quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Alimentos compensatórios e o equílibrio econômico- Com a ruptura matrimonial ou da união estável

RESUMO
O presente artigo tece comentários sobre a natureza indenizatória dos alimentos, denominados, compensatórios, já solidificados no direito comparado europeu. Defende a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, como alternativa de amenizar o desequilíbrio econômico gerado pela brusca perda do padrão socioeconômico, sofrido pelo cônjuge ou companheiro com o término do relacionamento, desde que respeitadas as especificidades do caso concreto e pautada pela observância dos princípios constitucionais que regem o Direito de Família.
 
ABSTRACT
The present article make comments about the compensatory nature of alimony, called, compensatory, already solidified in European comparative law. Defends your applicability in the Brazilian law, as an alternative to mitigate the economic disequilibrium generated by the sudden loss of socioeconomic level, suffered by spouse or domestic partner with the ending of the relationship, in compliance with the specificities of the case and guided by observance of the constitutional principles which rule Family Law.
 
PALAVRAS-CHAVE:
Alimentos compensatórios. Equilíbrio financeiro. Natureza indenizatória.
 
KEYWORDS:
Compensatory food. Financial balance. Compensatory nature.
 
SUMÁRIO: Introdução. 1Alimentos: breves comentários. 2 Alimentos transitórios: uma alternativa razoável. 3 Alimentos compensatórios: prestação de natureza indenizatória. Considerações finais. Referências.
 
 
INTRODUÇÃO
 
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/1988) proclamou a completa paridade jurídica dos gêneros sexuais (artigo 5º, I) e a igualdade entre cônjuges, e, por analogia, entre conviventes (artigo 226, §5º).
Entretanto, a prática social é bem distinta. Sabe-se que a distribuição de renda melhorou, mas o desequilíbrio entre homens e mulheres é muito significativa. Ainda hoje, o gênero feminino, em maior proporção que o masculino, tem abdicado de sua possibilidade de ascender educacional e profissionalmente em favor da manutenção do casamento ou da união estável, bem como da criação e educação dos filhos.
Ao término do relacionamento, essas pessoas experimentam um abrupto desequilíbrio econômico-financeiro, de difícil resolução através da fixação de alimentos oriundos do dever de alimentar, existente entre cônjuges e companheiros.
Como alternativa para amenizar esse problema tão complexo e recorrente, o direito comparado, a título de exemplo, o francês e o espanhol, tem se utilizado do instituto dos alimentos compensatórios, como forma de se compensar o parceiro prejudicado economicamente com o término do casamento ou da união estável.
 
 
1 ALIMENTOS: BREVES COMENTÁRIOS
 
Alimentos, em sentido amplo, e à luz do artigo 1º, inciso III, da CRFB/1988, compreendem todo o necessário para que a pessoa tenha uma existência digna, satisfazendo suas necessidades físicas, psíquicas e intelectuais.
A obrigação de alimentar decorre da lei (nos casos de parentesco, matrimônio ou união estável), da vontade (instituída por disposição testamentária ou estipulação contratual inter vivos) ou de ato ilícito (ressarcimento de danos).
A pessoa é o principal responsável pelo seu sustento, que é alcançado primordialmente pelo trabalho. O Estado brasileiro incentiva e garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (CRFB/1988, artigo 5º., XIII).
Outro posicionamento não se poderia esperar do Constituinte, uma vez que a República Federativa do Brasil fundamenta-se no princípio da dignidade humana (e nele tem o seu vetor axiológico) e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CRFB/1988, artigo 1º, III e IV).
Entretanto, quando uma pessoa não tem condições de manter sua própria subsistência, seja em razão de incapacidade jurídica, física ou mental, cabe aos familiares e, subsidiariamente, ao Estado, fazê-lo. Tal obrigação decorre do princípio da solidariedade, seja familiar, no primeiro caso, ou o pautado no objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, no caso estatal (CRFB/1988, artigo 3º, I).
Por ter natureza assistencialista, já que visa a proteção da vida e da dignidade do alimentado, os alimentos possuem características próprias que os distinguem das demais obrigações civis. Consoante o artigo 1.707 do Código Civil Brasileiro, de 2002 (CC/2002), os alimentos são irrenunciáveis e insuscetíveis de cessão, compensação ou penhora.
A obrigação de prestar alimentos, no âmbito do Direito de Família, decorre do dever de assistência entre as pessoas unidas pelos laços do parentesco, do matrimônio ou da união estável.
A CRFB/1988, em seu artigo 226, erigiu a família à base da sociedade e concedeu-lhe especial proteção. Pautada pelo princípio da solidariedade, a entidade familiar passa a ser “o primeiro instrumento de proteção e desenvolvimento dos membros que a compõem” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 389), tendo como mola propulsora o afeto.
No ordenamento jurídico brasileiro vige o dever de mútua assistência, tanto no casamento como na união estável (artigos 1.566, III e 1.724, respectivamente, ambos do CC/2002). Nas palavras de Rolf Madaleno, assistência é “o socorro mútuo que os cônjuges e conviventes devem respeitar e se ajudar reciprocamente, atuando sempre no interesse da família, que segue unida e solidária” (MADALENO, 2007, p. 18).
Entretanto, ao findar-se o vínculo entre cônjuges e companheiros, a mútua assistência cede lugar à obrigação alimentar, tutelada pelo artigo 1.694 do CC/2002.
O CC/2002 inovou ao englobar num único dispositivo (artigo 1.694) o dever de prestar alimentos, seja entre parentes, cônjuges ou companheiros, e ao determinar que os mencionados alimentos devam propiciar os recursos necessários, para que o alimentado tenha uma vida “compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
O artigo 1.704 do CC/2002 traz em seu bojo que, o “culpado” pelo término do vínculo afetivo somente poderá preitear do seu cônjuge os alimentos indispensáveis à sua sobrevivência, desde que não haja parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para qualquer tipo de trabalho que lhe garanta a sua mantença.
Todavia, o Direito de Família, que se engaja na luta pelo direito de que homens e mulheres sejam felizes, independentemente dos vínculos afetivos que venham estabelecer, caminha, a passos largos, à luz da CRFB/1988, para que os alimentos sejam arbitrados com fundamento apenas no binômio - necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante, sem qualquer discussão de culpa na seara do término do relacionamento.
Entende-se, portanto, que, após a Emenda Constitucional no. 66 (EC no. 66/2010) que sepultou o instituto da Separação (mesmo com opiniões contrárias) e com ele, prazos e atribuição de culpa pelo fim do afeto, o mencionado artigo 1.704 passou a ser eivado de inconstitucionalidade.
A doutrina e a jurisprudência pátria entendem que os alimentos são devidos ao ex-cônjuge ou ex-companheiro enquanto subsistir a necessidade de mantença do mesmo, cabendo ao alimentando, nesses casos, utilizar-se de todos os meios possíveis para prover o seu próprio sustento, sob pena de incentivo ao ócio e ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, como já exposto acima. Esses alimentos são denominados “alimentos transitórios”.
 
2 ALIMENTOS TRANSITÓRIOS: UMA ALTERNATIVA RAZOÁVEL
 
Apesar de não existir expressa previsão legal, os alimentos transitórios encontram grande receptividade na doutrina e jurisprudência do país por ser benéfico tanto para o alimentante, como para o alimentando, além de sua consonância com o princípio da razoabilidade. O alimentante não se vê obrigado a sustentar o alimentando de modo vitalício, quando o destinatário dos alimentos reúne condições de trabalhar pelo seu próprio sustento. E o alimentando tem o seu sustento assegurado pelo prazo necessário para que o possa firma-se no mercado de trabalho e manter-se por conta própria.
A seguir, a título ilustrativo, a ementa de dois julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG:
 
AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS - NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO VALOR DA VERBA ALIMENTAR NÃO COMPROVADA - ALIMENTOS TRANSITÓRIOS - POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A falta de provas sobre a incapacidade de ingresso da ré no mercado de trabalho torna imperiosa a redução do encargo alimentar custeado por seu ex-esposo, inclusive a limitação temporal do pensionamento, sob pena de se incentivar o ócio da alimentanda. (Processo no. 1.0145.10.023582-2/001. Relator: Desembargador. Edilson Fernandes. Data do Julgamento: 10/07/2012. Data da Publicação: 20/07/2012). (Grifou-se).
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. ALIMENTOS TRANSITÓRIOS PARA EX-CÔNJUGE. NECESSIDADE COMPROVADA. BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. - Os alimentos provisórios têm a finalidade de atender às necessidades básicas do alimentado enquanto durar o processo, levando-se em conta a particular urgência de que se reveste tal direito em assegurar a subsistência daquele. -Tratando-se de ex-cônjuge serão devidos os alimentos transitórios estipulados por prazo determinado a fim de que este possa ingressar no mercado de trabalho e prover seu próprio sustento.(Processo no. 1.0016.11.007799-3/001. Relator: Desembargador Belizário de Lacerda. Data do Julgamento: 13/03/2012. Data da Publicação: 30/03/2012). (Grifou-se).
 
Note-se que a denominação “transitória”, guarda relação com o fato de que a prestação alimentar projeta-se em prazo determinado ou condiciona-se à ocorrência de uma circunstância específica.
Assim, transcorrido o prazo fixado ou alcançada a situação projetada, extingui-se, automaticamente, a obrigação alimentar, independentemente de requerimento de ação de revisão ou exoneração de alimentos.
Os alimentos “transitórios” não se confundem com os “provisórios” (oriundos da Lei no. 5.478/68), nem tão pouco com os “cautelares”, também denominados de “provisionais”. Os alimentos provisórios e provisionais são fixados initio litis, numa análise perfunctória dos fatos, até que se apure, com maior exatidão, após a fase instrutória, as necessidades do alimentando e as possibilidades financeiras do alimentante. Tal decisão tem como fundamento o fato de que a manutenção da vida do destinatário da prestação alimentícia não pode esperar pela morosa prestação jurisdicional. Já os alimentos transitórios nascem de sentença judicial ou acordo alimentar. “Com a sentença transitada em julgado, os alimentos provisórios transformam-se em definitivos, mas serão transitórios se a sentença fixar tempo certo para a sua concessão” (MADALENO, 2004, p. 581).
 
3 ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS: PRESTAÇÃO DE NATUREZA INDENIZATÓRIA
 
Sabe-se que, na constância do casamento ou da união estável, é a união de esforços que possibilita a um casal atingir um determinado padrão de vida. Logo, extinto tal vínculo, a alteração financeira é decorrência inevitável.
Tal alteração financeira ainda é sofrida mais bruscamente pelas mulheres. Apesar de 39% (trinta e nove por cento) das famílias serem sustentadas financeiramente pelo gênero feminino e, não obstante, tenham conquistado importante espaço no mercado de trabalho e possuam maior grau de escolaridade, as mulheres chegam a receber 30% (trinta por cento) a menos que os homens, ao exercerem a mesma função com carteira assinada.[1]
Pode-se afirmar, desse modo, que a dissolução do casamento ou da união estável é fator de real mudança, tanto psicológica como financeira, na vida dos cônjuges ou companheiros. Esse fato corriqueiro, todavia, não tem relevância para o ordenamento jurídico.
A relevância jurídica aparece tão somente quando, no caso de separação de bens, um dos cônjuges ou companheiros, seja por força de lei (artigo 1.641 do CC/2002, que impõe a adoção do regime de separação total de bens) ou pela vontade expressa do casal (porque não houve constituição de patrimônio na constância da união, ou porque o regime matrimonial livremente adotado em pacto antenupcial de separação convencional afasta a comunicação final de bens), não recebe qualquer retribuição patrimonial, gerando brusca perda do padrão socioeconômico daquele desprovido de razoável condição financeira.
Nesses casos, a legislação comparada, especialmente a francesa e a espanhola, tem outorgado ao cônjuge o direito de receber uma compensação econômica, uma indenização, sempre que houver acentuado desequilíbrio econômico-financeiro ao tempo da ruptura do casamento. Esse instituto tem sido denominado pela doutrina de “alimentos compensatórios”.
Apesar do direito comparado mencionar apenas o casamento, entende-se que a prestação compensatória também é aplicável à união estável.
Não se busca, por meio dos alimentos compensatórios, igualar economicamente aqueles que foram casados, e, sim, reduzir os nefastos efeitos causados pela repentina e acentuada alteração no padrão de vida de um dos cônjuges ou companheiros. Mesmo porque, a desigualdade financeira já existia durante a constância do casamento ou da união estável, mas era suprida pelo dever de assistência do parceiro.
Os alimentos compensatórios não são pautados pela discussão de culpa pela dissolução do matrimonio ou da união estável, pelo simples fato de que não se trata de indenizar pela violação de deveres conjugais ou de convivência, ou de se penalizar alguém pelo rompimento do vínculo afetivo. Destina-se a compensar o parceiro prejudicado economicamente. Sopesa-se apenas “o que cada um já possuía, perdeu ou deixou de produzir em função do relacionamento” (MADALENO, 2010, p. 20).
O direito francês admite que o cônjuge atingido pela perda do padrão socioeconômico seja credor dos alimentos compensatórios, ainda que exerça atividade remunerada de onde retira seu sustento.
 
A pensão compensatória não depende de prova da necessidade, porque o cônjuge financeira e economicamente desfavorecido com a ruptura do relacionamento pode ser credor dos alimentos mesmo tendo meios suficientes para sua manutenção pessoal, pois o objeto posto em discussão é a perda da situação econômica que desfrutava no casamento e que o outro continua usufruindo. (MADELENO, 2010, p. 22).
 
A concessão de alimentos também não obsta o pagamento, concomitante, da prestação compensatória, desde que comprovado o binômio necessidade/possibilidade.
Os alimentos compensatórios, ao contrário dos transitórios, não são fixados por prazo determinado. Uma vez constatado que se restaurou o equilíbrio econômico-financeiro, é necessário sentença ou acordo entre as partes para se fazer cessar a prestação.
Não se deve confundir, ainda, alimentos compensatórios com a renda líquida repassada ao cônjuge ou companheiro pelo outro que se encontra, provisoriamente, na administração do patrimônio comum. Isso porque, a administração do patrimônio por apenas um dos parceiros, tem natureza transitória, que subsistirá apenas até a partilha definitiva de bens. Já a prestação compensatória pressupõe uma partilha definitiva, na qual, um dos cônjuges ou companheiros, sofra um dano objetivo na sua condição socioeconômica.
Assim como as demais prestações alimentícias previstas no ordenamento jurídico brasileiro, os alimentos compensatórios podem dar origem à constituição de capital, para se assegurar o pagamento mensal da pensão, nos termos do artigo 475-Q do Código de Processo Civil Brasileiro (CPC).
Observa-se, portanto, que a prestação compensatória não tem caráter alimentar-assistencial e, desse modo, suas características diferem dos alimentos tradicionais (CC/2002, artigo 1.707), sendo passível de renúncia, cessão, compensação ou penhora.
Pelo mesmo motivo, o inadimplemento da pensão compensatória não justifica a decretação da prisão do devedor, prevista no artigo 733, § 1º, do CPC.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Apesar de não haver previsão expressa no ordenamento jurídico pátrio, entende-se ser aplicável, no Brasil, a teoria dos alimentos compensatórios, como forma objetiva de se restabelecer o equilíbrio econômico abalado com a ruptura matrimonial ou da união estável.
Ressalva-se, porém, que é imprescindível analisar a situação econômico-financeira de cada um dos cônjuges ou companheiros no início da vida em comum, contrabalanceando o patrimônio inicial de ambos ou que se perdeu ou deixou de auferir em virtude do vínculo afetivo, sob pena de se ferir o princípio da razoabilidade e transformar os alimentos compensatórios em apólice de seguro contra divórcio ou dissolução de união estável.
Desse modo, caberão aos intérpretes do direito conferir aplicabilidade e efetividade ao mencionado instituto, pautando sua conduta pelos princípios constitucionais em que se fundamentam o ordenamento jurídico brasileiro.
 
REFERÊNCIAS
 
ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil – famílias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MADALENO, Rolf. A desigualdade conjugal do Código Civil. In: Revista do Advogado – Família e Sucessões. n. 112. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, julho, 2011, p. 151-161.
________. Obrigação, dever de assistência, e alimentos transitórios. In: Afeto, Ética, Família e o novo Código Civil. (Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira). Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 565-591.
________. Responsabilidade civil na conjugalidade e alimentos compensatórios. In: Revista brasileira de direito das famílias e sucessões. n. 13. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, dezembro/janeiro, 2010, p. 5-29.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – direito de família. v. 5. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
 
SITES:
http://www.tjmg.jus.br/, acessado em 27 de agosto de 2012, às 14h.
http://www.brasil.gov.br/secoes/mulher, acessado em 27 de agosto de 2012, às 18h.

FONTE: IBDFAM

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