O nome “Alan Turing” traz 2,3 bilhões de resultados em 0,12
segundo, no portal de busca Google. Isso é pouco, pelo menos em
comparação com alguém como Steve Jobs, que alcança cerca de 60 bilhões
de resultados. Ao que parece, a memória digital esqueceu Alan Turing,
embora o inglês tenha sido um de seus pioneiros. Em 2012, se
completaria o centenário de seu nascimento. A exposição Genial e
secreto: Alan Turing em dez etapas, no Heinz Nixdorf Museumsforum da
cidade alemã de Paderborn, comemora essa data.
Excentricidade
Porém não é fácil organizar uma mostra sobre Alan Turing,
especialmente por ele ter sido forçado a manter grande parte de sua vida
em segredo: durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou para o serviço
secreto britânico na decifração de códigos.
O museu de Paderborn não apresenta nenhum objeto da vida de Turing,
nem um manuscrito ou carta, nem mesmo um de seus chapéus. Todo o
material, que os organizadores da mostra em Paderborn tiveram à
disposição, foram os resultados de pesquisas do matemático e os relatos
de antigos colegas, amigos e conhecidos sobre ele.
Em parte, são histórias bizarras: ele sempre mantinha sua xícara de
chá presa na calefação com um cadeado, e usava máscara de gás ao andar
de bicicleta. “Ele remanejou a máscara como proteção contra sua febre do
feno”, explica o curador da exposição, Jochen Viehoff.
Software e harware
Contudo, Alan Turing não era apenas excêntrico, mas sim realmente
genial. Seu trabalho como matemático e lógico é descrito como a
“construção de um cérebro” (building a brain).
– Seu interesse sempre foi saber se e como é possível construir uma
máquina que funcione como um cérebro, que apresente uma espécie de
inteligência – diz Viehoff.
Já na década de 40, Turing sabia que o software é decisivo para um tal aparelho, não sua parte física:
– Na época, construíam-se máquinas para realizar um único programa, e
isso nunca lhe bastou. Por isso se diz que Alan Turing é um dos
fundadores da informática e do que, hoje, reunimos sob o conceito
‘ciências de computação’.
Estátua em Manchester
O cientista inglês teria ficado feliz em ver como hoje há softwares
que transformam qualquer computador numa máquina universal, e o
smartphone num acessório quotidiano multifuncional. “Mas ficaria
seguramente um pouco decepcionado por não termos alcançado, no campo da
inteligência artificial, aquilo que ele previu para o ano 2000, ou seja:
um computador que passe no Teste Turing”, especula o curador da mostra.
Nesse teste, um ser humano e uma máquina travariam uma conversa – um
bate-papo na rede, por exemplo. Com base nesse diálogo, um árbitro
deveria, então, decidir quais respostas são humanas, quais artificiais.
Anonimato
Entretanto, o nome Alan Turing está fortemente relacionado à sua
atuação junto ao serviço secreto britânico. Durante a Segunda Guerra,
ele trabalhou numa propriedade rural de aparência inocente, ao norte de
Londres. Lá, em Bletchley Park, o centro britânico de criptoanálise,
Turing desenvolveu um método para decifrar as mensagens radiofônicas dos
submarinos de guerra alemães. Ele desvendou a famosa máquina de
codificação Enigma, definindo os destinos do combate submarino no Atlântico Norte e provavelmente salvando numerosas vidas humanas.
Por esse trabalho como herói de guerra, sua recompensa foi o total anonimato.
– Turing teve o terrível azar de os ingleses terem decido manter sob sigilo todas as conquistas em torno da máquina alemã Enigma, mesmo após o fim da guerra – aponta Jochen Viehoff.
O então primeiro-ministro Winston Churchill mandou destruir tudo o
que Turing desenvolvera. Assim, em vez de ser festejado como herói de
guerra, o cientista retornou discretamente a sua profissão de professor
de matemática. Somente nos anos 70 divulgou-se o que fora realizado em
Bletchley Park, mas ele mesmo não viveu para receber o devido
reconhecimento.
Estigma
Em 1954 o pioneiro do computador cometeu suicídio. Além de estar
adiante de seu tempo, ele era homossexual – um crime na Inglaterra dos
anos 50. Quando o seu romance com um rapaz veio à tona, ele foi
condenado em 1952 e intimado a optar entre a prisão e um tratamento
hormonal. Turing escolheu a segunda opção, e durante um ano foi-lhe
aplicado o hormônio feminino estrogênio. Segundo seu biógrafo Andrew
Hodges, a intenção era realizar uma “castração química”.
Os hormônios causaram um estranhamento entre o cientista e o próprio
corpo, ele tornou-se depressivo. Pouco antes de seu 42º aniversário,
envenenou-se com cianeto.
“Perdoe-nos, o senhor merecia um destino bem melhor”: assim, em 2009,
o premiê britânico Gordon Brown pediu desculpas pela indigna
perseguição a Alan Turing.
Uma vida como um roteiro de cinema. Não é difícil heroizar e
idealizar o inatingível e misterioso criptoanalista. Em 1987 o
dramaturgo alemão Rolf Hochhuth referiu-se a ele como “o pai do
computador”, caracterizando-o como herói e galã. Em breve, a vida de
Turing realmente deverá voltar a ser filmada: em Hollywood corre o boato
que ele será representado por Leonardo DiCaprio. Porém nenhum astro
hollywoodiano jamais será capaz de representar, de verdade, a complexa
vida desse gênio misterioso.
Fonte: Correio do Brasil, http://correiodobrasil.com.br/matematico-excentrico-gay-e-espiao-recebe-exposicao-por-criar-codigos-secretos/461622/