terça-feira, 31 de julho de 2012

Câmara mobiliza-se para confrontar a OAB

A Câmara dos Deputados articula um movimento para fragilizar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele consiste em avançar na tramitação do projeto que acaba com a exame para o exercício da profissão, bem como no recolhimento de assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) "da OAB". Seu objeto seria a investigação de fraudes no exame e a movimentação financeira da entidade, que não tem fiscalização dos tribunais de contas. 

Essas articulações podem até não avançar, mas já influem na eleição da instituição no final deste ano e a provável inviabilidade política de seu presidente, Ophir Cavalcante, se reeleger. Dentro do órgão, inclusive, já se fala no nome do sucessor, o secretário-geral Marcus Vinícius Furtado Coelho. 

A avaliação é de que, desde quando Ophir Cavalcante assumiu a presidência da OAB, em janeiro de 2010, parlamentares aguardam a hora de dar o troco às inúmeras declarações consideradas ofensivas à classe política. Recentemente, ele afirmou que o Congresso se tornou um "pântano". Na sua posse, pediu "vergonha na cara" e disse ser necessário sanear o ar da política, "hoje irrespirável". Citou ainda "dinheiro em meias, em cuecas, em bolsas, oração para agradecer a propina recebida". Mirou a todos, mas a menção à reza foi direta a um ex-deputado distrital evangélico de Brasília, flagrado em um vídeo fazendo uma oração após receber uma quantia de dinheiro. 

Os religiosos anotaram o recado e o movimento contra a OAB no Congresso, hoje, tem na sua linha de frente os evangélicos. 

Coube ao vice-líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), evangélico, assegurar apoio de nove partidos para ser colocado em votação um requerimento de urgência para o seu projeto de lei que acaba com o exame da OAB. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, com relatório favorável do deputado evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), mas a comissão, composta em sua maioria por políticos com ligação com o direito, tende a rejeitá-lo. Por isso a necessidade de que a urgência seja aprovada. Dessa maneira, o texto é apreciado diretamente pelo plenário da Câmara, o que aumenta suas chances de aprovação. 

A Eduardo Cunha também é atribuída outra motivação para o projeto. Em 2011, quando se instalava a Comissão Especial para analisar alterações no Código de Processo Civil, ele conseguiu a indicação do líder da bancada, Henrique Eduardo Alves (RN), para ser o relator dos trabalhos. Ophir Cavalcante manifestou a contrariedade da OAB pelo fato de Cunha não ser ligado ao direito. Em protesto, ele apresentou o projeto para acabar com o exame. Neste mês, ampliou a carga: outra proposta sua defende a eleição direta para a OAB. Ele nega motivações políticas. "Por que só bacharéis em direito têm de fazer esse exame? Nenhuma outra profissão exige isso. É reserva de mercado. Um completo absurdo", disse Cunha. 

A isso se somaram o surgimento de denúncias de fraudes contra o próprio exame e o reavivamento de antigos questionamentos contra a Ordem. O principal deles: por que a entidade tem suas contas fechadas e inacessíveis até mesmo aos advogados? Foi a base, então, para a ideia de uma CPI. O deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), "pastor, escritor e cantor" evangélico, o mesmo que deu o relatório a favor do projeto de Cunha na CCJ, decidiu junto com o deputado fluminense, na volta do recesso parlamentar, começarem a recolher assinaturas. 

"Precisamos de 171 assinaturas. É só juntar os 80 do PMDB mais 80 da bancada evangélica e já chegamos próximo. Como temos objeto determinado, não vai ser difícil convencer os deputados, até porque abrir CPI não significa uma condenação, é apenas investigação", afirmou Feliciano. 

Ele se apoia também em uma sinalização positiva do presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), deu a movimentos organizados de bacharéis em direito que pressionam pela aprovação do projeto e pela CPI. Em julho, o petista recebeu em seu gabinete representantes dos Bacharéis em Ação e do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito. 

"Ele disse que vai ser colocado em votação a urgência e pediu documentação sobre a CPI", afirmou Gisa Moura, presidente da Bacharéis em Ação. De acordo com ela, a prova da OAB é feita para reprovar e garantir um mercado restrito diante dos cerca de 90 mil alunos que se formam em direito no país todo ano. Além disso, aponta que a OAB lucra mais de R$ 70 milhões com a prova e que seus advogados mais antigos e conhecidos -como o próprio Ophir- não precisaram passar por ela, já que ela só passou a ser exigida após 1994. A taxa usual de reprovação beira os 75%. 

Ela revela ainda que o responsável por articular o encontro com Marco Maia foi o ministro da Pesca, Marcelo Crivella, senador licenciado pelo PRB, partido ligado a Igreja Universal do Reino de Deus, e seu indicado na Transpetro, Rubens Teixeira, pastor evangélico e diretor administrativo da estatal. Ele há tempos trava uma batalha pessoal com a OAB do Rio de Janeiro, que lhe nega a carteira de advogado pro ser também funcionário de carreira do Banco Central. Em seu site, publicou um texto em que disse ter sofrido arbitrariedade, ilegalidade, humilhação e tratamento indigno pela seccional fluminense da OAB. "Deixei a luta pela minha carteira de lado e entrei na batalha pelo fim do Exame da OAB", concluiu. 

Para entidade, movimento é 'eleitoreiro' 

Dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontam a movimentação contra a entidade na Câmara dos Deputados como "eleitoreira" e avaliam que o Legislativo tem assuntos mais relevantes para serem tratados. Também dizem que não faz sentido uma CPI para apurar fraudes ou as contas da entidade, uma vez que ela não recebe dinheiro público. 

"Não temos o que esconder, mas entendemos que a OAB não recebe recursos públicos, portanto não haveria sentido em instalar uma CPI. Isso é muito mais para atingir o exame do que para investigar alguma coisa. O Legislativo tem assuntos mais importantes para serem tratados. Esse não me parece não ser um ponto crucial da atuação parlamentar", disse ao Valor o presidente da OAB, Ophir Cavalcante. 

Segundo ele, a entidade "jamais foi omissa" diante de fraudes como a venda de provas em Goiás ou conluio entre formandos e uma examinadora. "Em nenhuma situação a OAB deixou de tomar providência e até expulsou pessoas dos seus quadros, como essa examinadora. Sobre o caso de Goiás, há 101 processos criminais tramitando." 

Em relação ao exame, ele afirma que a prova existe "para atender aos interesses da sociedade, que é destinatária dos serviços dos advogados para proteger três bens dos seus clientes: liberdade, honra e patrimônio". "Por isso o advogado precisa estar pronto, até porque há juízes muito bem preparados e promotores muito bem preparados". E critica o Ministério da Educação por autorizar a criação de cursos de direito sem garantias de qualidade. "Enquanto a China, com população muito maior, tem 950 cursos de direito, e os Estados Unidos 180, o Brasil tem 1.259. Desses, apenas 89 receberam recomendação como cursos de excelência. O próprio MEC reconhece que deixa muito a desejar nesse sentido. Muitos alunos mal sabem escrever". 

Também rebate a acusação de que a OAB lucra com o exame. "Vivemos de anuidades. Seria confortável financeiramente ter milhões de advogados. Do ponto de vista financeiro seria melhor." Diz ainda que o Supremo Tribunal Federal já julgou constitucional o exame. 

Para o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, o projeto de lei para acabar com o exame é "eleitoreiro e irresponsável". "São milhares de votos a serem ganhos. São cerca de 700 mil alunos de direito no país. Mas é irresponsável, porque se aprovado pode acabar com a advocacia enquanto profissão organizada". Damous diz ainda que "Eduardo Cunha está retaliando. É legislação de vingança que ganhou força por conta da declaração do Ophir de que o Congresso é um pântano. O resultado disso não pode ser uma legislação contra a OAB." 

Caio Junqueira - De Brasília
Fonte: AASP Clipping Eletrônico, 

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