R2P ou RtoP, acrônimos da expressão responsibility to protect(“responsabilidade de proteger”, em português), são denominações conferidas a uma doutrina internacionalista que propõe conciliar o dilema das intervenções humanitárias com o devido respeito à soberania estatal[1], a partir de dois princípios básicos: o de que este conceito, tomado no seu sentido tradicional, também implica responsabilidade, e não apenas autoridade; e o de que é do próprio Estado a responsabilidade primária pela proteção de seus indivíduos[2].
O termo tem sua origem em um relatório homônimo produzido por uma comissão independente de notáveis, instituída em 2001 sob os auspícios do governo do Canadá, com o objetivo de saber “quando é apropriado, se é que em algum momento o é, para os Estados tomarem ação coercitiva, sobretudo militar, contra outro Estado, com o propósito de proteger pessoas em risco nesse outro Estado”[3].
Referida doutrina baseia-se em três pilares, a saber: o 1º, que é a responsabilidade primária de cada Estado de proteger a sua população do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade; o 2º, que é a responsabilidade da comunidade internacional de ajudar os Estados a construir a capacidade de exercer a sua responsabilidade primária; e o 3º, que é a responsabilidade da comunidade internacional de desempenhar uma ação eficaz quando um Estado não conseguiu exercer de maneira adequada a sua autoridade[4].
Os princípios que compõem a “responsabilidade de proteger” possuem natureza jurídica de soft law[5], e se encontram positivados em uma série de documentos das Nações Unidas, como, por exemplo, o Documento Final da Cúpula Mundial de 2005[6]; a Resolução do Conselho de Segurança (S/RES/1674), de 28.04.2006[7]; a Resolução da Assembleia-Geral (A/RES/63/308), de 07.10.2009[8]; a Resolução do Conselho de Segurança (S/RES/1973), de 17.03.2011[9]; a Resolução do Conselho de Segurança (S/RES/1975), de 30.03.2011[10]; e a Resolução do Conselho de Segurança (S/RES/2014), de 21.10.2011[11]. Nada impede, contudo, que, no futuro, essas normas emergentes sejam integradas como costume no direito internacional[12].
Um dos principais fundamentos da R2P é a manutenção da paz e da segurança internacionais[13]. Daí ser o Conselho de Segurança, em princípio, o único órgão legitimado para autorizar intervenções humanitárias de caráter militar[14]. Excepcionalmente, admite-se a apreciação do assunto pela Assembleia Geral, nos termos do procedimento estabelecido pela Resolução 377 (V), de 03.11.1950, e até mesmo a adoção de ações regionais, previstas no Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas[15].
Cumpre assinalar que a doutrina da “soberania com responsabilidade” não se confunde com o “direito de intervenção humanitária”: “proteger” significa mais do que “intervir", na medida em que abrange não só a responsabilidade de reagir, mas também a responsabilidade de evitar, e a responsabilidade de reconstruir[16]. Essa constatação implica uma compreensão bastante ampla do conceito da R2P, a ser aferida a partir de suas três dimensões ou elementos: (a) prevenção; (b) reação; e (c) reconstrução[17].
Também são distintos os conceitos de “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect ouR2P), e de “responsabilidade ao proteger” (responsibility while protecting ou RwP). Embora ambos tenham como um de seus elementos basilares a centralidade da solução pacífica das controvérsias, oRwP almeja um maior nível de responsabilidade nas ações baseadas no 3º pilar da R2P, de modo a evitar que as intervenções militares agravem os conflitos existentes, aumentando, assim, a vulnerabilidade das populações civis[18].
[1] Cf. EVANS, Gareth. A responsabilidade de proteger. Disponível em http://goo.gl/4HqyS.
[2] ICISS. The Responsibility to Protect: Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, 2001, pp. XI –XIII.
[3]Cf. BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o Direito Internacional Humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 129.
[4] SANTA SÉ. Intervenção da Delegação da Santa Sé no âmbito do debate sobre o Relatório do Secretário Geral da ONU sobre a Atuação da Responsabilidade de Proteger. Disponível em: http://goo.gl/rGqOh.
[5] Cf. MERKEL, Reinhard. Und nächste Woche Bomben auf Damaskus?In: Die Zeit, Hamburgo, 03 abr. 2011:“Responsibility to protect ist, was im Völkerrecht soft law heißt: eine Norm im Entstehen, mit unklarer Verpflichtungskraft und mit notwendig unbestimmtem Inhalt”. Disponível em: http://goo.gl/NfWaQ.
[6]Nesse sentido, os parágrafos 138 e 139. Disponível em: http://goo.gl/yWui3.
[7]Sobre a proteção dos civis nos conflitos armados. Disponível em: http://goo.gl/lT7ln.
[8] Sobre a responsabilidade de proteger. Disponível em: http://goo.gl/y1NmV.
[9] Sobre a situação na Líbia. Disponível em: http://goo.gl/ywllI.
[10]Sobre a situação na Costa do Marfim. Disponível em: http://goo.gl/8Zxos.
[11]Sobre a situação no Oriente Médio. Disponível em: http://goo.gl/1K9IM.
[12] Cf. EVANS, Gareth. A responsabilidade de proteger. Disponível em http://goo.gl/nwsqd. Para uma discussão aprofundada acerca da natureza jurídica da R2P: STOCKBURGER, Peter. The Responsibility to Protect Doctrine: Customary International Law, an Emerging. Legal Norm, or Just Wishful Thinking. In: Intercultural Human Rights Law Review, v. 365, n. 5, 2010.
[13] Cf. CUNHA, Mayara; STERNBERG, Sami; SOARES, Thaís; SANTOS, Victória.Responsabilidade de proteger: Avanços e desafios na implementação de um novo princípio para a proteção de indivíduos. Disponível em: http://goo.gl/o753w.
[14] Nesse sentido, o art. 24 da Carta das Nações Unidas: “A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurançainternacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles”.
[15] ICISS. The Responsibility to Protect: Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, 2001, pp. 47-48.
[16] Cf. EVANS, Gareth. A responsabilidade de proteger. Disponível em http://goo.gl/4HqyS.
[17] ICISS. The Responsibility to Protect: Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, 2001, pp. 19-46.
[18]É o que se depreende da nota "Responsabilidade ao Proteger: Elementos para o Desenvolvimento e Promoção de um Conceito" (documento A/66/551 – S/2011/701), que a delegação brasileira fez circular após o discurso proferido pela Presidente Dilma Rousseff na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU. O documento encontra-se disponível em: http://goo.gl/KsDM7. Para uma crítica à proposição brasileira: EVANS, Gareth.Responsabilidade durante a protecção. In: Público, Lisboa, 30 jan. 2012. Disponível em:http://goo.gl/bz9dP.
Aldo de Campos Costa é advogado. Foi professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e assessor especial do Ministro da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2013.
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