terça-feira, 29 de julho de 2014

A Prova Desconsiderada e o Recurso Especial

São por demais preocupantes as decisões de segundo grau que adentram nas questões de fato, pois os recursos que ensejam a discussão da matéria, nesse estágio do processo, praticamente terminaram com a interposição da apelação, pois às instâncias superiores somente é dado examinar, discutir e julgar questões de direito, sejam as infraconstitucionais, sejam as constitucionais, sendo expressivo o número de decisões que vedam, diariamente, a subida do especial e também do extraordinário por esbarrarem no enunciado das súmulas 279 e 7, respectivamente do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, ambas no sentido de obstar a subida do recurso para simples reexame de provas.
A discussão dessa temática, praticamente em última instância, é tentada, muito amiúde, pela via dos embargos declaratórios, fundados em omissão (art. 535, II, do CPC) quanto à interpretação dos fatos, quer, ainda, em função do não exame de fatos e provas que poderia ser objeto de reclamo nessa fase, de vez que os declaratórios integram ainda o rol dos recursos ordinários, nos quais há amplitude na devolução da matéria suscetível de exame. Se persistir a omissão, depois do julgamento dos embargos, evidente que não se exclui a possibilidade do especial por afronta ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, destacando-se o quanto não foi apreciado, não para que o Superior Tribunal de Justiça examine, mas para que constate a importância da matéria e, então, anule a decisão dos embargos, determinando novo julgamento.
Decisão da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (embargos de declaração nº 0017299-38.2010.8.26.0099/50000, rel. MENDES PEREIRA, julgamento em 18.04.2012) permite que se abra outra vertente acerca do problema, fazendo-se a distinção entre o fato, cuja prova foi examinada ou valorada erroneamente, e o fato negado pela decisão por não ter o julgado examinado a prova que se apresentou. No caso, o relatório noticia a irresignação da parte, que até buscava a modificação do julgado proferido na apelação, porque não teria sido vista a prova da existência de uma anterior ação anulatória, que influiria no julgamento do recurso em questão.
O simples não exame da prova comporta outro enquadramento, que não somente aquele da omissão no julgamento dos embargos de declaração. Nesse sentido, é de se ter presente que o art. 131 do Código de Processo Civil impõe ao magistrado, no julgamento e para a formação de sua convicção, atender aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, embora tenha a liberdade de apreciar as provas. Isso, de um lado, importa em se impedir o juiz de concluir e decidir com elementos não constantes dos autos, mas, de outro, lhe impede também de meramente desprezar o quanto consta dos autos, quer refutando provas sem justificar, ou seja, sem motivar, quer ainda não vendo o que dos autos consta.
A livre apreciação das provas é verdade que confere um grande poder ao juiz, porém não lhe retira a obrigação de ser fiel ao quanto dos autos consta, não podendo simplesmente desprezar o que deles faz parte e, menos ainda, deixar de ver o que nos autos se encontra, de modo que, se a prova existir, ele poderá desconsiderá-la, porém justificando a razão da desconsideração, demonstrando, portanto, ter conhecimento de sua existência nos autos.
Em sendo a prova ignorada, o magistrado relator - e essa é uma questão crucial acerca da responsabilidade em tese dos demais integrantes de órgãos colegiados por erro de julgamento - tem a possibilidade de induzir a erro seus pares, dizendo que não existe o que efetivamente existe, ou seja, deixando de atender aos fatos e fundamentos constantes dos autos.
Nessa linha de consideração, não se trata de buscar rever provas, o que se impede seja feito no âmbito dos recursos de estrito direito, como é o caso do especial, pois isso toca com a valoração da prova, a qual marca e define a livre convicção do julgador. No caso em que não se considera a prova constante dos autos, se trata de deficiente visualização do juiz sobre o que consta dos autos, hipótese que nada tem com as súmulas n. 7 e 279. A não percepção tangencia o que se permite discutir pela via da ação rescisória (art. 485, IX, §§ 1º e 2º, do CPC), de vez que se considera erro de fato, haver se considerado inexistente algo que efetivamente existia no processo.
Tivesse o julgador constatado que havia nos autos a prova, mas não a achou correta ou suscetível de a ele efetivamente convencer, a questão seria de valoração da prova e, assim, surgiria o óbice da súmula nº 7, pois se estaria querendo rever o que foi examinado. Todavia, se simplesmente se ignorou o que dos autos fazia parte, não se valorando aquilo exatamente porque não foi visto, por mais absurdo que isso possa parecer, a questão é outra.
SÉRGIO RIZZI, tratando da ação rescisória, fornece elementos que bem permitem aquilatar o que se passa em questões dessa ordem, evidenciando que é algo diferente da valoração da prova. Fá-lo, inclusive, à luz da jurisprudência italiana, que bem enfatiza ser tudo um engano material: "O erro de fato se substancia na falta de percepção ou falsa percepção a respeito da existência ou inexistência de um fato incontroverso e essencial à alteração do resultado da decisão; uma e outra, na sua materialidade, emergentes dos autos do processo onde foi proferida a decisão rescindenda e configuradas, respectivamente, 'por uma falha que escapou à vista do juiz no compulso dos autos do processo' ou por suposição inexata" (Ação rescisória, Revista dos Tribunais, 1979, n. 69, pág. 117). Dá-se, pois, um engano material.
Portanto, há desrespeito à lei, na medida em que não se tomou em consideração, como determina o art. 131 do Código de Processo Civil, os fatos e as circunstâncias constantes dos autos, notadamente aquilo que, no sentir da parte, teria potencialidade de desmentir, expressamente, o quanto disse a decisão. Destarte, constatada a existência do que não se viu, evidencia-se o desrespeito ao art. 131 da Lei de Processo, de modo a ensejar a interposição de recurso especial.
Interessante indicar-se que, diante de recurso especial nesse sentido, cumprirá à Corte Superior perlustrar os fatos não para examiná-los e avaliá-los, com o que estaria fazendo o seu reexame (embora exame não tivesse havido), mas, sim, para constatar que existem elementos de fato que não foram considerados, de modo a justificar a anulação do decidido para que novo julgamento tenha lugar, considerando aquilo que antes não fora considerado.
A livre convicção há, pois, de ser vista como um dever do juiz que, embora tenha o poder de livremente formar o seu convencimento, tem a obrigação de mostrar que viu tudo quanto existia nos autos e justificar, então, porque não se convenceu com o quanto viu. Simplesmente não ver e, além disso, porque não viu, retirar o direito de se indicar a existência do que não foi visto, seria instaurar-se o arbítrio dos olhos fechados, o que afetaria a própria credibilidade da Justiça.
Fonte: LEXMAGISTER

Link> http://www.lex.com.br/doutrina_25768422_A_PROVA_DESCONSIDERADA_E_O_RECURSO_ESPECIAL.aspx

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