O Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a política de cotas
étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília
(UnB). Por unanimidade, os ministros julgaram improcedente a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada na Corte
pelo Partido Democratas (DEM).
Os ministros
seguiram o voto do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski. Na
sessão da última quarta-feira (25), em que foi iniciada a análise da
matéria, o relator afirmou que as políticas de ação afirmativa adotadas
pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado, e têm
o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas.
Além disso, segundo ele, os meios empregados e os fins perseguidos pela
UnB são marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as políticas
são transitórias, com a revisão periódica de seus resultados.
"No
caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para
estudante negros e 'de um pequeno número delas' para índios de todos os
Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver,
providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados
desideratos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de
Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se
também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da
Constituição", afirmou o ministro Lewandowski.
Pedido do DEM
Na
ação, ajuizada em 2009, o DEM questionou atos administrativos do
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília
(Cepe/UnB) que determinaram a reserva de vagas oferecidas pela
universidade. O partido alegou que a política de cotas adotada na UnB
feriria vários preceitos fundamentais da Constituição Federal, como os
princípios da dignidade da pessoa humana, de repúdio ao racismo e da
igualdade, entre outros, além de dispositivos que estabelecem o direito
universal à educação.
Votos
Todos
os ministros seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Primeiro
a votar na sessão plenária de ontem (26), na continuação do julgamento,
o ministro Luiz Fux sustentou que a Constituição Federal impõe uma
reparação de danos pretéritos do país em relação aos negros, com base no
artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal,
que preconiza, entre os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Para
ele, a instituição de cotas raciais dá cumprimento ao dever
constitucional que atribui ao Estado a responsabilidade com a educação,
assegurando "acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um".
A
ministra Rosa Weber defendeu que cabe ao Estado "adentrar no mundo das
relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade
formal volte a ter o seu papel benéfico". Para a ministra, ao longo dos
anos, com o sistema de cotas raciais, as universidades têm conseguido
ampliar o contingente de negros em seus quadros, aumentando a
representatividade social no ambiente universitário, que acaba se
tornando mais plural e democrático.
Já a ministra
Cármen Lúcia Antunes Rocha destacou que o sistema de cotas da UnB é
perfeitamente compatível com a Constituição, pois a proporcionalidade e a
função social da universidade estão observadas. "As ações afirmativas
não são a melhor opção, mas são uma etapa. O melhor seria que todos
fossem iguais e livres", apontou, salientando que as políticas
compensatórias devem ser acompanhadas de outras medidas para não
reforçar o preconceito. Ela frisou ainda que as ações afirmativas fazem
parte da responsabilidade social e estatal para que se cumpra o
princípio da igualdade.
Ao concordar com o relator,
o ministro Joaquim Barbosa afirmou que o voto do ministro Lewandowski
praticamente esgotou o tema em debate. Ressaltou, porém, que "não se
deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na
era contemporânea, nenhum exemplo de nação que tenha se erguido de uma
condição periférica à condição de potência econômica e política, digna
de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano
doméstico, uma política de exclusão em relação a uma parcela expressiva
da sua população".
Na sequência da votação, o
ministro Cezar Peluso afirmou que é fato histórico incontroverso o
déficit educacional e cultural dos negros, em razão de barreiras
institucionais de acesso às fontes da educação.
Assim,
concluiu que existe "um dever, não apenas ético, mas também jurídico,
da sociedade e do Estado perante tamanha desigualdade, à luz dos
objetivos fundamentais da Constituição e da República, por conta do artigo 3º da Constituição Federal".
Esse dispositivo preconiza uma sociedade solidária, a erradicação da
situação de marginalidade e de desigualdade, além da promoção do bem de
todos, sem preconceito de cor.
O ministro Gilmar
Mendes reconheceu as ações afirmativas como forma de aplicação do
princípio da igualdade. Destacou em seu voto que o reduzido número de
negros nas universidades é resultado de um processo histórico,
decorrente do modelo escravocrata de desenvolvimento, e da baixa
qualidade da escola pública, somados à "dificuldade quase lotérica" de
acesso à universidade por meio do vestibular. Por isso, o critério
exclusivamente racial pode, a seu ver, resultar em situações
indesejáveis, como permitir que negros de boa condição socioeconômica e
de estudo se beneficiem das cotas.
Também se
pronunciando pela total improcedência da ADPF 186, o ministro Marco
Aurélio disse que as ações afirmativas devem ser utilizadas na correção
de desigualdades, com a ressalva de que o sistema de cotas deve ser
extinto tão logo essas diferenças sejam eliminadas. "Mas estamos longe
disso", advertiu. "Façamos o que está a nosso alcance, o que está
previsto na Constituição Federal."
Decano do STF, o
ministro Celso de Mello sustentou que o sistema adotado pela UnB
obedece a Constituição Federal e os tratados internacionais que tratam
da defesa dos direitos humanos. "O desafio não é apenas a mera
proclamação formal de reconhecer o compromisso em matéria dos direitos
básicos da pessoa humana, mas a efetivação concreta no plano das
realizações materiais dos encargos assumidos".
Encerrando
o julgamento, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, afirmou que
a Constituição legitimou todas as políticas públicas para promover os
setores sociais histórica e culturalmente desfavorecidos. "São políticas
afirmativas do direito de todos os seres humanos a um tratamento
igualitário e respeitoso. Assim é que se constrói uma nação", concluiu.
O ministro Dias Toffoli se declarou impedido e não participou do julgamento.
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