
no país, assim como a ressocialização daqueles que cometeram algum tipo
de infração. “Pela primeira vez temos números sobre a qualidade de vida
do interno, a forma com ele enxerga a medida que está sendo aplicada,
como o Estado trata esses adolescentes e como o Judiciário luta para
acompanhá-los”, destacou o juiz.
Agressão – Durante as visitas, o Justiça ao Jovem detectou situações
graves de maus tratos cometidos contra os jovens internados nas
unidades de internação. Mais de 10% dos estabelecimentos registraram
situações de abuso sexual e 5% deles apresentaram ocorrências de mortes
por homicídio. Além disso, quase um terço dos adolescentes declarou
sofrer algum tipo de agressão física por parte funcionários e um quarto
dos estabelecimentos visitados já havia enfrentado situações de rebelião
ou motins.
Como resultado, a metade dos adolescentes pesquisados é reincidente
na prática criminal. Embora o roubo e o tráfico de drogas sejam as
infrações que levam a maior parte dos jovens ao cumprimento de medidas
socioeducativas (60% dos entrevistados), entre os reincidentes a prática
de homicídio foi três vezes superior à verificada entre aqueles que
cumpriam a primeira internação, aumentando de 3% para 10%. Diferente da
média nacional, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, as infrações
que resultaram em morte aparecem como segundo principal motivo de
internação dos adolescentes, ultrapassando o tráfico de entorpecentes.
Perfil – O estudo revelou que cerca de 60% dos jovens entrevistados
possuem entre 15 e 17 anos e que mais da metade deles não frequentava a
escola antes de ingressar na unidade. A maioria dos adolescentes
infratores parou de estudar aos 14 anos, entre a quinta e a sexta série,
o que demonstra a necessidade de se adotar no país políticas
específicas voltadas ao combate da evasão escolar no ensino fundamental.
Além disso, 8% deles não chegaram sequer a serem alfabetizados. Nesse
aspecto, a desigualdade entre as Regiões do país ficou evidenciada no
estudo. Entre os jovens entrevistados no Nordeste, 20% declararam que
não sabem ler, enquanto no Sul e no Centro-Oeste essa proporção foi de
apenas 1%.
Em relação à estrutura familiar, o CNJ constatou que 14% dos jovens
infratores possuem pelo menos um filho, apesar da pouca idade, e apenas
38% deles foram criados pela mãe e o pai. Além disso, 7 em cada 10
adolescentes ouvidos pelo Justiça ao Jovem se declararam usuários de
drogas, sendo este percentual mais expressivo na Região Centro-Oeste
(80,3%). A maconha aparece como o entorpecente mais consumido, seguida
da cocaína e do crack.
Situação processual - A maior parte dos adolescentes que cumprem
medida socioeducativa de internação (73% dos 14.613 processos
analisados) teve seus casos julgados pela Justiça com sentença
definitiva, contra a qual não cabe mais recurso. O Nordeste e o Norte
foram as regiões onde o CNJ verificou o maior percentual de jovens
internos que ainda aguardam julgamento de seus processos (33% e 27%
respectivamente).
O fomento à prática de atividades externas no período de internação,
como participação em cursos, eventos religiosos ou oficinas de
profissionalização, se mostrou uma forma eficiente de evitar a fuga dos
adolescentes, além de favorecer a ressocialização. No Sudeste, em 85%
dos casos de internação há prática de atividades externas, levando a
Região a registrar índice de evasão de apenas 3%, o menor do país.
Estabelecimentos – O CNJ verificou ainda que faltam vagas no sistema
brasileiro de medidas socioeducativas para atender de forma adequada os
adolescentes infratores. A taxa nacional de ocupação das unidades é de
102%, sendo que os estados com a maior sobrecarga estão Nordeste. No
Ceará, as unidades abrigam mais do que o dobro da capacidade, enquanto
em Pernambuco a média é de 1,8 jovem por vaga e na Bahia 1,6.
Quase a totalidade dos estabelecimentos (cerca de 90%) conta com
atendimento de psicólogos e assistentes sociais. O mesmo não ocorre no
caso de médicos e advogados, presentes em apenas 30% das unidades, o que
compromete os direitos básicos à saúde e à defesa processual. Além
disso, um terço dos estabelecimentos não dispõe de enfermaria e mais da
metade não possui gabinete odontológico.
Políticas – O diagnóstico traçado pelo CNJ servirá de base para a
definição de políticas públicas capazes de garantir aos jovens sob
custódia do Estado os direitos previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE). A pesquisa indica que ações voltadas à manutenção das
crianças na escola e estratégias de combate ao uso de drogas podem
contribuir para impedir que elas entrem na criminalidade. O Conselho
constatou ainda a necessidade de mais investimentos estatais na
estrutura dos estabelecimentos de internação, muitos dos quais carecem
de pessoal e infraestrutura adequada para promover a ressocialização dos
adolescentes.
Mariana Braga
Agência CNJ de Notícias
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