Ainda que tenha convicção formada sobre o
mérito da ação, o julgador não pode desconsiderar eventual
irregularidade do processo de citação, mesmo se alegada após o
julgamento, em embargos de declaração. A decisão é da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O processo envolve compra e venda de imóvel rural de cerca de 250
mil hectares, à beira do rio Purus, por R$ 300 mil, em 1998. O caso
trata, ironicamente, de ação rescisória que considerou nulo processo de
rescisão contratual por falta de pressuposto processual válido.
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mesmo que os réus da
ação rescisória tivessem sido citados, não poderiam suprir a nulidade
da ação original, que o TJ considerou ajuizada, processada e julgada de
forma irregular, já que proposta por mandatário sem procuração para
constituir advogado ou representar os autores em juízo.
Eram 23 réus, mas apenas sete foram citados pessoalmente. Os demais,
ou seus espólios, foram citados por edital. Destes, alguns só tiveram
oportunidade de se manifestar, pela primeira vez no processo, nos
embargos de declaração, após o julgamento pelo TJSP.
Nos embargos, alegaram que a citação por edital seria incabível
porque os réus ou os inventariantes de seus espólios tinham endereço
certo. Alegaram ainda que, mesmo incidindo a revelia, deveria ter
ocorrido a nomeação de curador especial para os réus, o que não
aconteceu.
O TJSP rejeitou os embargos dos revéis da rescisória afirmando que a
ação original foi processada “sem a observância de pressuposto
processual para seu válido desenvolvimento”.
A ministra Nancy Andrighi considerou, porém, que o julgamento da
ação rescisória pelo TJSP incorreu em falha idêntica. “A citação
constitui pressuposto de eficácia de formação do processo em relação ao
réu, bem como requisito de validade dos atos processuais que lhe
seguirem”, afirmou.
A relatora também apontou jurisprudência do STJ segundo a qual,
diante da excepcionalidade da citação ficta por edital, é necessária a
nomeação de curador especial para os réus revéis. “A despeito disso, na
hipótese específica dos autos, o TJSP considerou desnecessário aferir a
regularidade da citação dos réus e a inexistência de nomeação de
curador, afirmando que, independentemente do cumprimento dessas
formalidades, não estaria suprido o vício por ele reconhecido para
julgar procedente o pedido rescisório”, esclareceu.
“Ao assim decidir, o TJSP incorreu em clara inversão da sistemática
processual, partindo diretamente para a análise da procedência ou não do
pedido (mérito), sem antes verificar questões de natureza preliminar,
consistentes na presença de pressupostos de eficácia da formação do
processo em relação aos réus. Mais do que isso, colocou a procedência do
pedido como condição capaz de superar deficiência que fulmina a própria
eficácia do processo”, concluiu.
Segundo a relatora, mesmo tendo convicção sobre a anulabilidade da
decisão original, o TJSP teria que confirmar a regularidade do processo
que julgava. “O fato de, na visão do tribunal estadual, existir
fundamento suficiente para a procedência do pedido, não o autoriza a
dispensar a oportunidade de apresentação da contestação ou a nomeação de
curador, corolários dos princípios constitucionais do contraditório, da
ampla defesa e do devido processo legal, garantias inerentes a um
estado democrático de direito”, acrescentou.
A ministra apontou que a recusa do TJSP em apreciar a nulidade
apontada pelos réus configura negativa de prestação jurisdicional, o que
justifica a anulação do acórdão nos embargos de declaração e sua
devolução ao tribunal, para que os julgue novamente.
A relatora ainda ressaltou que a citação por edital é
excepcionalidade que, para ser admitida, depende de análise criteriosa
do julgador sobre a impossibilidade de conhecer o paradeiro dos réus.
Sem avançar quanto ao mérito sobre o ponto, a ministra indicou, porém,
indícios da verossimilhança das alegações dos réus revéis.
A ministra apontou como exemplo certidão do próprio TJSP de que seu
cartório não localizou a citação de um deles. Outro exemplo foi certidão
de oficial de Justiça segundo a qual uma ré deixou de ser citada porque
estava em sua fazenda, de onde seguiu diretamente para a capital e de
lá para o Ceará, de onde não retornaria “antes de início de dezembro”.
“Em situações como essa cabe, a rigor, a citação por hora certa e não
por edital”, asseverou a ministra.
REsp 1280855
Fonte: STJ, via Clipping AASP, 23/03/2012.
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