Por Carlos Brickmann,
jornalista.
A questão envolve um dos três Poderes da República, define o destino de personalidades importantes, trata de um assunto que mobiliza a opinião pública. Mas o clima do debate é aquele de mesa-redonda de futebol, em que o torcedor de cada clube defende apenas o seu lado, critica o juiz que deu pênalti contra seu time e se empolga ao ganhar com gol de mão.
O caso do mensalão tomou conta do imaginário popular: ninguém imagina a possibilidade de ver alguns dos réus condenados, outros absolvidos, sem que nas decisões contrárias à vontade de cada cidadão haja intervenções de dinheiro, poder ou chantagem.
A imprensa, de uma forma ou outra, reflete este clima de partida decisiva de campeonato de futebol. Os repórteres são bem preparados, experientes, têm bons contatos com a acusação e a defesa; mas a pressão que sofrem dos consumidores de notícias é avassaladora, a ponto de obrigá-los a trabalhar na defensiva. Este colunista, por exemplo, sem ter qualquer conhecimento especializado em Direito, considerou bem embasados dois votos opostos, o do ministro Joaquim Barbosa (que condena João Paulo Cunha) e o do ministro Ricardo Lewandowski (que o absolve). E vai levar pancada dos dois lados.
O fato é que, num julgamento em que intervêm alguns dos principais advogados do país, em que a decisão é tomada pelo mais alto tribunal da República, o mínimo que se pode esperar é que os votos sejam bem embasados, bem articulados, concordemos ou não com eles. Mas não é essa a expectativa da opinião pública; espera-se separar os ministros entre bons e maus e decidir a disputa como se Batman enfrentasse o Coringa.
O secretário de Imprensa da Presidência da República, José Ramos Filho, mandou uma mensagem pelo Twitter: "Tô começando a entender o vocabulário jurídico na mídia. Voto técnico: o que condena; voto Canalha-Político-Partidário: o que inocenta".
Ramos tem metade da razão: para boa parte da imprensa, voto técnico é o que condena. Mas, para outra parte, o voto pela condenação é golpista. Voto técnico, juridicamente correto, é o que absolve.
É pena; é pena, também, que a imprensa não consiga funcionar como dique à maré da opinião pública. Uma reportagem com alguns dos mais irados manifestantes poderá mostrar quem sabe o que é peculato, corrupção ativa, corrupção passiva - com certeza, não é a maioria, e esta é uma visão otimista.
Transformar a Justiça em instrumento de vingança não é saudável - como também não é saudável transformar a Justiça em acobertadora de atos de corrupção.
Que os ministros julguem, pois; e que a imprensa se livre de transformar-se, ela também, em instrumento de corrupção ou de acobertamento. Não é fácil: da mesma forma como ninguém pode aceitar pacificamente que o julgamento do caso tenha levado sete anos, também é altamente duvidoso que apressar os trâmites legais, para permitir a um determinado ministro que vote antes de aposentar-se, seja um comportamento positivo.
Nem tão devagar que pareça procrastinação, nem tão depressa que pareça açodamento. Pois a Justiça, embora tenha obrigação de mostrar-se independente, tem também a função educativa de mostrar à população como a aplicação das leis deve funcionar num regime democrático.
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carlos@brickmann.com.br
Fonte: Espaço Vital, http://www.espacovital.com.br
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