terça-feira, 21 de agosto de 2012

Rito pode levar caso a corte internacional

O impasse em torno do rito de julgamento do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) levou os ministros a debaterem novamente a possibilidade de sua futura decisão ser contestada em cortes internacionais. Na semana passada, quando os ministros discutiam a forma de apresentação de seus votos no plenário, Celso de Mello afirmou que o tribunal não deve ter pressa no julgamento da Ação Penal nº 470. A preocupação do decano da Corte é a de que o Supremo siga os ritos necessários e o devido processo legal para garantir aos 37 réus do mensalão o direito à ampla defesa previsto na Constituição, sob pena de sua decisão ser contestada na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Na sexta-feira o presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto disse, na cerimônia de posse de procuradores na Advocacia-Geral da União (AGU), que o julgamento do mensalão será fatiado, por capítulos da denúncia, conforme o pedido do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa. Durante os debates no plenário, no entanto, Ayres Britto havia posto o assunto em votação e, diante da falta de consenso - especialmente entre o relator e o revisor da ação, ministro Ricardo Lewandowski -, encerrou a discussão afirmando que cada um votaria do jeito que quisesse.

Joaquim Barbosa começou na quinta-feira a proferir seu voto - e o fez de forma fatiada, como pretendia. Ainda não se sabe, no entanto, como o STF prosseguirá o julgamento hoje. Ricardo Lewandowski deve começar a ler seu voto, estando mantido o fatiamento ou o rito pelo qual cada um vota do jeito que quiser. Não se sabe, portanto, se o revisor lerá seu voto na íntegra ou por partes, como fez Barbosa.

O debate sobre o rito de julgamento do mensalão deixou descontentes também os advogados que defendem os réus. Na quinta-feira, o criminalista José Carlos Dias, que defende a principal acionista do Banco Rural, Kátia Rabello, alertou na tribuna de defesa do plenário do Supremo para "o risco de ser rompido o caráter unitário do julgamento".

Nos bastidores da escolha da forma pela qual o julgamento se dará está a divisão da Corte em dois grupos distintos. De um lado, um grupo de ministros tem pressa em concluir o julgamento para garantir os votos de Cezar Peluso, que se aposenta no início de setembro. Dele fazem parte Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Gilmar Mendes. De outro, um grupo de ministros preocupado em evitar que a decisão do STF no mensalão seja contestada por outras vias que não as previstas em seu regimento - por meio de recursos à própria Corte. Nele estão Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski.

A possibilidade de a decisão do Supremo ser contestada perante a Corte Internacional de Direitos Humanos permeia o julgamento do mensalão desde seu início. Na primeira sessão de julgamento, em 2 de agosto, o criminalista Márcio Thomaz Bastos levantou uma questão de ordem na tentativa de pedir ao tribunal, mais uma vez, que desmembrasse o processo do mensalão, mantendo apenas os réus com foro privilegiado na Ação Penal nº 470 e remetendo os demais à primeira instância da Justiça Federal. O argumento usado para sustentar sua tese foi o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil em 1992. O pacto foi assinado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e prevê, entre outras obrigações, a garantia de que réus em ações penais tenham direito ao duplo grau de jurisdição.

Embora alguns ministros estejam preocupados com a possibilidade de que a decisão do mensalão seja contestada na Corte da OEA, nem sempre foi assim. Embora o Supremo tenha acatado suas recomendações em algumas oportunidades - como no caso do direito de apelar em liberdade e da proibição da prisão de depositário infiel -, já houve situações em que simplesmente ignorou o tribunal internacional.

Quando considerou constitucional a Lei de Anistia, em uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Supremo teve sua decisão levada à Corte Internacional de Direitos Humanos, sob a alegação de que descumpriu o Pacto de São José da Costa Rica ao validar a anistia a militares que cometeram crimes durante a ditadura. Em 2010 o Brasil foi condenado pela corte internacional por não punir os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas entre 1972 e 1974 na Guerrilha do Araguaia. Na época presidente do STF, Cezar Peluso disse que a condenação do país na corte internacional "não revoga, não anula, não caça a decisão do Supremo". Em outras palavras, afirmou que, em termos de legislação interna, quem manda é o Supremo.



Fonte: Cristine Prestes - De São Paulo; Jornal Valor Econômico, Política. Clipping AASP, 20/08/12.

Nenhum comentário:

Postar um comentário