quarta-feira, 21 de maio de 2014

Parte II - O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistência do Judiciário: nós, os revolucionários

No artigo anterior apresentamos o grande golpe que os bancos praticam nos contratos de financiamento com seus consumidores. Muito obrigado pela sua participação na discussão do tema, grandes guerreiros.
Uma vez descoberta a existência do golpe, não é preciso ser nenhum John Nash para seguir o raciocínio — ou talvez seja necessário, sim, porque mesmo magistrados têm dado resposta insatisfatória à demanda.
Demonstrarei as sentenças que vêm sendo proferidas nos casos de que tomei conhecimento.
Antes de chegar às decisões, veja, parcela a parcela, como fica o rombo contratual com o valor errado da prestação exigida pelo banco:

Dados do contrato:

O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios.

Demonstrativo da execução do contrato (note o rombo ao final):

O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios
Neste artigo, por questão de tamanho das imagens, foram omitidas as parcelas intermediárias; baixe a planilha completa no link logo abaixo.

Demonstração do pagamento correto:

O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios
Para conferir na íntegra, acesse o site Advocacia Kamel e clique em "Demonstração do golpe bancário nos contratos de financiamento" para baixar o arquivo do Excel.Nas planilhas desse arquivo, você pode verificar as fórmulas utilizadas e lançar valores para experimentar, pois o cálculo é automático.

Da defesa intentada pelos bancos

Como têm reagido os bancos com o pleito de correção do cálculo? Ora, da única maneira que poderia ser diante de um fato irredarguível: com todas as armas em direito permitidas, nenhuma apta a ameaçar a tese de golpe, apenas tangenciando a questão ou caindo em debates inóspitos. Mesmo assim, eles têm tido sucesso.
Por exemplo, em contestação já foi alegado que o cálculo não bate porque deve ser aplicado mensalmente o Custo Efetivo Total (CET), e não os juros remuneratórios, sobre o valor financiado. Trata-se de alegação contrária ao contrato, o qual prevê expressamente a incidência dos juros remuneratórios (veja artigo anterior), e, ainda, a natureza jurídica da CET é a de informação, não uma taxa (veja explicação e resolução do Banco Central). Esse absurdo jurídico se desvela ainda pelo fato de que o cálculo com o CET fica ainda mais distante do que é cobrado no contrato.
Veja a contestação advinda de um grande banco nacional (grifos meus, e transcrição literal do texto abaixo da imagem)
O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios
II – DA REALIDADE DOS FATOS:
2.1. DA REGULARIDADE DO VALOR DAS PARCELAS – AUSÊNCIA DE FRAUDE
Em sua inicial autor alega que o valor da parcela de R$1.080,19, cobrado em contrato, é fraudulento. Apresenta cálculo feito na “calculadora do cidadão”, disponibilizada no site do Banco Central do Brasil, demonstrando que o valor correto deveria ser R$1.074,97.
Contudo esta alegação não é verdadeira. Tendo em vista que no cálculo apresentado pelo autor, vê-se que este utilizou no “Campo” Juros o valor presente no contrato referente a “juros Remuneratórios” de 1,56%, o que está incorreto, tendo em vista que o que deve ser considerado como juros é o valor referente ao CET (custo efetivo Total do contrato) que no caso em apreço é de 1,71 % e não simplesmente o juros remuneratório.
Assim sendo, não há o que se falar em fraude no contrato, ou cobrança indevida. Cabe destacar que utilizando a mesma ferramenta de cálculo utilizada pelo autor, vê-se que o valor da parcela cobrado de R$1.080,19 (mil e oitenta reais e dezenove centavos), é ainda abaixo do devido, que conforme cálculo correto, utilizando o juros do CET contratual de 1.71% ao mês, seria de R$1.109,50 (mil cento e nove reais e cinquenta centavos). Segue cálculo abaixo:
[imagem da Calculadora do Cidadão com o dado da CET, conforme acima]
Ou seja o banco Réu, não cobrou valor a maior nas parcelas, pois o valor utilizado no cálculo apresentado pelo autor foi o de juros remuneratórios de 1,56% ao mês, sendo desconsiderado o Valor do CET de 1,71 % ao mês, descrito no contrato assinado, o que é totalmente incorreto, não tendo cabimento o cálculo apresentado pelo Autor. Descaracterizando assim qualquer ato ilícito cometido pelo Banco Réu.
Perceba-se que, com base cálculo realizado pelo banco, tentando demonstrar a incidência mensal do CET, destoante de todo o resto, a única alegação possível é absurda (mas foi trazida pelo banco): na verdade, não estava enganando ninguém, pelo contrário, cobrava R$ 30,00 (trinta reais) a menos por mês do que o seria devido.

Nos juizados especiais, perde o consumidor

É tão clara e comprovada a inexatidão dos cálculos que até mesmo o Juizado Especial poderia julgar de forma justa em menos tempo do que tradicionalmente se julga a culpa por um acidente de trânsito.
Mas não é o que acontece
Há casos de juízes de direito no juizado especial extinguirem o processo por inadmissibilidade do procedimento sumariíssimo, sob a alegação de complexidade da matéria e suposta exigência de análise da integralidade do contrato.
Veja abaixo um caso perante o JEC (sobre o mesmo contrato acima)contra um grande banco nacional. Não houve pedido de perícia e ambas as partes já juntaram cálculo 100% líquido e realizado pela mesma ferramenta, a referida Calculadora do Cidadão, criada e disponibilizada pelo Banco Central.
A juíza já havia deferido no despacho inicial a inversão do ônus da prova, mas, em audiência, a juíza leiga elaborou projeto de sentença com o seguinte teor (grifos meus, transcrição abaixo da imagem):
O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios
4. DEBATES ORAIS: A parte autora argumenta que o caso em testilha não se trata matéria revisional, na medida em que pugna-se pela aplicação do índice de juros contratado (1.56%) mensais, por outro lado a controvérsia cinge-se em que a parte ré acredita que se deve aplicar sobre o valor financiado o custo efetivo total (1,71% ao mês). Esclarece que ambas as partes juntaram cálculos das alíquotas propugnadas. Destaca que a ferramente utilizada para o cálculo foi a mesmas, que é a "Calculadora do Cidadão'' disponibilizada no site do Banco Central. A parte ré por sua vez argumenta no sentido de que a simples utilização da Calculadora do Cidadão não a complexidade da causa, pois ainda discute-se qual o índice correto a ser aplicado gerando assim uma modificação no resultado final do contrato. Por fim, o cálculo da incidência de juros mês a mês sobre as parcelas estipulados em contrato, mereceriam criteriosa análise contábil o que não é viável em sede de Juizado Especial Cível. Ante o exposto, declaro extinto o processo sem resolução do mérito […].
Ante a decisão, parece ser perda de tempo levar a questão ao JEC, ao menos enquanto não pacificada a matéria.

No juízo comum, não há maior sorte

A sorte está ao lado dos bancos também no juízo comum. Os magistrados têm optado pela aplicação rasa do princípio pacta sunt servanda ou pelo entendimento de que, se está no contrato, não há que se falar em golpe.
A sentença abaixo, advinda de vara do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, sequer analisou o mérito, isto é, ignorou se o cálculo praticado pelo Banco Réu foi correto ou não:
O grande golpe dos bancos nos contratos de financiamento e a resistncia do Judicirio parte 2 Ns os Revolucionrios
Verbatim: " [...] tendo o réu cobrado o pactuado, não que se falar em cobranças a maiores. " Será que não?
Não sabemos se se trata de real convencimento, desconhecimento do tema ou verdadeiro receio de julgar. Nós, guerreiros, seguimos em frente.

Conclusão

Se podemos encontrar julgadores inseguros, ou desinteressados, ou com uma perspectiva radicalmente dissonante da nossa, cabe a nós advogados coibirmos o golpe e defendermos as pessoas que confiam em nós a proteção dos seus direitos.
Ainda que os valores não sejam muito altos, sanar essa fraude é concretizar mais um passo de justiça e impedir mais uma espécie de abuso que no Brasil conseguiu ficar incólume até agora.
“O que deve ser ativamente destruído precisa antes ter sido sustentado com firmeza total; o que desmorona desmorona, mas não pode ser destruído.” (Franz Kafka)
No próximo artigo da série, discutiremos a forma de pleitear a restituição e os danos morais decorrentes do golpe.
Antoine Youssef Kamel
Publicado por Antoine Youssef Kamel
Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). Fluente em inglês, certificado pela Cultura Inglesa. Cursando MBA em.

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